Batalha democrática contra o impeachment mostra que a luta é permanente

Batalha democrática contra o impeachment mostra que a luta é permanente

Meninos e meninas de São Paulo dão o exemplo para as esquerdas continuarem na lutaA consultora jurídica da Liderança do PT no Senado, Tania Maria de Oliveira, escreve nesta semana sobre a vitória dos meninos e meninas de São Paulo contra a descaso na educação e a truculência policial do governo do PSDB.

 

 

Ensaio sobre a coragem – Tania Maria de Oliveira

Saramago criava suas personagens com maestria. Sua personagem central na obra “Ensaio sobre a Cegueira” – um dos livros que me consumiu horas de sono pós-leitura – afirma em determinado momento da narrativa: “no fundo de cada um de nós há algo sem nome; esta coisa é o que somos”. Acontece que o “nós” lá do fundo pode abandonar o lugar incerto e não sabido quando é defrontado com momentos complexos e difíceis da vida. Sim, porque nas passagens de calmaria é bem fácil a razoabilidade, a confiança e a sapiência. No outro extremo podem surgir os desatinos, naquela assertiva pontuada por um dito popular: “é na tormenta que se conhece os marinheiros”.

Nossa história contemporânea nos coloca a todo instante diante de avassaladoras negações do pensamento. Vemos o chamado senso comum curvar-se sobre si mesmo. Estamos diante de tempos difíceis, muito difíceis. Não é preciso enxergar muito pra ver. No Brasil, basta observar a atordoante vocação da imprensa pela superfície das coisas, pelas perguntas mais rudimentares, os comentários mais pífios e os questionamentos que não são feitos, em troca do elogio mudo à intolerância. E ela está nas ruas, cada dia mais, nos gritos e faixas pedindo a volta à ditadura, na barbárie travestida de liberdade de expressão que tenta impedir a presença de pessoas em espaços públicos, no braço armado do Estado que ceifa a vida de meninos pobres e negros nas periferias, no exercício de racismo, homofobia e machismo nas redes sociais, na caneta e voz de um déspota que usa o poder para tentar um golpe branco na democracia.

Este é, sem dúvida, um oportuno momento para que aquilo que somos, naquele fundo, venha à tona. Ele pode revelar-se virtuoso ou indigno, nas postagens das redes sociais, nas manifestações de rua ou até nos silêncios convenientes e covardes.

No outro lado da corda, em extraordinária eloquência, meninas e meninos estudantes da rede pública de ensino de São Paulo decidiram resistir à mudança imposta pelo governo do Estado de reestruturação das escolas. E a primeira coisa que precisa ser dita sobre isso, além do conteúdo, é que a decisão do poder público local fora tomada sem que nenhum segmento diretamente afetado – estudantes, professores e famílias – fossem sequer ouvidos. Consistia, em síntese, em separar os ciclos escolares nas unidades de ensino, fechando cerca de 90 delas. Estudantes resolveram defender suas escolas, ocupando-as. E sua resistência, nesses sombrios tempos, tem nos ofertado grandes lições. Os vídeos e fotos postos na internet são assombrosos. Meninas e meninos em inacreditáveis diálogos, em assembleias com o Poder Judiciário, sendo presos, espancados. Vi olhares desafiadores, encarando policiais armados, braços erguidos, “mentes quietas, espinhas eretas”.

Impossível pra quem fez movimento estudantil desde a fase escolar, já em tempos de democracia, não lembrar de si mesma e se solidarizar com orgulho.

Eles conseguiram! Na sexta-feira, dia 04/12, o governador Geraldo Alckmin anunciou o adiamento da reorganização escolar por um ano, afirmando que abrirá o diálogo com a comunidade escolar para discutir a reforma na educação paulista durante o ano de 2016.

Sua vitória tem um sabor revigorante, não pelo conteúdo apenas, mas pela força que demonstraram em resistir. Em mim, essas garotas e garotos afastarem essa incômoda sensação de dar murro em ponta de faca e malhar em ferro frio, esses miúdos ditos populares, que expressam perder tempo. Disseram-me sem dizer que é preciso recuperar, sem mais, o alimento filosófico de trabalho de que vamos plantando o necessário para colher o possível. Impuseram-me retomar os exercícios sobre a luz, enxergar além da cegueira coletiva, para não me render. Porque em horas assim, por paradoxal que pareça, a incerteza é a única coisa certa.

E no final das contas me surpreendo lembrando que, independentemente do que venha a acontecer na batalha que se avizinha, vale o velho jargão de esquerda de que a luta sempre continua e tudo sempre recomeça.

Seguir.

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