Capiberibe: impeachment é encenação contra falta de cultura democrática

Capiberibe: impeachment é encenação contra falta de cultura democrática

Capiberibe: Voto pela democraciaO senador João Capiberibe (PSB-AP) criticou mais uma vez o processo de impeachment da presidenta Dilma. Em pronunciamento na sessão que vai decidir se ela deve ou não se tornar ré, Capiberibe aproveito u para cutucar os senadores que não são exatamente exemplos de probidade: ”Eu lhes pergunto, nós nesse plenário, preenchemos essas exigências? Mesmo aqueles que por acaso estejam condenados pela Justiça podem atuar como juízes? Talvez fosse o caso de apresentar uma questão de ordem para esclarecer essa dúvida. No entanto, prefiro deixar que cada um decida por sua consciência, tal qual o fazem os magistrados que se declararem impedidos de julgar ao se sentir desconfortável em algum processo”, disse. 

O senador já chegou a ser cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2004 sob a acusação de compra de votos nas eleições de 2002, mas recorreu ao Supremo Tribunal Federal, que o absolveu e devolveu seu mandato no ano seguinte. Ele disse que o sistema político está falido e que a sessão desta terça-feira (9) é uma “encenação grotesca para encobrir nossa falta de cultura democrática” e que o processo é político. 

Para ele, quem pagará a conta do processo é a população mais carente – que melhorou de vida, mas que está “descendo ladeira abaixo”. Ele disse que votará não ao processo, “pela democracia”. 

Leia abaixo a íntegra do discurso: 

Por onde começar? É o que venho me perguntando ao longo desses últimos dias. Por onde começar a abordar a marcha da insensatez que avança sem produzir os resultados pretendidos por aqueles que embarcaram nessa nau errante e que não nos leva a porto algum. Gente de boa-fé engrossou essas fileiras na expectativa de reduzir a angústia e os temores dos que estão a caminho do desemprego, e claro, alimentar com esperança milhões de desempregados que se desesperam sem poder garantir o sustento de suas famílias. 

Reafirmo o que venho dizendo desde o começo desse processo, o impeachment não resolve a crise, aprofunda-a. Convenhamos, trata-se de uma encenação grotesca para encobrir nossa falta de cultura democrática. Infelizmente, em perda de valores essenciais como justiça, honestidade, lealdade e dignidade, a pantomina vai nos custar os olhos da cara enquanto sociedade. E quem vai saudar o passivo financeiro desse atraso? Os de sempre, claro! Os trabalhadores em geral, mais primeiramente, os que entre 2002 e 2012 ascenderam ao consumo, trata-se, segundo dados do PNUD, de 22,5 milhões de pessoas que deixaram de ser pobres, mas que por nossa incompetência em debelar a crise política e econômica que corrói o país, esse enorme contingente de seres humanos, um pouco maior que às populações do Chile e Uruguai reunidas, descem ladeira abaixo, voltando ao estágio de pobreza anterior. 

Pergunto-lhes: essas pessoas vão aceitar pacificamente retornar à pobreza extrema da qual saíram? É isso que me preocupa, nosso país está demais violento, o Brasil lidera em número de homicídios no mundo, beiramos os 60 mil no ano de 2014. Isso é um claro sintoma de uma sociedade dilacerada, que está dando errado, que precisa corrigir rumos, mas para nós aqui, é como se isso não fosse da nossa conta, é como se não tivéssemos nada com isso, infelizmente. Eu, particularmente me sinto responsável pelo transe histórico que estamos vivendo, sim, eu bem que poderia ter conversado mais, articulado mais, influenciado mais, enfim ter feito mais, para evitar tanta incerteza, tanto retrocesso. Eu bem que tentei, chegamos a formar um grupo de senadores independentes, não teve vida longa, mas ainda assim tentamos diálogos com os dois lados, cada lado ouvia de nós o que queria ouvir, e nos dizia o que queríamos ouvir, mas da porta para fora nada acontecia. 

Mas a vida lá fora não está nada fácil, dá a sensação que o Brasil está literalmente encolhendo, que milhões de pessoas estão hibernando, vejam esses dados:

