Em 1900, Gregório Lourenço Bezerra nasce na pequena cidade de Panelas de Miranda, agreste de Pernambuco. Filho de camponeses humildes e pobres, ao completar 4 anos de idade ganha sua primeira enxada e aos 7 já está trabalhando no corte da cana-de-açúcar. Conheceu desde cedo o rigor dos senhores de engenho e usineiros no trato com os trabalhadores.
Aos 10 anos, após a morte de sua mãe, Dona Belarmina, Grilo – seu apelido de menino – vem para o Recife, trazido por uma família que lhe prometera estudos. Aprender a ler, portanto, era o objetivo de sua vinda ao Recife de 1910, com suas luzes, pontes e bondes e um “formigueiro” de pessoas que o encanta.
O sonho dura pouco, depois de se ver explorado e perceber que dificilmente conseguiria ir à escola, resolve abandobar a família que o trouxera e descobrir a cidade grande. A partir daí, as pontes do Recife passam a ser o seu teto e a fome sua companheira, o que o obriga a buscar trabalho. Depois de alguns pequenos “bicos”, termina por se tornar um vendedor de jornais – para um analfabeto, uma ironia. Tinha que perguntar aos jornalistas a manchete do dia para poder gritá-la nas ruas.
Aos 15 anos, cansado de vender jornais, encontra um amigo, mestre de obras, por meio dele começa a trabalhar na construção civil. Daí para o sindicato foi um pulo e assim começa sua vida politica.
Em 1917 participa ativamente das ações do sindicato, tais como o movimento grevista por oito horas diárias de trabalho. Em um dos comícios, no qual de cima de um caixote convocava os trabalhadores para uma greve, é preso e vai pela primeira vez para a Casa de Detenção do Recife, aí permanecendo até 1922. Nesses 5 anos de prisão viu de tudo: fome, violência, gripe espanhola, febre amarela. Mas também encontrou amigos e um deles foi o cangaceiro Antônio Silvino, conhecido como “Rifle de Ouro” por sua pontaria certeira. Silvino sabia ler e mantinha Gregório informado sobre o movimento grevista e a revolução bolchevique. Também lhe ensinou as táticas de guerrilhas dos cangaceiros e como atirar com um rifle.
As autoridades chegaram a conclusão que nada existia contra Gregório e ele é solto com 22 anos. Sem uma profissão definida e sem ter muitas opções, termina por se alistar no exército brasileiro, e como soldado é mandado para a cidade do Rio de Janeiro, capital do Brasil à época.
Discriminado por ser nordestino e analfabeto, resolve fazer o curso para sargentos, mas, para isso, teria que aprender a ler e escrever. Sem recursos, passa a dividir o almoço com um amigo para economizar dinheiro e contratar uma professora. Aos 25
anos de idade Gregório, já alfabetizado, se torna sargento, instrutor de educação física e especialista em armas automáticas.
Ainda no Rio de Janeiro conhece, no trem da Central do Brasil, um sujeito que lhe passa um jornal comunista. Gregório se encanta com o que lê e começa a se interessar pelos ideais comunistas.
Em 1930, volta ao Recife e conhece, nas forças armadas, outros militares comunistas e se filia ao Partido Comunista do Brasil – PCB. As reuniões com os companheiros de farda e partido se davam a noite, na praia, em baixo dos cajueiros.
Em 1935, mesmo com o PCB na ilegalidade, funda a Aliança Nacional Libertadora – ANL, com a ajuda de parte da sociedade insatisfeita com os rumos da Ditadura Vargas inspirada no fascismo europeu, com o propósito de criar uma organização política capaz de dar suporte às lutas populares. A burguesia industrial e rural, assustada com o crescimento da ANL, exige de Getúlio providências, o que culmina com a proibição das atividades da ANL.
Os comunista reagem e deflagam a Revolta Comunista – taxada pela direita de “Intentona Comunista” – nos estados do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Rio de Janeiro. Gregório lidera o movimento no Recife, onde toma o quartel do Centro Preparatório de Oficiais – CPOR e o quartel da 7ª região mecanizada. Os militares reagem e Gregório é ferido e preso depois de um longo tiroteio.
Pela segunda vez é levado para a Casa de Detenção do Recife, onde é barbaramente torturado e permanece por muito tempo
Em Fernando de Noronha encontra companheiros de partido – Carlos Mariguella, Agildo Barata, o argentino Rodolfo Guioldi, entre outros – com os quais aprende os fundamentos do comunismo.
Com a Segunda Guerra Mundial, são transferidos para o Rio de Janeiro para que as tropas norte-americanas ocupem o Arquipélago. No Rio, Gregório conhece o lendário Luís Carlos Prestes, com quem cria grande amizade.
Em 1945, com o término da Guerra, são anistiados por Getúlio Vargas. Aconselhado por Prestes, Gregório volta a Pernambuco e se candidata a deputado federal constituinte, elegendo-se o segundo mais votado do estado. Como deputado é muito atuante, sugerindo ao texto constituinte artigos em favor das mães solteiras, crianças de ruas, creches nas fábricas e do direito de voto para analfabetos e militares de baixas patentes.
