Carta Maior: Caso Delta reforça necessidade de lei anticorruptor

Ministro Jorge Hage, da CGU, anuncia processo de “inidoneidade” da Delta. Altos funcionários da construtora foram flagrados em telefonemas com Carlos Cachoeira, agora investigado por participar de um esquema de fraudes em obras públicas. Projeto de lei que pune corruptor, em trâmite em comissão especial da Câmara, tem votação agendada no próximo dia 9 de maio, mas sofre forte lobby de entidades empresariais.

São Paulo – O ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage, anunciou a abertura nesta segunda-feira (23) de um processo administrativo que pode resultar na declaração de inidoneidade da construtora Delta, do empresário Fernando Cavendish.

Se isso ocorrer, a empreiteira estará legalmente impedida de participar de licitações públicas e firmar contratos com órgãos do governo federal.

A Delta ganhou as páginas do noticiário policial depois de seus altos executivos terem sido flagrados em conversas com Carlinhos Cachoeira, preso por comandar o jogo ilegal em Goiás e, agora, investigado por participar de um esquema de fraudes em obras públicas.

Gravações da Polícia Federal já divulgadas pela imprensa apontam conversas comprometedoras de Cachoeira com o diretor-executivo da empreiteira, Carlos Pacheco, e seu ex-diretor Cláudio Abreu.

Na última sexta-feira (20), a CGU divulgou relatório com análise de 17 contratos rodoviários da Delta firmados entre 2009 e 2010, envolvendo mais de R$ 220 milhões. Em todos eles foram detectadas irregularidades, desde as mais simples, como preenchimento de relatórios, até infrações graves, como superfaturamento de serviços e materiais.

No contrato mais caro, de R$ 39,6 milhões, para a recuperação de rodovias federais no Mato Grosso, foi detectado sobrepreço de R$ 9 milhões, ou seja, de 22,7% do total.

O suposto esquema da Delta não seria possível sem a participação de servidores públicos. De acordo com a Polícia Federal, funcionários do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) recebiam propina para aprovar para aprovar irregularidades nos contratos da empreiteira.

Punição ao corruptor
O caso Delta reforça a importância do projeto da Lei Anticorrupção (PL 6826/10), proposto pelo governo federal e em tramitação na Câmara dos Deputados. O tema, analisado em comissão especial e relatado pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP), tem votação marcada para 9 de maio.

O objetivo do projeto é preencher lacunas na legislação brasileira, de modo a fazer as penalidades atingirem o patrimônio da empresa que subornar agente público, garantido o ressarcimento ao Estado.

Elaborado pela própria CGU, o projeto parte da premissa que é muito difícil punir pessoas e empresas corruptoras criminalmente na justiça e que uma alternativa eficaz seriam sanções administrativas.

Em caso de condenação em processo civil e administrativo, a empresa terá de pagar até 20% de seu faturamento bruto no ano anterior, além de ressarcir os cofres públicos do prejuízo causado. O texto original do governo determinava multa de até 30%, mas esse patamar foi reduzido diante do intenso lobby de entidades empresariais.

Na semana passada, Zarattini anunciou uma outra concessão: a sanção à empresa flagrada em ilícito será atenuada no caso de o servidor público responsável pelo contrato condicionar sua efetivação ao pagamento de propina.

A Confederação Nacional da Indústria havia solicitado ainda que a multa incidisse apenas sobre ramos de atividade da empresa responsáveis pelas irregularidades, e não sobre o faturamento global, diante do risco de inviabilizar a companhia. Mas o relator considera a proposta de difícil implantação, pois muitas empresas não distinguem os faturamentos dos ramos em que atuam.

Os seguidos atrasos da votação da proposta devem-se a atuação de deputados do PMDB, em especial os do “baixo clero” da Câmara. Édio Lopes, de Roraima, e Natan Donadon, de Rondônia, apresentaram quase a metade de todas as 35 propostas de mudanças no projeto. E agora, não fosse pedido de vista de Alberto Filho, do Maranhão, a votação já teria ocorrido em abril.

Para Antônio Augusto Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), apesar de tudo a Lei Anticorrupção já é um avanço. “Como não há expectativa de que a reforma política saia no curto prazo, esse tipo de mudança pontual, como também é o caso da lei da ficha limpa, eleva a qualidade da política”, diz ele.

Carta Maior

Marcel Gomes

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