Mulheres na política

Mulheres enfrentam machismo há dois séculos

Luta por espaço na sociedade e na política é tão antiga quanto a República brasileira
Mulheres enfrentam machismo há dois séculos

Foto: reprodução

Conscientes de seus direitos, intelectualizadas, profissionais e empoderadas versus belas, recatadas e do lar. O ancestral machismo brasileiro costuma dividir as  mulheres de forma simplista e maniqueísta. De um lado, as feministas. De outro, as conformadas. Como se a luta pelo direito de voz das mulheres pudesse ser reduzido à uma espécie de batalha de bem contra o mal. Ou, para usar a expressão da moda nas redes sociais, um Fla X Flu.

A deposição de uma mulher, que fazia questão de ser chamada de presidentA – assim mesmo, com uma forte identidade de gênero – que havia sobrevivido à luta armada contra a ditadura e participado de decisões tipicamente masculinas quando esteve à frente do Ministério das Minas e Energia – só comprova uma triste realidade brasileira: o machismo está tão presente em nossa sociedade que sequer é percebido pela maioria das pessoas.

O discurso de ódio contra Dilma Rousseff – quem esquece os infames adesivos colocados nas tampas dos tanques de combustível dos automóveis, com  a imagem  de Dilma? – representa claramente como a sociedade brasileira ainda não aceitou uma conquista real: as mulheres brasileiras não só têm direito a voto, como participam concretamente  da vida política do Brasil desde 1891 – apenas três anos depois da Proclamação da República.

Se dependesse unicamente das mulheres, o Brasil teria sido a primeira nação do mundo a aprovar o direito ao voto feminino. No dia 1º de janeiro de 1891, 31 constituintes assinaram uma emenda ao projeto da Constituição conferindo direito de voto à mulher. Naturalmente, a emenda foi rejeitada.

Foto: Ricardo Stuckert

Muito antes, porém, Nísia Floresta já havia observado que a situação de ignorância em que as mulheres eram mantidas impedia  sua participação na vida pública e a não participação na vida pública as mantinha sem instrução. O círculo vicioso foi apontado no artigo “Direitos das mulheres e injustiças dos homens”, publicado em 1832.

Depois da libertação dos escravos, da chegada da mão de obra imigrante e da Proclamação da República, as indústrias se multiplicaram. As condições de trabalho dos operários e, especialmente, das operárias, chamou a atenção de Patrícia Galvão, a Pagu, que foi uma espécie de porta-voz contra a exploração.

O Brasil se reorganizava politicamente e coube a uma mulher, a feminista baiana Leolinda Daltro a tarefa de criar o Partido Republicano Feminino (PRF), cuja proposta era promover a “cooperação feminina” para o progresso do País e combater a exploração relativa ao sexo e reivindicar o direito ao voto.

Em novembro de 1917, o PRF levou dezenas de simpatizantes do sufrágio universal às ruas do centro de Salvador. Daltro lutou para que um senador apresentasse o primeiro projeto de lei, em 1919, em favor do sufrágio feminino. Em 1921, a proposta passou pela primeira votação, mas jamais foi realizada a segunda e necessária rodada de votação para converter o projeto em lei.

Nada muito diferente da realidade atual, quando as propostas que confrontam a supremacia masculina ou asseguram políticas públicas para as mulheres são “esquecidas” nas gavetas e um parlamentar consegue se colocar contra a criação da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara alegando que as mulheres querem ser “cuidadas”. O deputado Flavinho (PSB/SP), integrante de um partido que se define como progressista,  declarou, durante a votação no dia 27 de abril : “As mulheres que estão lá fora, que não são feministas, como muitas aqui, a mulher de verdade que está lá fora ralando para sobreviver não quer empoderamento. Ela quer ser amada. Ela quer ser cuidada”.

Às parlamentares presentes, afirmou:  “Não venham me dizer que nós, homens, não entendemos de mulher. Entendemos, sim. É que as senhoras, muitas vezes, não entendem o que é ser amada e acham que essas mulheres não querem ser amadas como as senhoras. Respeitem as mulheres do Brasil que querem ser mães, que querem ser amadas”.

Nada mudou na cabeça de certos políticos e muitos homens desde o século XIX.

Diversas foram ainda as tentativas sem êxito de emenda à Constituição e alteração da legislação eleitoral para conferir direitos políticos plenos às mulheres. Na década de 20 do século passado, enquanto as mulheres tentavam se organizar politicamente, campanhas da mídia tradicional atacavam as mulheres, abrindo suas páginas para ridicularizar as mulheres, consideradas incapazes de ocupar cargos eletivos ou ocupar espaços na sociedade.

Uma zoóloga escreveu, nessa época, seu nome na história das lutas feministas no Brasil. Bertha Lutz  empenhou-se na luta pelo voto e criou, em 1919, a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, que foi o embrião da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF). Em 1922, representou as brasileiras na Assembleia-Geral da Liga das Mulheres Eleitoras, nos Estados Unidos, sendo eleita vice-presidente da Sociedade Pan-Americana.

Foto: Álbum de família


Uma prefeita no sertão

O voto feminino só foi conquistado em 1932, mas, quatro anos antes, no sertão nordestino, uma mulher se tornou a primeira prefeita (assim mesmo, com A) da América Latina. Alzira Soriano, aos 22 anos, viúva, mãe de duas filhas e grávida da terceira, Alzira  administrava a fazenda deixada pelo marido no interior do Rio Grande do Norte, comandando com pulso firme os vaqueiros . Sua personalidade forte chamou a atenção das sufragistas”.

O ano era 1928. As brasileiras só teriam direito, pelo Código Eleitoral de 1932, mas uma lei estadual abriu uma brecha para a candidatura feminina: “No Rio Grande do Norte poderão votar e ser votados, sem distincção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei”.

Em contato com a sufragista Bertha Lutz, Alzira lançou sua candidatura à prefeitura de Lajes. Na disputa com um major da região, ela amealhou 60% dos votos. Tornou-se então a primeira prefeita do Brasil – e da América Latina. A notícia saiu até no The New York Times, na edição de 8 de setembro de 1928.

Seu gabinete, como mostra a foto, era composto só por homens. O machismo resistia. Alzira perdeu o mandato com a ascensão de Getúlio Vargas ao Palácio do Catete. Mas voltou a vida pública em 1945 sendo eleita vereadora pela UDN por duas vezes.

Como Dilma, Alzira combateu os “costumes” da época. Foi ridicularizada, execrada e precisou enfrentar o discurso de ódio, como relata a professora Flávia Biroli em artigo publicado no blog da Boitempo.

“A violência que incide sobre as mulheres que ousam ultrapassar as barreiras convencionais e atuar na política – tanto na política institucional quanto no ativismo – apresenta-se sob diferentes formas, que, no entanto, sobrepõem-se e convergem nos seus objetivos, que são o de constranger a atuação política das mulheres e deslegitimar sua atuação no espaço convencionalmente masculino da política”, sintetiza Biroli.

Reprodução autorizada mediante citação do site PT no Senado

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