Assista ao discurso do senador João Capiberibe (PSB-AP)A Confederação Nacional do Comércio nos informa que esse ano, até julho, foram para o espaço 67.900 lojas, é isso mesmo, fecharam suas portas, deixaram mais de meio milhão de desempregados, e as expectativas não são nada alvissareiras. Fecharam por que as compras entraram em queda livre, uma pesquisa nacional recente feita pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) revela que diante da crise econômica que tem deixado o orçamento das famílias mais apertados, o brasileiro optou por abrir mão dos gastos com atividade de lazer, 35,4% deixaram de frequentar bares e restaurantes, 30,9 suspenderam as viagens. Roupas, acessórios e sapatos perderam 29,2% dos seus clientes, TV por assinatura perdeu 19,7%. Por último, para não cansa-los, telefones fixos e celulares a queda foi de 18,8%. Agora imaginem, o tamanho da retração na economia, imaginem o impacto disso na cadeia de empregos? E pasmem, ainda que os brasileiros estejam consumindo menos, inclusive comendo menos, a inflação continua subindo, de junho para julho, pelo Índice de Preços ao Consumidor – Amplo 15 (IPCA-15), a inflação saltou de 4% para 5,4%, segundo o IBGE. Esta alta, infelizmente foi puxada pelos preços dos alimentos que ficaram 1,45% mais caro de um mês para o outro, infelicitando ainda mais os lares dos trabalhadores. E o governo o que faz? Aumenta a taxa de juros. Alegando sabem o que? O controle da inflação. Foi assim com Dilma e continua com Temer. 

E por falar em dívida pública vejam só o que aconteceu no ano passado: apesar do cenário de enorme escassez em 2015, a dívida interna federal em títulos cresceu de forma acelerada, saltando de R$ 3,2 trilhões em 31/01/2015 para R$3,9 trilhões em 31/12/2015. Ou seja, em apenas 11 meses a dívida interna cresceu R$ 732 bilhões chegando a R$ 2.793 trilhões! E todos aqui sabemos, o orçamento é o grande instrumento da política, mas do jeito que estamos endividados, 42,43% das receitas ou R$ 962,21 bilhões foram para pagar juros e amortização da famigerada dívida. 

Assim não dá, eu lhes pergunto: em que condições sobreviveria uma família sem a metade de sua renda mensal? Essa é a situação do nosso país que no final desse ano, com Dilma ou com Temer, terá entregue aos bancos a metade de todos os impostos que pagamos. Ora, hoje dos 12 meses de trabalho, cinco meses de tudo o que ganhamos vai para os cofres do governo, que por sua vez entrega dois meses e meio do nosso suor aos bancos. Estamos atolados em dívidas, e nesse parlamento, por vedação constitucional, nem mesmo podemos debater e propor alternativas para esse flagelo. Isso é uma vergonha! 

Encomendei um levantamento com base no que é noticiado diariamente pela imprensa sobre envolvimento de senadores e senadoras em procedimentos investigatórios da Lava Jato e congêneres.  Foi-me apresentado uma lista com dezessete nomes de senadores e senadoras pertencentes aos maiores partidos da casa, governistas e não governistas, que nessa sessão plenária atuam como magistrados e magistradas. Nós aqui somos juízes. Vamos julgar se a Senhora Presidente afastada Dilma Rousseff cometeu crime de responsabilidade.  Como todos estão cientes, exige-se que os juízes sejam probos, imparciais, honestos e equilibrados em suas decisões. Eu lhes pergunto, nós nesse plenário, preenchemos essas exigências? Mesmo aqueles que por acaso estejam condenados pela Justiça podem atuar como juízes? Talvez fosse o caso de apresentar uma questão de ordem para esclarecer essa dúvida, no entanto, prefiro deixar que cada um decida por sua consciência, tal qual o fazem os magistrados que se declararem impedidos de julgar ao se sentir desconfortável em algum processo. 

Talvez me respondam que esse processo é jurídico e político, pelo que entendi e pelo que veio a público, a auditoria do Senado isentou a presidenta Dilma Rousseff de responsabilidade em relação aos decretos de suplementação orçamentária, e um procurador federal do Distrito Federal, mandou para o arquivo a denúncia contra a presidente dizendo que o que foi feito no Plano Safra não constitui crime de responsabilidade. Portanto, o processo é exclusivamente político, o que me leva a repetir o que havia dito no começo desse pronunciamento: o impeachment nada mais é que uma encenação grotesca para justificar nossa falta de cultura democrática. 

Senhor presidente, Senhores senadores, senhoras senadoras, espero que não se zanguem comigo, mas somos representantes de um sistema político falido que insiste em tentar resolver problemas do presente com ferramentas enferrujadas do passado, em que os indivíduos descrentes, reproduzem o bordão: “esse não me representa”! “Essa não me representa”! Tanto que o povo brasileiro nesse momento não nos dá a menor importância, quem não está trabalhando, assiste tranquilamente à Olimpíada pela TV ou pela internet.      

Concluo Senhor Presidente: voto pela democracia, não há melhor juiz que os 54 milhões de brasileiros que sufragaram o nome de Dilma Rousseff em outubro de 2014 . 

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