SDE pede revisão geral do setor de cimento

Ao pedir a condenação de seis empresas por cartel no setor de cimento, ontem, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça também recomendou que as últimas aquisições no setor sejam revistas pelo Cade.

Com isso, ao menos três aquisições podem ser desfeitas pelo órgão antitruste: a compra da Companhia de Cimento Ribeirão Grande pela Votorantim, a aquisição da Cimentos Davi pela Lafarge e a compra da Cimec pela Camargo Corrêa.

A SDE pediu a condenação da Holcim do Brasil, da Votorantim Cimentos, da Camargo Corrêa Cimentos, da Cimpor Cimentos do Brasil, da Itabira Agro Industrial e da Companhia de Cimento Itambé. Elas detêm mais de 90% do mercado de cimento no Brasil e, agora, podem ser condenadas a pagar multas entre 1% e 30% de seus respectivos faturamentos.

“Eu não me espantaria se o Cade decidisse pela multa máxima”, afirmou Vinícius Carvalho, secretário de Direito Econômico. Se essa hipótese for confirmada, as penas somadas podem chegar até R$ 3 bilhões. Seria a maior condenação da história do Cade. Até aqui, a pena mais alta foi imposta a empresas do setor de gases industriais, que foram condenadas a pagar R$ 2,3 bilhões por cartel, em 2010. Naquele caso, o órgão antitruste aplicou penas equivalentes a 20% do faturamento das empresas. Carvalho espera que, no caso das cimenteiras, seja aplicado, no mínimo, o percentual de 20%.

“As empresas trocaram informações sobre preços, dividiram o mercado e adotaram estratégias comuns para comprar empresas menores e concreteiras”, justificou Carvalho. Ele estima que o cartel gerou prejuízos de R$ 1,5 bilhão por ano. Esse montante é equivalente a 10% do faturamento do setor. Em 2008, segundo o IBGE, a indústria do cimento faturou R$ 15,8 bilhões. Ao todo, o cimento representa entre 7% a 9% do custo de moradia.

Segundo a SDE, as provas do cartel vão até 2007. Se o acordo entre as empresas do setor atingisse um programa social do governo, como o Minha Casa, Minha Vida, que prevê a construção de dois milhões de moradias com 60 metros quadrados e previsão de demanda de 12 milhões de toneladas de cimento, o prejuízo seria de R$ 700 milhões.

As investigações do Ministério da Justiça sobre o setor começaram no fim dos anos 1990, mas o processo só foi instaurado em 2007, após a cooperação de um ex-funcionário da Votorantim, que procurou o Ministério da Justiça para entregar provas e relatar o funcionamento do cartel. Com base nessa cooperação e num estudo que indicou que as cimenteiras evitavam competir entre si, a SDE fez uma operação de busca e apreensão de documentos na sede das empresas, na qual encontrou mais provas.

O documento mais antigo revelando trocas de informações entre empresas é de 1986. Em depoimentos que foram coletados pela Secretaria, testemunhas dizem que existe um cartel de cimento desde os anos 1960. Há documentos em que uma empresa alerta a outra para ter cuidado com o Cade. Também há provas indicando que uma empresa preferia não atacar a outra em determinada região.

Ao todo, o processo tem 12 mil páginas e 820 mil arquivos eletrônicos e está sob sigilo. “O processo foi todo judicializado”, disse Carvalho. As empresas recorreram sistematicamente à Justiça para evitar que as investigações corressem em tempo mais ágil. “Parece que eu tirei uma tonelada de cimento das costas”, disse o secretário, ao concluir o processo.

A SDE também pediu a condenação de seis diretores das companhias e das associações Brasileira das Empresas de Serviços de Concretagem (Abesc), de Cimento Portland (ABCP) e do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC). Se condenadas, essas entidades podem pagar multas de até R$ 6 milhões. Os diretores podem sofrer penas que vão de dois a cinco anos de prisão ou multas.

Segundo a secretaria, além de combinar preços e dividir áreas de atuação, as empresas teriam adotado uma estratégia comum de adquirir companhias menores que procuravam vender a preços menores. Elas também evitavam que companhias de maior porte entrassem no mercado. Foi o que aconteceu com a CSN, que tentou adquirir a Cimpor, em dezembro de 2009, e, um mês depois, foi surpreendida com a compra de participações da empresa portuguesa pela Votorantim e pela Camargo Corrêa. Esse caso está sob investigação do Cade, que, na quarta-feira, manifestou preocupação com a falta de competição no setor de cimento.

Além das seis empresas, a Lafarge e a Cimentos Liz também foram acusadas do cartel, mas se livraram do processo. A primeira fez um acordo com o Cade, em novembro de 2007, e pagou R$ 43 milhões para encerrar o processo. O valor equivaleu a 10% do faturamento da empresa, em 2006. A Cimentos Liz é uma empresa de menor porte e foi absolvida pela SDE, pois não havia provas suficientes de que ela estaria aliada às demais na definição de preços e de estratégias comerciais que teriam elevado os custos do cimento e do concreto no Brasil.

A reportagem do Valor procurou todas as empresas e entidades citadas pela SDE. O grupo Camargo Corrêa informou que vai contestar a acusação de formação de cartel. A companhia disse que ainda não teve acesso à nota técnica da SDE, mas adiantou que vai se defender perante ao Cade da condenação recomendada no relatório.

Cimpor e Itambé preferiram não fazer comentários, enquanto a Votorantim Cimentos informou que irá se pronunciar pelos meios legais após tomar conhecimento e analisar detalhadamente o relatório da SDE.

A Holcim afirmou que só vai se manifestar após ter um parecer de seus advogados, que ainda não tiveram acesso ao texto da SDE. Nenhum representante da Itabira Agro Industrial foi encontrado para comentar o assunto.

Por sua vez, a cimenteira de origem francesa Lafarge disse que não comentaria a orientação da SDE de que a compra da Cimentos Davi – realizada em setembro de 2006 – deve ser reavaliada.

As entidades do setor citadas pela SDE – a Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Concretagem (Abesc), a Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) e o Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC) – informaram que não vão se manifestar sobre o tema.

Fonte: Valor Econômico- Juliano Basile, de Brasília

 (Colaborou Eduardo Laguna, de São Paulo)

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