O trabalho da bancada comunista (Gregório, Prestes, Mariguella, Jorge Amado, João Amazonas, José Maria Crispim, dentre outros) passa a incomodar às oligarquias, que
forçam o presidente Eurico Gaspar Dutra a cassar a licença do PCB, o que acontece em janeiro de 1948.
Após a cassação de seu mandato, Gregório é acusado de incendiar o XV Regimento de Infantaria de João Pessoa, Paraíba. É preso, e só depois de mais de um ano de julgamento, consegue provar sua inocência e revelar a farsa dos militares para incriminá-lo, já que no dia do incêndio estava no Rio de Janeiro. Sai da cadeia e “cai” na clandestinidade.
Durante quase 10 anos viajou por muitos estados brasileiros – São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Bahia – organizando os núcleos do PCB, fundando Ligas Camponesas e auxiliando na formação de sindicatos. No Paraná, pegou em armas para lutar contra os latifundiários ao lado do querido jornalista e comunista João Saldanha.
Em 1957 volta para Pernambuco – a saudade da família e a curiosidade em conhecer os netos o fazem regressar. Acaba preso novamente, mas o Brasil era outro, governado por Juscelino Kubtischek, consegue sua legalização. Contrariando as determinações do partido, resolve permanecer em Pernambuco.
Com companheiros como David Capistrano, dirigente do PCB estadual, funda o jornal comunista Folha do Povo e retoma as atividades do partido, mesmo na ilegalidade. Preocupado com as questões que afetavam os trabalhadores rurais, Gregório parte para os latifúndios de cana-de-açúcar e começa a organizar os trabalhadores, inaugurando os primeiros sindicatos.
As primeiras greves dos trabalhadores rurais são deflagradas e culminam com as conquistas do salário mínimo, do descanso semanal e do 13º salário. Apesar das conquistas, são poucos os latifundiários que cumprem com as novas determinações trabalhistas.
As Ligas Camponesas, por sua vez, lideradas pelo então deputado estadual Francisco Julião e influenciados pela Revolução Cubana, exigem a reforma agrária “na lei ou na marra”. Começam as invasões de terra e incêndios nos canaviais, atos condenados pelo PCB.
A oligarquia reage organizando milícias, que passam a ameaçar os trabalhadores, proibindo-os de se organizar
Em 1962, com o apoio do PCB, Miguel Arraes é eleito governador de Pernambuco – pela primeira vez o estado era governado por representante popular, não oriundo das classes dominantes. Gregório participa ativamente da campanha, angariando muitos votos na zona rural – só o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Palmares tinha cerca de 45 mil associados.
No início de 1963, alguns dias antes da posse de Miguel Arraes, acontece a chacina da Usina Estreliana: o latifundiário José Lopes metralha cinco trabalhadores que cobravam o pagamento de 13º salário.
As tensões se acirram e Miguel Arraes reúne, por primeira vez na mesma mesa, lideranças dos trabalhadores rurais e as oligarquias, para acalmar os ânimos e empreender negociações. Seu governo é inovador e trás consigo o Movimento de Cultura Popular – ação comunitária de educação para formar consciência política e social nos trabalhadores. Utilizando o revolucionário método Paulo Freire, começa a alfabetizar os adultos.
A desconsideração, pelos usineiros, dos acordos anteriormente celebrados, e a redução dos salários levam os trabalhadores a declarar greve geral, estratégicamente deflagrada no início da colheita de 1963. Diante do iminente prejuízo, os patrões cedem, quase que dobrando os salários. O reflexo do aumento do poder aquisitivo dos trabalhadores foi imediato, gerando escassez de mercadorias e a possibilidade de aquisição de itens básicos, tais como cama e colchão.
No Recife, o Governador, Gregório e demais companheiros eram vigiados pela Delegacia Especializida de Ordem Político e Social – DEOPS. A cidade estava também infestada de agentes da CIA, preocupados com o que chamavam de “a Sierra Maestra brasileira”.
Em março de 1964, ao lado de Miguel Arraes e Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, o presidente João Goulart organiza um grande comício no Rio de Janeiro, no qual discursa a favor das “reformas de base” – pregava distribuição de renda mais equânime e a reforma agrária, dentre outras coisas.
Este grande comício foi o estopim para deflagração do Golpe Militar de 1º de abril de 1964. Arraes é deposto e preso. Gregório é detido no campo e trazido para o Recife, onde sofre longa sessão de tortura, pelas mãos do então capitão do exército, Darcy Villoc. Com ácido de bateria de carro ainda corroendo seus pés, é arrastando pelas ruas do Recife com 3 cordas amarradas ao pescoço.
Apesar da bárbara violência sofrida, Gregório sobrevive graças aos clamores da população que assistia estarrecida ao espancamento do líder comunista. Gregório é mandado, pela terceira vez, à Casa de Detenção, aí permanecendo até 1969, quando, juntamente com outros 14 presos políticos, é trocado pelo embaixador norte-americano Charles Elbrik, que fora sequestrado no Rio de Janeiro pelo MR-8, grupo de esquerda.
Gregório sai do Brasil rumo ao México, seguindo para Cuba e, de lá, para a União Soviética, onde permanece exilado por 10 anos. Retorna ao Brasil em setembro de 1979. Morre