Operação G7, da PF: Aníbal Diniz exige que Justiça do Acre cumpra a lei

Desde o dia 10 de maio passado, quando a operação G7, da Polícia Federal, efetuou quinze prisões de empresários e servidores do governo do Estado do Acre, o senador Aníbal Diniz (PT-AC) tem feito seguidas denúncias de irregularidades na ação policial. Nesta entrevista ao site da Liderança do PT, o senador detalha as falhas do processo criminal, a inexplicável ausência do Ministério Público do Estado, que foi mantido à margem de todo o inquérito, e o veto que impede o acesso dos advogados de defesa às acusações. Há erros infantis no processo, ele acusa, dizendo que o Acre vive hoje uma ameaça real ao estado de direito democrático. 

Senador, partindo do princípio do caso que tem motivado seguidos pronunciamentos seus no Senado, o que foi que motivou a Operação G7 da Polícia Federal no Acre? 

A operação apontou um suposto esquema de sete empresas do setor da construção civil que estariam atuando em conjunto para fraudar as licitações de obras públicas e formação de um cartel no Acre. A investigação da Polícia Federal diz que há um núcleo, uma representação, que seria a Federação das Indústrias do Acre atuando como espécie de cartel. Essa acusação é tão vaga que, no próprio inquérito, não há nenhuma referência a fatos que configurem formação de cartel. O que ocorreu foi uma reunião de membros da federação das indústrias do Acre. Se formos levar ao pé da letra, toda reunião de empresários em entidades que representam setores da indústria será prova de formação de cartel. Com essa descaracterização do crime de cartel, chega-se à anulação de outra acusação, que é a da suspeita de fraude em concorrências. Como provar fraude nas licitações se nas interceptações feitas desde 2011 pela PF não há sequer um integrante da CPL flagrado em conversas que possam ser caracterizadas como ilícitas?

Mas a Polícia Federal sustenta que houve uma combinação dos empreiteiros na disputa por obras do programa do governo estadual Cidade do Povo. 
Isso não procede. Há vários erros primários nessa acusação. Um deles é que tanto o programa Cidade do Povo, que é do governo estadual, quanto o Minha Casa Minha Vida, que é federal, constituem-se de obras contratadas diretamente pela Caixa Econômica Federal ou pelo Banco do Brasil. Não há licitação para ser combinada, porque as empresas simplesmente se apresentam aos bancos como habilitadas para executar a tarefa, cabendo ao banco checar e aprovar como verídicas as informações apresentadas para a obtenção do financiamento. Se for comprovado que elas têm capacidade de operação e suporte financeiro, os bancos, que são os financiadores, aprovam os projetos e passam a ser os responsáveis pela fiscalização. Portanto, as quinze pessoas acusadas não teriam como negociar quem ficaria com isso ou aquilo. 

Quer dizer que não há como haver burla no processo de licitação das empresas contratadas para as obras?
Tanto não há que, como já disse nos pronunciamentos que fiz, a Comissão Permanente de Licitação do governo do estado sequer é citada no inquérito. Esse é um argumento fortíssimo para a defesa dos acusados. Não há uma única ligação telefônica captada pela Polícia Federal, de qualquer integrante dessa comissão, configurando qualquer participação nesse caso. Não há um telefonema que incrimine qualquer membro da comissão de licitação. 

Então, como explicar  a denúncia  de  favorecimento a este ou aquele grupo empresarial?
Para as pessoas que não conhecem detalhes de todo esse episódio absurdo, é fundamental contar que a Polícia Federal do Acre coordenou escutas telefônicas durante um ano e meio, com autorização da Justiça, para obter comprovação de suas suspeitas. Mas foi obtida nenhuma prova, nenhum indício durante esse período. Nenhum integrante da comissão de licitação do estado ou qualquer agente do governo foi citado fazendo pedidos de benefício em troca da concessão de uma obra. Isso precisa ficar claro. A reclamação que se ouviu nessas ligações era de empresários que sentiram deslocados no processo licitatório. Isso é uma demonstração clara que havia concorrência e não cartel. 

