Principal revista de diplomacia do mundo reconhece nova importância do Brasil

Com a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, a diplomacia brasileira sofreu uma guinada que, ainda hoje, as forças conservadoras, vocalizando o que os grandes grupos de mídia pensam, insistem em não reconhecer. Sem menosprezar as parcerias que já mantinha com os países mais ricos da Europa e os Estados Unidos – mas sem a mesma subserviência que caracterizou a política externa durante os oito anos de governo de FHC – o Itamaraty mudou as relações internacionais do Brasil.

Na América do Sul, o Mercosul (formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) ganhou novo impulso, com mais autonomia para seus países-membros  atuarem nos grandes temas da agenda mundial. Na Ásia e na África, as parcerias brasileiras se estreitaram ao ponto de constituir um bloco específico com as potências emergentes, o BRICS (constituído por, além do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Some-se a isso um olhar completamente diferente com toda a África, com a qual o País estabeleceu acordos bilaterais em que se sobressaia a solidariedade, sem deixar de lado as relações comerciais que, em treze anos, cresceram US$ 24,2 bilhões.

A nova posição do Brasil no mundo chamou a atenção da revista americana Foreign Affairs, a mais importante publicação de geopolítica e relações internacionais do mundo, que, em sua última edição dedica a reportagem especial “Brasil consolida sua influência para além do Atlântico” .

O texto elogia a inteligência dos estrategistas do governo, que contornam o baixo orçamento militar através de parcerias com outros países, que permitem ao Brasil financiar sua própria indústria de defesa. O “para além do Atlântico”, no caso, trata sobretudo o continente africano.

O artigo original, em inglês, pode ser lindo aqui. O texto traduzido segue abaixo:

Brasil afirma a sua influência em todo o Atlântico – Por Nathan Thompson e Robert Muggah (Tradução de Tiago dos Santos)

Após de anos firmando alianças de segurança na América Latina e no Caribe, o Brasil está agora olhando para o leste, firmando a sua influência através do Oceano Atlântico. O Brasil começou silenciosamente, proporcionando a África assistência técnica em ciência, tecnologia e desenvolvimento profissional.

Mas ao longo da última década, o Brasil tem acoplado iniciativas de soft power(poder brando) com um aumento dramático na cooperação militar com a África, a realização de exercícios navais conjuntos, proporcionando transferências de treinamento e armas militares, e estabelecendo postos avançados nos portos em toda a costa ocidental do continente. Hoje, a postura oficial de defesa do Brasil tem maior alcance, envolvendo a capacidade de projetar poder da Antártida para a África.

As parcerias transatlânticas do Brasil estão realizando uma ambição de longa data. Em 1986, ao lado de Argentina, Uruguai e 21 países africanos, o Brasil propôs Paz e Cooperação da Zona do Atlântico Sul. O objetivo não declarado então, como agora, era minimizar a interferência externa na região, especialmente pela NATO(Organização do Tratado do Atlântico Norte).

O desejo de manter os estrangeiros fora do Atlântico Sul é motivado em grande parte por interesses comerciais. O Brasil, em particular, para proteger seus recursos naturais na chamada Amazônia Azul. Amazônia Azul que inclui extensas reservas de petróleo e gás, bem como as concessões de pesca e mineração dentro e para além das suas atuais fronteiras marítimas.

Para os líderes brasileiros, preservar influência sobre a Amazônia Azul é uma questão de segurança nacional e soberania. Programa PROMAR(PROGRAMA DE MENTALIDADE MARÍTIMA) da Marinha do Brasil promove atividades e campanhas de conscientização pública exaltando a importância econômica, ambiental e científica do Atlântico Sul.

Para proteger as fronteiras da Amazônia Azul, o Brasil está peticionando a ONU um alargamento dos limites da Plataforma Continental , a área que se estende a 200 milhas náuticas a partir da costa, zona econômica exclusiva, em que um país tem direitos especiais para explorar e utilizar os recursos marinhos.

Para reforçar suas demandas, o Brasil está criando um sofisticado sistema de vigilância para monitorar a Amazônia Azul. O chamado Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul pretende digitalizar mais de 4.600 milhas de costa para os navios militares e comerciais estrangeiras através de uma combinação de satélites, radares, aviões, navios de guerra e submarinos. Em janeiro, o país nomeou três finalistas para o projeto de 4 bilhões de dólares, um consórcio liderado pelo conglomerado aeroespacial Embraer, outro liderado pela empresa multinacional de construção Odebrecht, e um terceiro liderado pela Orbital Engenharia. O exército brasileiro também está construindo um sistema de vigilância das fronteiras multibilionária, e os dois programas podem, eventualmente, ser integrados.

