Desaponto e futuro – Por Marta Suplicy

Durante anos, o movimento das mulheres acreditou, e eu também, que o caminho fundamental para a emancipação da mulher era o da educação. Este seria o passaporte para a igualdade de gênero.

Certamente é um instrumento essencial para a aquisição de autonomia financeira, autoestima e inserção no mundo. Mas o último Censo do IBGE mostrou o quanto, mais do que educação, é necessário para a desejada igualdade de gênero acontecer.

 

Embora hoje a mulher tenha dois anos de escolaridade a mais que o homem, ela ganha em média 30% menos do que ele. Agora, o que é chocante: quanto mais “estudada” essa mulher, maior a diferença entre o seu salário e o do homem com a mesma escolaridade.

Isso não quer dizer que, na baixa faixa de renda, as mulheres estejam bem. Entre os que recebem até meio salário mínimo, 15,2% são mulheres e 4,8% são homens. A partir de um salário mínimo até as maiores faixas de rendimento, a diferença nos percentuais é favorável aos homens, com as mulheres cada vez menos presentes. Os homens são mais de 80% dos que recebem mais de 20 salários mínimos.

O Censo também apurou que 39% dos lares são providos só por mulheres e 30% as têm como coprovedora. O sustento familiar e a carga dupla de trabalho, frutos de uma emancipação complexa, aumentaram as responsabilidades da mulher. As mudanças para enfrentar o novo papel não acompanharam tais demandas, bem como a divisão do trabalho não segue a forma exigida pela nova conjuntura.

Alguns dizem: “Não procuraram? Agora se virem”. Não, ninguém procurou e muito menos planejou dessa forma tão perversa. Os séculos de opressão e o fato de a mulher ter entrado no mercado de trabalho como um “favor” do mundo masculino tiraram a força de qualquer negociação. Além da culpa, mal elaborada, por não dar conta de tudo.
Os caminhos para sair dessa situação mostram-se mais complexos do que só a conquista de um lugar na universidade. As trilhas são cheias de desvios e as avenidas atravancadas. Mas algo fundamental mudou. O psicanalista francês Jacques Lacan dizia que a palavra pertencia ao homem e o silêncio, à mulher. Entretanto não foram necessários mais do que 50 anos para mostrar o equívoco de Lacan.

Nós, mulheres, apesar do ritmo vagaroso e das expectativas ainda frustradas, estamos construindo uma palavra feminina. Seja na ciência, no Estado ou na economia, estamos mudando o jeito masculino de funcionar. A tal inteligência emocional, tão prestigiada, é a nova ordem simbólica que une a subjetividade e o afeto ao bom desempenho técnico. Talvez por aí, sem abandonar as lutas de sempre, conquistemos a igualdade.

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