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Números falsos dão suporte à reforma da previdência

"O problema é de gestão, fiscalização, arrecadação e cobrança. É artificial o déficit da previdência”, disse a professora Rivânia Moura, da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte
Números falsos dão suporte à reforma da previdência

Foto: Alessandro Dantas

“Há um conjunto de políticas macroeconômicas, trabalhistas e previdenciárias que atingirão com muita violência a previdência e o governo não nos mostra nenhum estudo de impacto, como se fossemos cidadãos de quinta categoria, uma sub-raça que pode engolir qualquer tipo de reforma da previdência sem nenhum questionamento”. A crítica é da professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Lobato Gentil, durante reunião da CPI da Previdência, nesta segunda-feira (8).

A segunda audiência pública da CPI debateu prioritariamente a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 287/2016). O projeto encontra-se em debate na Câmara dos Deputados e altera, segundo o texto aprovado na Comissão Especial, a idade mínima para aposentadoria. 53 anos para mulheres e 55 anos para homens. Após a promulgação da emenda, caso aprovada, a idade mínima será elevada em um ano a cada dois anos. Nos dois casos exige-se 25 anos de contribuição.

[blockquote align=”none” author=”Denise Lobato Gentil, professora da UFRJ”]As contas estão erradas. Essa reforma precisa ser interditada[/blockquote]

Apoiada por uma apresentação, Denise Gentil afirmou ser “decepcionante” para o cidadão brasileiro saber que a reforma da previdência apresentada pelo atual governo está sendo construída em cima de fraudes matemáticas e atuarias. “As contas estão erradas. Essa reforma precisa ser interditada. Ela está errada desde a sua origem, que é o modelo atuarial”, disse.

Segundo o governo, caso não haja a reforma previdenciária, de acordo com projeção da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2018, em 2060 o déficit do INSS chegará a R$ 10 trilhões, o que significaria 11,29% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para o ano.

O governo tem errado durante décadas nos cálculos e estimativas de receitas previdenciárias por utilizar dados desatualizados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, diz a professora. Até março de 2017 eram usados dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009. Desde então o governo utiliza dados da pesquisa de 2014. Em sua avaliação é um erro utilizar dados rígidos e ignorar variáveis para basear reformas como a da previdência. Na atual reforma (PEC 287), o governo faz uma simulação até o ano de 2060 para basear a necessidade de reformar as regras de acesso à aposentadoria.

Outra crítica é a ausência de apresentação de dados, por parte do governo, sobre a supressão de receitas ao longo da política monetária que afetam os cofres da previdência, além da adoção de políticas recessivas que impactam diretamente a principal fonte de renda da previdência – a folha de pagamentos. O Brasil possui atualmente cerca de 14,1 milhões de desempregados.

“Como o governo decide fazer uma reforma trabalhista sem dizer aos cidadãos que isso vai afetar as receitas da previdência no mesmo instante em que ele está propondo uma reforma da previdência sem sequer mostrar seus impactos. Estamos às cegas”, criticou.

Para Guilherme Delgado, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a moldura do orçamento da previdência social, dentro da seguridade social, está comprometida e a falta de transparência da peça orçamentária é a principal responsável por esse comprometimento. “Essa questão se origina da obscuridade de como é montada a peça orçamentária da Previdência Social. A falta de informação ou a deformação da informação são fatais num sistema de política pública”, resumiu.

Eli Iola Gurgel de Andrade, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), chamou atenção para o fato de os argumentos utilizados pelo atual governo se assemelharem aos utilizados pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na reforma previdenciária de 1998. “O cenário era muito parecido. A situação apresentada para a Previdência era de falência porque havia uma situação de perda da relação de dependência contribuintes ativos e o número de inativos. Temos de fazer uma devassa nessa contabilidade que está sendo usada para fazer as estimativas de falência da previdência”, disse.

Foto: Alessandro Dantas

O senador José Pimentel (PT-CE) enfatizou a semelhança existente, inclusive, nos discursos dos apoiadores daquela e desta reforma. “Se pegarmos os discursos daqueles, na época, e dos [apoiadores] de hoje e não dissermos a data [em que foram proferidos], veremos que os argumentos são os mesmos. Era uma projeção feita em cima de dados falsos”, apontou.

Pimentel, ex-ministro da Previdência, explicou que entre os anos de 2009 e 2015 a previdência contributiva urbana passou a ser financeiramente equilibrada. O senador explicou que após o pagamento de todos os benefícios da área urbana ainda sobrava cerca de R$ 30 bilhões anuais nos cofres da Previdência Social.

“Exatamente por isso esse ministério [da Previdência] foi extinto em março de 2016 e o cofre transferido para o ministério da Fazenda, em que o ministro [Henrique Meireles] era presidente do conglomerado JBS, segundo maior devedor da Previdência Social. E, em 2016, deram um rombo de 46 bilhões nessa conta que era positiva para justificar a reforma”, explicou.

Exclusão social
Clóvis Scherer, coordenador do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), apresentou estudo apontando o potencial de exclusão social contido na PEC 287. Caso estivesse em vigor, a carência mínima de 25 anos para aposentadoria, como quer o governo, 79% dos segurados que se aposentaram por idade em 2015 não teriam obtido o benefício.

“As pessoas aposentadas por idade são justamente aquelas com a maior dificuldade de inserção laboral, de continuidade da contribuição. Se tratam de pessoas que cumpriram o requisito de idade, 65 anos para homens e 60 para mulheres. Esse é um dado preocupante que pode projetar a exclusão de uma parcela importante do acesso à aposentadoria. E a parcela mais vulnerável”, disse.

A professora Rivânia Moura, da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, classificou a PEC 287 como uma contrarreforma que traz um “retrocesso total no curso da política de proteção social”. Para ela, vivemos um momento de aprofundamento do processo de reforma do Estado de modo mais acelerado e severo, no que visa ampliar o superávit primário. E dentro desse processo está a reforma da previdência.

“Toda a lógica envolvida implica como contrapartida a diminuição dos gastos com as necessidades dos trabalhadores. As mudanças têm essa perspectiva. A previdência social sempre foi superavitária. O problema é de gestão, fiscalização, arrecadação e cobrança. É artificial o déficit da previdência”, disse.

Foto: Alessandro Dantas

Na avaliação do senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da CPI, o debate demonstrou a completa ausência de dados, expectativas, projeções e cálculos atuariais para basearem a reforma prevista pelo atual governo. “Tanto que a justiça pediu os dados e o governo permanece calado. Não apresentaram nada que sustentasse esse tipo de reforma”, disse.

O Dragão debaixo da cama
O senador Paulo Paim ainda anunciou o lançamento do livro “O dragão debaixo da cama”, no próximo dia 29. De acordo com Paim, mais de 50 especialistas escreveram artigos expondo opiniões e dados acerca da previdência social no Brasil.

 

Confira a apresentação de Denise Lobato Gentil

Confira a apresentação de Eli Iola Gurgel de Andrade

Confira a apresentação de Guilherme Delgado

Confira a apresentação de Clóvis Scherer

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