Ministro do Governo Temer ameaça saúde pública, universal e gratuita

Ministro do Governo Temer ameaça saúde pública, universal e gratuita

Criado em 1988, SUS pode ser vítima do retrocesso do governo interinoJá dizia o personagem Justo Veríssimo, criado por Chico Anísio: “o povo que se exploda”. Ou, para ser completamente específico, o povo só atrapalha. Deve ser por isso que o engenheiro civil nomeado para ocupar o Ministério da Saúde durante o governo interino quer rasgar a Constituição e desmontar o Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo afirmou (e tentou consertar depois) Ricardo Barros, a Constituição prevê direitos demais e deveres de menos. 

O senador Humberto Costa (PT-PE), que foi ministro da Saúde na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse que a proposta do governo Temer para acabar com SUS é um “atentado à vida de milhões”. “Estão ameaçando o que nós temos de mais precioso: a vida”. 

É possível concluir das idas e vindas nas declarações do ministro que a população brasileira abusa do direito de ficar doente e tem o dever de se conformar com o que havia antes de 1988: quem não estava empregado nem vinculado a uma assistência privada dependia da caridade de hospitais filantrópicos ou morria sem socorro. É a Ponte para o Futuro do Pretérito. 

Nessa segunda-feira (16), Barros disse com todas as letras que será necessário repensar o acesso universal à saúde, assegurado pela Constituição a todos os cidadãos que nascem, vivem ou estejam, mesmo que transitoriamente, em território brasileiro. É um dos sistemas mais inclusivos de todo o mundo.  

O novo ministro, que segundo nota publicada pela revista Época, tem, como principal financiador de campanha o sócio de um plano de saúde, defende que quanto mais o cidadão puder ter acesso a planos de saúde, melhor. 

Melhor para quem? Certamente não será para o cidadão, já que ele precisará contar ou com a “benevolência” de seu empregador ou com seus próprios recursos para arcar com a nova despesa. Mas o empregador, segundo o novo titular da pasta da Saúde, pode não estar disposto a “contribuir”. Nesse caso, qual a saída? Ora, a terceirização. Aí, então, não haverá direitos trabalhistas ameaçadores. 

As declarações do novo ministro também deixam claro um “apreço” pelas operadoras de planos de saúde. “A judicialização na área dos planos tem obrigado que eles façam reajustes muito acima da inflação. Cada vez que uma decisão judicial determina incluir um procedimento na cobertura do plano, aumenta o custo e ele tem que repassar para o consumidor”, disse, acrescentando: “Quanto mais gente puder ter planos, melhor, porque vai ter atendimento patrocinado por eles mesmos, o que alivia o custo do governo em sustentar essa questão”. 

Esqueceu-se o ministro de que há procedimentos que dependem, no mínimo, de supervisão do SUS. Entre eles, por exemplo, os transplantes, cuja fila é organizada por meio de uma central de regulação. E o tratamento para doenças como a AIDS. Esqueceu-se, também, de que praticamente todos os brasileiros – ricos ou pobres – recorrem ao menos uma vez ao sistema. Mesmo que seja só para tomar vacina. 

“Não estamos em um nível de desenvolvimento econômico que nos permita garantir esses direitos por conta do Estado”, disse o titular da Saúde. Talvez seja justamente por não estarmos num patamar tão favorável de desenvolvimento econômico e distribuição de renda que os menos favorecidos precisem de saúde pública, gratuita e universal. 

Nesta terça-feira (17), o ministro, aparentemente, percebeu que havia avançado o sinal. Aos jornalistas, reconheceu que o SUS está estabelecido e atende ao máximo de pessoas possíveis. Mas, para ampliar o sistema, ele defende uma “repactuação” da divisão de recursos. A conferir. 

Polêmicas

Ricardo Barros assumiu o cargo já causando polêmica. Ficou claro seu pouco compromisso com a saúde pública já na primeira declaração sobre a liberação da pílula contra o câncer. Para ele, “na pior das hipóteses, o comprimido terá um efeito placebo (não faz mal, mas não traz qualquer benefício). Não satisfeito, atacou em sintonia com a religiosidade do novo governo: “Se não tem essa efetividade, mas as pessoas acreditam que tem… a fé move montanhas”. 

Por falar em medicamentos, Barros acredita firmemente que o brasileiro comum é capaz de se preocupar em ter diversos cartões do sistema para, segundo ele “pegar medicamentos em duas cidades ou três para depois vende-los”. Foi exatamente isso o que ele disse à Folha de S. Paulo. Talvez seja por isso que ele acredite que é possível cortar programas como o Farmácia Popular. 

Giselle Chassot 

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