Artigo: Recessão, para quê? – Por Benjamin Steinbruch

O empresário Benjamin Steinbruch crítica o conservadorismo que domina a opinião publicada brasileira nos últimos tempos, especialmente para tentar impor a ideia de que austeridade fiscal e arrocho monetário são as únicas formulas econômicas possíveis

Há algo muito grave acontecendo no país. Uma avalanche conservadora dominou a opinião publicada nos últimos tempos e impôs a ideia de que o Brasil precisa unicamente de austeridade fiscal e arrocho monetário e não pode continuar a pensar em medidas para incentivar o crescimento econômico.

 Austeridade nas contas é, sem dúvida, uma virtude, principalmente quando direcionada, no caso de governos, à contenção de gastos correntes. Mas pode também ser desastrosa para o país se adotada de forma indiscriminada, com reflexos nas áreas sociais, nos investimentos produtivos e no emprego.

 Vejamos alguns fatos preocupantes. No início do mês, o Banco Central divulgou o IBC-Br, um índice que antecipa a medição do crescimento da economia. No último trimestre do ano passado, segundo esse índice, a produção no país teve uma variação negativa de 0,17%. Já no terceiro trimestre, o índice havia caído 0,21%.

 O PIB oficial, do IBGE, só deve ser divulgado na quinta-feira. Mas, há cerca de duas semanas, o IBGE mostrou que a produção industrial brasileira teve em dezembro a maior queda desde 2008, de 3,5%. Durante todo o ano passado, houve um pequeno avanço no setor, de 1,2%.

 A indústria automobilística, ainda o carro-chefe da indústria brasileira, teve bom desempenho em janeiro, mas amargou queda de vendas de 25% na primeira quinzena de fevereiro ante o mesmo período de janeiro e de 18% na comparação com a mesma quinzena de 2013.

 O comércio também perde vitalidade. Nos 12 meses encerrados em dezembro, o volume de vendas do varejo ampliado, que inclui automóveis e material de construção, teve crescimento de 3,6%, o menor desde dezembro de 2009.

 Não há nenhuma dúvida: a economia do país continua a esfriar, seguindo tendência do segundo semestre do ano passado. Levando em conta os dados do IBC-Br, o Brasil já estaria em recessão técnica, visto que houve queda do Produto Interno Bruto por dois trimestres consecutivos.

 A despeito de tudo isso, em razão da avalanche conservadora, várias medidas capazes de esfriar ainda mais a atividade estão sendo tomadas. Uma delas, da semana passada, foi o anúncio de um corte de R$ 44 bilhões no Orçamento de 2014. E não foram poupados investimentos –o PAC, por exemplo, vai perder R$ 7 bilhões. O objetivo é combater o discurso pelo qual a credibilidade brasileira estaria arranhada no exterior em razão do descontrole fiscal.

 Outra medida será tomada amanhã: a menos que sobrevenha uma hecatombe, o Banco Central vai elevar a taxa de juros básica de 10,5% para 10,75% ou 11%. É correta a preocupação do BC com a inflação. É sua responsabilidade buscar controlar a alta dos preços atendo-se ao centro da meta de 4,5%, embora já seja hora de pensar em atribuir ao BC também a tarefa de perseguir um objetivo de crescimento econômico.

 Nos próximos meses, mantida a avalanche conservadora, haverá novas medidas que tenderão a desaquecer a economia ainda mais, entre elas a programada elevação do IPI para carros com motores de 1.0 a 2.0, em junho, e outras tributações.

 A fase das desonerações e dos incentivos fiscais ficou para trás, sob o argumento de que não ajudam mais a economia a reagir. A tese é duvidosa, pois não leva em conta o que poderia ter ocorrido caso não tivessem sido concedidos esses benefícios. E representa uma inexplicável atitude de virar as costas para o imenso mercado interno brasileiro.

 Por uma razão ainda não totalmente esclarecida –uma bênção, talvez–, a economia brasileira, a despeito do baixo crescimento dos últimos três anos, continua a criar um número razoável de empregos –1,1 milhão em 2012 e mais 1,1 milhão no ano passado. Mas essa bênção não é eterna. No ritmo que vamos, em breve o país poderá passar a cortar vagas de trabalho.

 Talvez as pessoas tenham se esquecido do desespero e do sofrimento que o desemprego representa para as famílias. O Brasil atravessou até agora toda a crise global, que já dura seis anos, sem que essa desventura atingisse os brasileiros. Mas, se prevalecer o pensamento conservador, infelizmente, caminharemos para isso. As manifestações públicas que temos visto ultimamente nas ruas nem de longe se assemelham às que provavelmente virão no dia em que o país passar a viver um cenário de desemprego.

* Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo de 25 de fevereiro de 2014

To top