NA ÁFRICA

Na África, a influência do Brasil se estende para além dos seis países de língua portuguesa do continente. Seu comércio total com países africanos saltou de cerca de US$ 4,3 bilhões em 2000 para 28,5 bilhões dólares em 2013. Não é surpreendente que a parceria de segurança e defesa do Brasil com a África é uma grande responsável pela a expansão dos negócios.

Em 1994, por exemplo, o Brasil assinou um acordo de cooperação de defesa com a Namíbia; Hoje, o Brasil é o fornecedor e parceiro de treinamento primário de Marinha da Namíbia. Em 2001, o Brasil garantiu sua presença na África Austral, abrindo uma missão consultiva naval em Walvis Bay, Namíbia no maior porto comercial e único porto de águas profundas do país.

Namíbia foi apenas o primeiro. O Brasil também assinou acordos de cooperação de defesa com Cabo Verde (1994), África do Sul (2003), Guiné-Bissau (2006), Moçambique (2009), Nigéria (2010), Senegal (2010), Angola (2010), e da Guiné Equatorial (2010 e 2013). Na sequência fez exercícios conjuntos com a Marinha Benin, Cabo Verde, Nigéria e São Tomé e Príncipe, em 2012, e exercícios adicionais com Angola, Mauritânia, Namíbia e Senegal, no ano seguinte (2013), o Brasil abriu uma outra missão naval, em Cabo Verde.

Enquanto isso, um acordo de cooperação de defesa com o Mali está atualmente sob revisão, e o Ministério da Defesa do Brasil anunciou planos para uma terceira missão naval em São Tomé e Príncipe, este ano(2015).

O Brasil também está fornecendo a África formação militar, em conjunto com a formação da marinha. Entre 2003 e 2013, a Escola Naval brasileira e Escola de Guerra Naval treinou cerca de 2.000 oficiais militares da Namíbia sozinho. A Força Aérea Brasileira tem prestado apoio aos pilotos de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. E desde 2009, a Agência Brasileira de Cooperação fez uma parceria com o Ministério da Defesa do país, com orçamento de cerca de 3,2 milhões de dólares 2009-2013, para os programas de formação para o pessoal militar africano.

A enxurrada de acordos de cooperação envia um sinal forte aos empreiteiros da defesa brasileiras para fazer negócios na África. Ambas, empresas públicas e privadas estão alinhadas e organizadas comercialmente, como a Defesa Brasileira e a Associação das Indústrias de Segurança, Comdefesa, e a Agência Brasileira de Promoção de Investimentos.

Fabricantes de armas brasileiras estão fazendo esforços para alinhar o desenvolvimento de armas e tecnologia de produção de dutos com a demanda Africano. A Embraer, por exemplo, tem intermediado várias ofertas de suas aeronaves, o Super Tucano A-29, juntamente com treinamento e assistência técnica. A empresa assinou contratos com Angola, Burkina Faso, Mauritânia com um valor total de US$ 180 milhões.

Da mesma forma, Gana, Mali, Senegal assinaram contratos ou mostraram intenção de comprar Super Tucanos da Embraer. Estas ofertas são insignificantes em comparação com aqueles que a empresa fez com os Estados Unidos, Suécia, e os Emirados Árabes Unidos, mas eles são significativas, no entanto, uma vez que eles significam uma relação de aprofundamento da África com o Brasil.

O Brasil também tem participação em feiras internacionais de armas, e alguns de seus principais clientes são baseados na África. O país exportou mais de US $ 70 milhões em armas pequenas e munição para 28 países africanos 2000-2013, de acordo com os últimos dados disponíveis da ONU. Argélia encabeça a lista de compradores de armas de pequeno porte e munição do Brasil, com compras de mais de US$ 23 milhões. Argélia é seguida por Botswana, África do Sul, Quênia e Angola.

Feiras de armas oferecem oportunidades importantes para o Brasil para aprofundar a sua cooperação Sul-Sul com a África. Em 2013 na América Latina Aeroespacial e Defesa, a maior feira da região, o ministro da Defesa do Brasil reuniram-se com 14 ministros ou vice-ministros de países africanos e latino-americanos ao longo de apenas três dias. Tais acontecimentos confirmam que o Brasil está endurecendo seu poder suavemente através do Atlântico Sul. No processo, o Brasil está usando a África para sinalizar a sua chegada como um player global no cenário mundial.

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