Como o fim do sigilo vai afetar a vida dos brasileiros

Entenda como os cidadãos poderão participar mais efetivamente do processo democrático, quando o projeto for sancionado

Fortalecimento da democracia, expansão da idéia de cidadania e ferramenta de auxílio ao combate da corrupção. Estes foram pontos defendidos pelos senadores petistas Humberto Costa (PE) e Walter Pinheiro (BA) no texto da Lei de Acesso à Informação (PLC 41-2010), durante a sessão plenária dessa terça-feira (25/10). O projeto, aprovado pela maioria dos senadores – com exceção dos parlamentares filiados ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – e que agora vai à sanção presidencial, regula a publicação dos documentos oficiais produzidos ou custodiados pelo Estado.

Dentre outras coisas, a Lei de Acesso à Informação estabelece que qualquer cidadão pode requerer um dado de um órgão público sem apresentar justificativa e que todas as instituições públicas serão obrigadas a disponibilizar nos portais da internet os dados não sigilosos em tempo real, e as informações classificadas, segundo avaliação de uma Comissão Revisora, como reservada, secreta ou ultrassecreta, em um prazo de 5, 15 ou 25 anos, respectivamente, prorrogáveis por igual período.

Um dos maiores entusiastas do Acesso à Informação e relator da matéria na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT), Pinheiro observou que esse projeto está na essência de uma democracia, pois garante transparência nas ações dos homens públicos. Para o baiano, o povo tem direito de conhecer a sua história.

Em entrevista, o senador explicou como as informações poderão ser solicitadas, inclusive por familiares de desaparecidos durante o regime militar, e de que maneira a sociedade será beneficiada. Confira:

Senador, qual é o grande ganho deste projeto para a população brasileira?

Walter Pinheiro – A grande vitória é que agora nós vamos ter a publicação imediata dos atos – inclusive do presente – de todos os gestores públicos. Abre-se agora o acesso à história. O cidadão vai poder acessar o seu passado e acompanhar on line, portanto no presente, o funcionamento da máquina pública. É uma ferramenta que pode ser utilizada para uma garantia de um futuro, onde nós tenhamos a oportunidade muito maior de combater a corrupção e efetivamente trabalhar no Estado, no Governo com transparência.

Quando o senhor fala em conhecer a nossa história, também está falando do período da ditadura militar. Nós sabemos que existem informação que jamais foram divulgadas, como o destino de alguns desaparecidos à época. Nesse sentido, um familiar poderá solicitar a divulgação do destino, por exemplo, do corpo de uma vítima desse período?

WP – Sim. As pessoas, obrigatoriamente, vão ter que chegar à estrutura de Estado e solicitar essas informações. Esses dados não são de caráter secreto. Se praticado por qualquer membro da estrutura de Estado, essas informações não dizem respeito ao cidadão. Se a atitude que ele tomou a época foi uma atitude de gestor, essa entra no rol das informações que podem ser disponibilizadas.

Mas senador, esses documentos vão passar por um processo de classificação e poderão receber um carimbo de ultrassecreto, ou seja, ele poderá ficar sob sigilo por 25 anos. Como já transcorreram 25 anos desde o fim do período militar no Brasil, eu posso dizer essas informações deverão ser disponibilizadas imediatamente?

WP – Não. O projeto está sendo aprovado agora. Você não pode aplicar 25 anos para trás. Toda informação que for solicitada, a partir de agora, terá uma classificação de reservada, secreta ou ultrassecreta. Se for uma informação que não causa nenhum embaraço, não tem nenhum problema em relação ao Estado brasileiro, ela é fornecida imediatamente.

E não haverá nenhum tratamento especial para algumas temáticas, como essa da ditadura ou outras questões ligadas aos direitos humanos?

WP – Não. A classificação é a partir da natureza daquele conjunto, daquele conteúdo que o cidadão solicitou. Então, as informações da ditadura, dos direitos humanos, da economia, da ciência e tecnologia, de fronteira, todos elas entraram na classificação. Se a comissão julgar – na altura do pedido por cada cidadão brasileiro – que aquela informação vai ser ultrassecreta, ela um dia chegará à sociedade, mas terá que obedecer o critério de 25 anos de espera e depois a renovação, caso assim julgado for.

Como funcionará essa classificação? Por quanto tempo trabalhará a Comissão Revisora que analisará o conteúdo dos documentos oficiais?

WP – Nós vamos ter dois anos para reclassificar os documentos. E de quatro em quatro anos muda a sistemática de prazos, se estabelece uma comissão e cria claramente parâmetros para o trabalho da Comissão Revisora que será composta por membros dos três poderes: Executivo, Judiciário e Legislativo. E essa comissão servirá, inclusive através de publicização, como canal de acesso para solicitação de qualquer cidadão brasileiro.

Senador, ao longo da tramitação do projeto aqui no Senado Federal houve a relutância de alguns senadores, como o Fernando Collor (PTB-AL), em aprová-lo. O senhor acredita que isso se deve ao temor de que alguns erros do passado venham à tona?

WP – O fato de você acessar o passado é importante para conhecer a história. Não pode ser esse o elemento de discórdia. Eu não estou dizendo que todo governante erra, mas todo governante pode errar. Não estou falando de leviandade. Estou falando de erro. Se um processo de informação de uma ação de um governante, seja ela uma licitação ou uma atitude, se isso é publicizado, você pode em tempo real corrigir esse erro. Então, isso pode servir para o andamento, inclusive, das ações dos homens públicos.

O senador Collor argumentou a disponibilização total dos documentos representa um risco a soberania nacional, as estratégias políticas e a pesquisa da alta tecnologia. Isso procede?

WP – Por exemplo, na área de tecnologia. Qual é o padrão tecnológico que com 25 anos já não sofreu um upgrade, não sofreu mudanças? E outra, qualquer informação que o Estado brasileiro, através da comissão, julgar que naquele momento essa informação trará prejuízo, causará qualquer embaraço para o Estado brasileiro, a comissão julgará isso como ultrassecreto e emitirá uma opinião de que essa informação só poderá ser veiculada após 25 anos. Não dá para ninguém, de imediato, dizer que essa ou aquela informação deve ou não ser secreta. O processo agora é o Estado organizar as suas informações. Do contrário, se esconder é evitar que a gente continue na linha de completar verdadeiramente a cidadania com total transparência no Brasil.

Outra justificativa apresentada por Collor é de que algumas informações, se reveladas, podem prejudicar as relações brasileiras com outros países. Qual é a opinião do senhor sobre isso?

WP – Ainda que alguns fatos possam ser considerados como algo de difícil trato nas relações internacionais, a comissão pode julgar e fazer exatamente a classificação disso num prazo determinado. Portanto, não vejo motivo para se recuar desse projeto. Ele já tem condições plenas inclusive para garantir defesa do direito individual, garantia de defesa de princípios e direitos das nações.

Que tipo de impacto pode advir dos documentos da Guerra do Paraguai, por exemplo, que estão sob sigilo absoluto há cerca de 141 anos?

WP – Pedir o esquartejamento de quem a produziu vai ser difícil, porque vai ter que exumar cadáver (brincou). O acesso a informação é importante para que, de certa medida, se promova uma reparação nas gerações futuras e atuais que por ventura tenham sido prejudicadas por conta desses atos. Para um estado pleno de direito essa é uma condição mínima.

Catharine Rocha

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Imagem: mardopacifico.blogspot.com

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