Araguaia: Para Suplicy, sociedade tem o direito de saber o que aconteceu

A denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o coronel da reserva do Exército Sebastião Curió pelo sequestro de cinco integrantes da Guerrilha do Araguaia pode inaugurar um novo momento na busca de reparação às vítimas do Regime Militar e seus familiares. “Mais importante que punir, é assegurar que todos os fatos sejam conhecidos”, afirma o senador Eduardo Suplicy (PT-SP).

Ele cita a Comissão para a Reconciliação e a Verdade da África do Sul, que apurou os crimes do regime racista conhecido como apartheid, e a Comissão da Verdade brasileira, aprovada pelo Congresso no final do ano passado: “O espírito dessas iniciativas é fundamentalmente permitir que as famílias das vítimas e a sociedade como um todo possam saber o que aconteceu”.

O direito das famílias também foi destacado pelo diretor-executivo da organização Human Rights Watch nas Américas, José Miguel Vivanco. Para ele, a denúncia do MPF contra Curió é “uma notícia maravilhosas para quem perdeu entes queridos na repressão brutal que se seguiu ao golpe de 1964”. Já o portal Vermelho, do Partido Comunista do Brasil — organização à qual pertenciam os militantes desaparecidos — afirmou que a iniciativa do Ministério Público representa “uma luz no fim do túnel”.

Crime continuado
Em editorial, o órgão oficial do PCdoB na internet destacou que “não há crimes perfeitos” e que os responsáveis pelo regime militar não puderam incluir na Lei de Anistia a figura do crime continuado, já que isso se “constituiria numa confissão de culpa”.

Assinada por sete procuradores da República e apresentada à Justiça Federal em Marabá (PA), a denúncia contra Curió parte do princípio de que o crime ainda está em curso, já que Maria Célia Corrêa (“Rosinha”), Hélio Luiz Navarro Magalhães (“Edinho”), Daniel Ribeiro Callado (“Doca”), Antônio de Pádua Costa (“Piauí”) e Telma Regina Cordeira Corrêa (“Lia”) estão desaparecidos desde 1974, após serem presos por unidades do exército que combatiam a Guerrilha, caracterizando um crime permanente — passível de punição até que as vítimas apareçam ou seus corpos sejam encontrados.

Desaparecimento forçado
O Brasil é signatário da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado que prescreve, entre outras providências, que as legislações dos Estados-Membros adotem como condição para contagem de prazo para a prescrição desses crimes a descoberta do paradeiro da vítima ou de seus restos mortais.

No caso dos cinco guerrilheiros, a denúncia do MPF afirma que é “irrelevante a mera suspeita de que as vítimas estejam mortas. O fato concreto e suficiente é que, após a privação da liberdade das vítimas, ainda não se sabe o paradeiro de tais pessoas e tampouco foram encontrados seus restos mortais”. De acordo com os procuradores, só há provas materiais do sequestro e dos maus tratos sofridos pelos cinco guerrilheiros após sua captura. No documento apresentado à justiça, eles citam testemunhos das torturas infligidas aos militantes antes de seu desaparecimento. Se for condenado, Curió pode pegar até 40 anos de prisão.

Sem Anistia
O MPF entende, também, que os crimes permanentes não podem ser enquadrados na Lei de Anistia, pois essa trata dos delitos cometidos entre 1961 e 1979. Até a elucidação, o seqüestro dos cinco guerrilheiros ainda estaria em curso, extrapolando, portanto, esse período. Embora tenha decidido pela impossibilidade de revisão dos crimes praticados durante o regime militar, o Supremo Tribunal Federal, em decisão recente, ordenou a extradição de militares estrangeiros envolvidos com crimes da ditadura argentina, exatamente por entender que não havia prescrição, já que as vítimas permaneciam desaparecidas.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos já declarou a Lei de Anistia brasileira como “incompatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos”. A decisão foi dada numa sentença que tratava exatamente sobre a responsabilidade do Estado brasileiro por não ter investigado o desaparecimento de 62 pessoas envolvidas na Guerrilha do Araguaia. O País foi condenado pela Corte, que declarou que a Anistia não poderia constituir-se em obstáculo à investigação dos fatos e a identificação e a punição dos responsáveis por violações dos direitos humanos.

Comissão da Verdade
Em novembro de 2011, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a lei de criação da Comissão da Verdade, que vai apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar (1964-1988). No Senado, a matéria foi aprovada pela unanimidade do Plenário. Na ocasião, Eduardo Suplicy já lembrava o papel da comissão em “por fim a uma lacuna inquietante na história do País e fechar uma chaga existencial na vida dos familiares de perseguidos do regime militar, para, finalmente, prosseguirem com a vida”.

A Comissão Nacional da Verdade deverá esclarecer e tornar público os casos de tortura, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e a autoria, ainda que fora do País, ocorridos durante o período da ditadura militar brasileira. Essas informações deverão auxiliar na localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos e colaborar para a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir a violação de direitos humanos.

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