No encontro recente que o senhor teve com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, houve tempo para falar da situação das pessoas que estão presas no Acre, por conta da chamada operação G7, da Polícia Federal? 
Não tive o tempo que desejaria, mas pude falar para ele sobre o desrespeito à Constituição em curso no Acre. O texto legal prevê a defesa intransigente dos direitos e garantias individuais de todos os cidadãos. Hoje, dia 3 de junho, completam 23 dias em que há pessoas presas sem acusação formal e sem permissão para que os advogados tenham acesso aos autos. A Constituição Cidadã, em seu artigo quinto 5, Inciso 44, diz que “ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. O processo legal prevê que a Polícia Judiciária investigue, que o Ministério Público ofereça a denúncia e que o Poder Judiciário julgue e sentencie – e essa ordem está sendo descumprida no meu estado. 

Em que parte do processo está ocorrendo o desrespeito à Constituição?
A Polícia Federal, ao fazer a escuta telefônica autorizada e pedir a prisão das pessoas consideradas suspeitas, cumpriu com a primeira parte do seu papel, mas o fato de o Ministério Público não tomar conhecimento do assunto ou de ser informado do assunto pelos meios de comunicação fere frontalmente o princípio da razoabilidade processual. 

O senhor pode explicar melhor isso?
Pra que se tenha ideia, enquanto o Ministério Público desconhecia a ação policial, a mídia local acompanhou a operação em tempo real, com ampla divulgação na internet e na televisão, como se fosse um espetáculo. Isso evidencia o uso político de todo o processo. Como explicar que os advogados  dos acusados não receberam cópias do processo, mas a Rede Globo sim? Como explicar que o Ministério Público desconhecia a operação policial, mas a equipe da Rede Globo que viajou do Rio de Janeiro desembarcou em Rio Branco já sabendo detalhes do que a polícia iria fazer. É, no mínimo, muito estranho.  

Mas o Ministério Público foi posto ao par do processo após as prisões…
Essa é a pior parte. Nem o Ministério Público, nem os advogados das pessoas que estão presas há 23 dias tiveram acesso ao processo. Elas não sabem do que estão sendo acusadas. Foram julgadas e condenadas antecipadamente, sem que se respeite o direito de defesa. Não há provas contra elas. Elas foram moralmente condenadas pelo noticiário, como se as reportagens fossem provas irretocáveis. As pessoas que estão presas sem acusação formal transformaram-se em criminosos indefensáveis, sem que haja acusação formal da Justiça contra elas. 

A que atribuir a série de desrespeitos aos procedimentos que o senhor está denunciando?
Da mesma forma que temos de tomar muito cuidado com a judicialização da política, temos também estar atentos para o risco da politização da justiça; e mais cuidado ainda temos de ter com o risco da eleitoralização da justiça e da polícia diante dos fatos cotidianos. Neste momento, as pessoas continuam presas sem acusação formal, enquanto interesses político-eleitorais exploram livremente esses fatos de modo inescrupuloso. Tanto que a desembargadora Denise Bonfim, que decretou as prisões e se mantém como relatora do caso,  recebeu esta semana a visita do deputado Márcio Bittar e vários parlamentares dirigentes do PSDB no Acre para fazer pressão política e defender seus interesses políticos no caso, que é a máxima exposição negativa do nosso governo. E isso nós não podemos aceitar.

Qual seria o procedimento correto, na sua opinião?
Vamos simplesmente seguir o que manda a lei, o que significa aguardar o desenrolar do processo, respeitar o direito de defesa das pessoas envolvidas e, ao final, vamos esperar o posicionamento da Justiça. Havendo culpados, que se aplique a lei. O que é injusto é assistir ao prejulgamento de pessoas, que já foram previamente condenadas pela mídia, sem que tenha dado a elas sequer o direito de defesa.

Houve algum tipo de reação no meio jurídico sobre os fatos ocorridos?
Vários advogados e juristas do Acre estão impressionados com as irregularidades do processo. A mais expressiva delas é a do presidente em exercício da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Acre, Luiz Saraiva. Ele simplesmente pontua que há um completo desrespeito ao estado de democrático de direito, porque as pessoas não tiveram até agora a oportunidade de apresentar suas defesas. E o pior é que os processos não foram colocados à disposição das pessoas, como se a prisão representasse uma condenação antecipada. Acontece que os acusados foram ouvidos no primeiro dia da prisão, assim como também aconteceu a busca e a apreensão de documentos.
O doutor Luiz Saraiva faz o mesmo questionamento central: se toda a instrução do inquérito foi feita, como se justifica a prisão dos investigados? Além disso, ele lembra que a lei e os tribunais não admitem que a pessoa cumpra pena antecipada sem ter sido condenada e isso vai contra o princípio constitucional. Ele também denuncia que algumas imputações aos presos que chegam a ser infantis. Por exemplo, uma pessoa presa fez três ligações para o sócio dele em um consórcio, pedindo que cobrasse de outro integrante do consórcio documentos sem os quais não poderiam emitir uma fatura de cobrança. E não há crime quando um sócio cobra de outro sócio, em um consórcio, para que regularize sua situação no conselho de engenharia, sob a pena de o consórcio inteiro não poder emitir uma fatura.

