Economist diz que sistema de pensões do Brasil é “uma bomba-relógio”

Economist diz que sistema de pensões do Brasil é “uma bomba-relógio”

A mais prestigiada revista semanal do mundo trata da reforma previdenciária em curso no Senado – e alerta: se o atual sistema não for reformado, a intransigência dos sindicatos fará com que seus afiliados paguem a conta no futuro.

O sistema de pensões do Brasil

Tic, tac

O Senado debate uma pequena mudança para ajudar a desarmar uma bomba de tempo sobre a economia do país

Depois de gastar boa parte de seu capital político lutando contra a corrupção política, Dilma Rousseff, a presidente do Brasil, está tendo de escolher suas batalhas. Sete senadores da sua ressentida coalizão já desistiram e ouros avisaram que também poderão sair. Dilma colocou a maioria de seus planos legislativos em compasso de espera, até que as relações melhorem, mas testa o poder de fogo que ainda tem para enfrentar aquele que pode ser o maior problema das políticas públicas do Brasil: um sistema de pensões voraz que ameaça estourar o orçamento e prejudicar toda a economia do País.

Dia 29 de fevereiro passado, a Câmara dos Deputados aprovou uma reforma no sistema de pensões do funcionalismo público. Ele pretende limitar os planos de benefícios dos futuros funcionários públicos em R$ 3.916 (US$ 2.150) por mês, assim como ocorre com o sistema dos trabalhadores do setor privado, abrindo a possibilidade de aplicação em fundo separado para os que queiram ganhar mais. Com isso, o sistema se tornaria menos injusto e, no longo prazo, um pouco mais barato.

O projeto ainda precisa ser aprovado pelo Senado e, aqui, o poder de persuasão de Dilma pode não ser suficiente. Ainda assim, mesmo que seja aprovado, seria apenas o primeiro passo para a reformulação de um sistema que Fábio Giambiagi, economista do Banco de Desenvolvimento (BDNES), classifica como “absolutamente o mais generoso do mundo. A economia brasileira é muito diferente da Grécia, mas, em se tratando de regras para aposentadoria, elas são piores”.

Ao ser comparado com as grandes economias do planeta, o Brasil é um país jovem, mas com um projeto de lei de pensões de um país velho. Com apenas 10 habitantes acima de 65 anos – para cada cem habitantes com idade entre 15 entre 64 anos – o Brasil  a menor proporção de idosos entre os países que formam o G7. Mas, apesar disso, seu sistema de pensões consome 13% do PIB (Produto Interno Bruto), percentual acima de todos os países do G7. A única exceção é a Itália, onde a parcela da população idosa é três vezes maior do que a do Brasil.

Na verdade, são muito poucos os brasileiros que pagam pensão e muitos a recebê-la. O País tem 35 pensionistas para cada cem trabalhadores contribuintes, proporção que supera até mesmo a dos Estados Unidos.

O sistema de pensões do Brasil também está entre os mais generosos do mundo, com pagamentos de 75% da renda média do país. Algumas dessas pensões destinam-se a reduzir a pobreza. Trabalhadores rurais com mais de 60 anos, e qualquer pessoa pobre com  mais de 65 anos, podem receber uma pensão de R$ 622 – o valor do salário mínimo, sem ter nunca colaborado com o sistema. Essa parcela da população, entretanto, pesa pouco sobre o orçamento – apenas 2% do PIB por ano. Os verdadeiros vilões do sistema são suas regras, que permitem a aposentadoria precoce, com pensões que ultrapassam as de qualquer outro país do mundo.

Para se aposentar com pensão integral, os brasileiros precisam colaborar com o sistema por quinze anos e passar a usufruí-la. Homens podem se aposentar após os 65 anos, mulheres após os 60. Mas, após 35 anos de contribuição, homens de qualquer idade podem se aposentar com uma pequena (mas ainda generosa) pensão. Já as mulheres precisam pagar durante apenas 30 anos. Todas as pensões devem ser iguais ou superiores ao salário mínimo, que triplicou em termos reais desde 1995. Como resultado, o que acontece é que a maioria dos brasileiros se aposenta surpreendentemente cedo: aos 54 anos, em média, para o homem que trabalha no setor privado, e apenas 52 para a mulher. Não há idade limite para receber os benefícios. E, na sua totalidade, as famílias herdam as pensões, o que quer dizer que jovens ou viúvas sem filhos nunca precisarão trabalhar. Um décimo da população feminina, com idade até 45 anos, já recebe  pensão.

Se todos contribuíssem com o sistema antes de começar a usufruí-lo, em um país com população jovem como a do Brasil, possivelmente haveria mais recursos para investimentos em infraestrutura e educação. E o pior é que o sistema já se encontra deficitário.

As crianças são particularmente as que ficam com a menor parte dos recursos do país, depois do pagamento das pensões. No cálculo da renda média em diferentes demografias, o Brasil gasta duas vezes mais do que a média dos países da OCDE (a organização que reúne as nações mais ricas do mundo) com pensões, mas apenas dois terços da renda média com educação infantil. A ajuda máxima que uma criança pode esperar é o Bolsa Família, com uma ajuda de R$ 115 por mês. Se essa criança tivesse mais do que 65 anos, poderia receber cinco vezes mais. Como resultado, há um número bastante reduzido de pessoas idosas abaixo da linha da pobreza – condição vivida por um terço das crianças brasileiras.

O preço pago por essa distorção de prioridades já é bastante alto, e será insustentável dentro de muito pouco tempo. Os impostos consomem 32% do salário bruto do trabalhador, percentual maior do que todos os países do G7, com exceção da Itália, que tem trêz vezes mais idosos do que o Brasil. De acordo com Bernardo Queiroz, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a conta poderá chegar a 86% dos salários em 2050 para manter o sistema em funcionamento.

Para evitar o desastre, grandes mudanças são necessárias: mais pessoas terão de contribuir, as pensões terão de ser menos generosas e a aposentadoria terá de ser coibida. Refazendo cálculos sobre essas novas bases, Queiroz estima que, mesmo com todas essas medidas, os impostos ainda comeriam 40% dos salários  – ainda uma possibilidade assustadora.

Nenhuma dessas reformas estruturais, no entanto, não começaram a ser discutidas. “É um quebra-cabeças”, diz ele. “Os sindicatos são contra essas mudanças, mas, sem elas, os trabalhadores que eles representam estarão pagando para outras pessoas usufruírem de pensões mais generosas do que para eles próprios”.

O Brasil terá de encarar a realidade cedo ou tarde. Mas o risco que paira é que o governo resolta se mexer diante de um ambiente de crise econômica. Grandes reformas foram postas em marcha em 1999, quando o País estava se debatendo para pagar seus débitos com o exterior. (Por incrível que pareça, as pensões passaram a ser ainda mais generosas, sem teto no setor privado e com pagamento de salários na íntegra – a qualquer idade – após 35 anos de trabalho).

O professor Queiroz diz que a lição que vem de outros países é que, quando os aposentados e os que se aproximam da aposentadoria são muitos, a reforma é emergencial e atinge os que também recebem pensões. Nesse ponto, eles irão se mobilizar e bloquear todas as mudanças, ainda que o colapso do sistema esteja próximo. Um sistema exorbitante só pode ser consertado quando a parcela de pessoas idosas for pequena – e a oportunidade para o Brasil fazer o reparo é breve, ele diz – talvez dez anos. 

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