A pressão da ficha limpa em 2012 – Por Tânia Oliveira

Os pontos centrais e mais polêmicos relacionam-se com o descumprimento do preceito da presunção de inocência e a suposta aplicação retroativa da Lei.

No dia 16 de fevereiro último, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da constitucionalidade da Lei Complementar nº 135, de 2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa.

Embora equivocadamente noticiado pela mídia, não estava em pauta daquele dia a validade ou não da nova lei para as eleições municipais de outubro de 2012, que já havia ocorrido em Minas Gerais, no julgamento do Recurso Extraordinário 633703, em 24 de março de 2011. Ao discutirem a constitucionalidade da Lei Complementar 135/2010 e sua aplicação nas eleições de 2010, por seis votos a cinco, os ministros deram provimento ao recurso de Leonídio Correa Bouças, candidato a deputado estadual em Minas Gerais, que teve seu registro negado com base nessa lei, fundamentando que ela não seria aplicada às eleições realizadas em 2010, por desrespeito ao artigo 16, da Constituição Federal de 1988.

O ministro Luiz Fux desempatou a votação, beneficiando diretamente vários candidatos cuja elegibilidade havia sido barrada, entre eles os senadores Jader Barbalho (OMDB-PA) e João Capiberibe (PSB-AP).

Com a decisão, o STF reconheceu a validade da lei a partir de 2011, ano subsequente à sua publicação, pela aplicação literal do art. 16 da Constituição Federal. A importância da utilização de seus parâmetros para as eleições municipais deste ano somente fazem sentido no mérito, tendo em vista a possibilidade de aplicação da comentada lei a fatos ocorridos antes de 2012, como determinante da validade de registro de candidaturas.

Mas foi em 16 de fevereiro passado que o STF julgou, de fato, se consideraria constitucionais as novas hipóteses de inelegibilidade criadas pela LC 135/2010. O placar final foi de 7 votos a 4 a favor.

Os pontos centrais e mais polêmicos sob análise relacionam-se com o descumprimento do preceito da presunção de inocência e a suposta aplicação retroativa da Lei. Pela primeira, a Lei torna o candidato inelegível após condenação por órgão colegiado, independentemente do trânsito em julgado da decisão condenatória. Pela segunda, torna inelegíveis, por exemplo, candidatos que tenham renunciado a mandatos ou sido condenados antes da sua entrada em vigor.

Em matéria penal, a Constituição brasileira assevera que a presunção de inocência tem seu termo final no trânsito em julgado da sentença condenatória. Os ministros da tese derrotada defenderam que isso se aplica a matéria eleitoral. Prevaleceu, contudo, a posição que entende tratar-se, na hipótese, de requisito como condição de elegibilidade, não de pena, pelo que não se aplica o princípio.

No que se reporta à questão da retroatividade da lei, o debate assume contornos mais complexos. Isso porque a Lei da Ficha Limpa entende que uma pessoa que tenha renunciado a mandato parlamentar há oito anos atrás, por exemplo, ou que tenha sido condenada antes da vigência da Lei, sofra efeitos negativos dela decorrentes e não possa mais se candidatar.

A decisão do Supremo respeitou o processo político construído. É fato que a Lei da Ficha Limpa foi edificada com muita legitimidade democrática. Resultado de uma iniciativa popular com cerca de 1,5 milhão de assinaturas, ela envolveu segmentos atuantes da sociedade civil organizada, e foi aprovada, por unanimidade, nas duas Casas Legislativas – no Senado dia 05 de maio de 2010 e na Câmara dos Deputados dia 19 de maio de 2010 – foi sancionada pelo Presidente da República sem nenhum veto, no dia 04 de junho daquele mesmo ano.

Considera-se, portanto, que uma decisão diferente do Supremo Tribunal Federal seria uma valoração excessiva da postura do seu colegiado, em relação à posição de todos os demais órgãos e agentes políticos com poder de decisão sobre o tema.

Certo que um tribunal, sobremaneira se tem o encargo de julgar as questões constitucionais, não pode ser escravo da opinião pública. Mesmo porque “opinião pública” é um conceito que assume contornos subjetivos, não devendo ser automaticamente equiparado à opinião “publicada”.

Ademais, nem sempre a decisão mais correta e justa confirma-se como a mais popular. Recentemente, o ministro Gilmar Mendes exprimiu desse modo sua opinião sobre a pressão exercida sobre o STF em alguns julgamentos: “Me preocupam os fundamentos de que o tribunal deva se curvar à opinião pública. Aí me parece extremamente preocupante, porque isso decreta o falecimento dos argumentos constitucionais. Foi aquilo que numa brincadeira disse: o papel do tribunal não é bater palma para maluco dançar. Nós estamos na rota errada quando um juiz diz que tem que atender a anseios populares.”

Por outro lado, um tribunal – principalmente o STF – não pode viver sem sintonia com o sentimento social, sem deixar-se permear por ele, na medida da justeza das reivindicações da sociedade. Há que se pensar em uma busca de equilíbrio.

Ainda sobre os meandros do julgamento, muitas questões permanecem em aberto e serão ainda formatadas pelo Supremo. O caso julgado na última semana do deputado Aberlardo Camarinha (PSB-SP) abriu um novo leque de debates acerca da aplicação da Lei Complementar 135/2010, desta vez sobre as hipóteses de prescrição das penas diante da demora no julgamento de caso concreto. É que, com a prescrição, os efeitos da condenação são suspensos. O deputado foi condenado a pagamento de multa por ter praticado crime de responsabilidade em 2000, quando era prefeito de Marília (SP).

Doze anos depois não há mais possibilidade de punição pelo crime.

Pela tradicional doutrina, se houve prescrição não há condenação, portanto a hipótese não se enquadra naquelas já decididamente enquadradas na nova lei, requerendo nova manifestação do STF. Haverá uma nova peleja para definir limites que, obviamente, não podem ser infindos. A inelegibilidade pela rejeição de contas de prefeitos, por exemplo, feitas pelos tribunais de contas está na ordem do dia e pode, na esteira dos ditames da Lei da Ficha Limpa, alterar a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O pontapé foi dado no último dia 1º de março, quando o TSE aprovou, por 4 a 3, resolução que exige a aprovação das contas eleitorais dos candidatos pelo Tribunal de Contas para a obtenção da certidão de quitação eleitoral e, em consequência, do próprio registro de candidatura. A Resolução vai de encontro ao que preceitua a Lei de Inelegibilidades, que prevê a interposição de recurso judicial para suspender a decisão da Corte de Contas sobre a inelegibilidade e a Lei 9.504/1997, alterada pela Lei 12.034/2010 (Lei das Eleições), que estabelece os limites da certidão de quitação eleitoral.

A decisão atrai, inevitavelmente, as costumeiras altercações acerca da politização das decisões dos tribunais de contas e podem aumentar em muito a pressão sobre os rumos de uma eleição.

Aguardemos.

Tânia Oliveira é assessora da Liderança do PT no Senado

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