PT no Senado – O doutor Luiz Saraiva disse algo sobre a ausência do Ministério Público no inquérito da Polícia Federal?
Sim. Ele afirma que o inquérito está inflado de nulidades, porque o Ministério Público não foi incluído no processo. O artigo 183 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Acre é claro e preciso nesse ponto: havendo servidores públicos acusados, o procurador-geral do órgão tem quinze dias para oferecer denúncia ou requerer arquivamento do processo. E se o indiciado já estiver preso, esse prazo que inicialmente é de 15 dias baixaria para cinco dias.

Isso tornaria ilegal a prisão dos quinze acusados depois desses prazos?
Sem dúvida. Essas pessoas está presas há mais de 20 dias, sem que o processo tenha sequer sido oferecido para os advogados defenderem os acusados, como manda a lei. Sem acesso às acusações, não há como se defender delas. Nem a própria Justiça e os procuradores têm como emitir qualquer parecer porque eles não também não estão tendo acesso ao processo. A desembargadora relatora do inquérito, Denise Bonfim, deveria remeter o processo na primeira sessão do pleno do Tribunal de Justiça, para que o conjunto de desembargadores acatasse ou rejeitasse as prisões. Mas nem isso foi feito.

Mas por que isso não ocorreu até agora?
Simples. O Tribunal de Justiça precisa conhecer os motivos da decretação das prisões para acatá-los ou rejeitá-los. Já foram decorridas quatro sessões do Tribunal, desde a prisão das pessoas, e, até agora, esse rito não aconteceu, sem que o processo tenha sido levado à tribuna. Isso é uma irregularidade flagrante, porque as prisões precisavam ser referendadas pelo pleno do Tribunal. Nós estamos vivendo um momento de afronta a um processo legal dentro do Tribunal de Justiça do Estado, num processo que começou com as prisões efetuadas pela Polícia Federal. Desde o começo, tanto eu quanto o governador Tião Viana, principal alvo político de todas essas irregularidades processuais, estamos defendendo que o processo legal precisa ser preservado. O governador foi bem claro em sua primeira nota oficial sobre o caso: se há culpados, eles devem responder pelos seus atos, mas dentro do devido processo legal. As pessoas não podem ser presas primeiro para serem julgadas depois. E é isso que está acontecendo. Elas não estão tendo acesso ao devido direito de defesa. As famílias estão sofrendo com essa arbitrariedade. Ver um parente que foi preso sem acusação, mas com a reputação destruída por vazamentos calculados para a mídia, é muito doloroso.

Para o senhor, a ampla divulgação se justifica porque envolve personalidades políticas e empresariais do Acre?
É lógico que isso chama mais a atenção da mídia, como sempre acontece quando os acusados têm relacionamento com políticos, sejam eles de qual partido for. Nós, que militamos na política, estamos permanentemente sob vigilância da mídia. Quando acontecem fatos como o da operação da PF, apesar das irregularidades que venho denunciando, o preconceito é substituído pelo pré-julgamento e pela condenação antecipada, repetindo o velho conceito de que, na política, todos têm algum tipo de débito com a Justiça. Na realidade, a gente precisa provar o contrário. A gente precisa provar que a política é o espaço das grandes realizações, é o espaço de sonhos, é o espaço de construção de coisas boas para a sociedade no Brasil e no mundo. Onde está política tem que estar o desejo de fazer coisas boas. E, quando ocorre um tipo de desvio de conduta, como está retratado nessa tal Operação G7, o que nos cabe é combater com a mesma veemência: combater os desvios de conduta, mas combater também aqueles que tentam aproveitar-se dessa situação para tirar dividendos eleitorais…

Esse aproveitamento político visa a quem, na sua opinião?
Sem dúvida, visa atingir o governador Tião Viana e os parlamentares do PT no Acre. Procura-se desgastar o governo e seus representantes eleitos, apesar do governador ter vindo a público, desde o primeiro momento, para pedir a apuração dos fatos de forma tranquila e transparente, defendendo punição para os que forem julgados e condenados pela Justiça, com o direito de defesa assegurado.

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