Molon: Negar a neutralidade é preconceito contra pobre

Molon: Negar a neutralidade é preconceito contra pobre

 

“O que o Marco Civil proíbe é que, dentro do
1 mega ou dos 10 megas que eu pago, o provedor
diga como vou usá-los” (Agência Câmara)

Imagine que ao comprar um pacote de farinha o vendedor diga o quê você deve fazer com ela em casa. É mais ou menos isso o que as teles (dentre elas, Vivo, TIM e Claro) querem ter o direito de fazer: determinar em que sites o internauta vai poder navegar. Para tanto, os empresários do setor estão tentando influenciar a votação do Marco Civil da Internet (PL 2621/2011), programada para a próxima semana, conforme anuncio feito na manhã desta quarta-feira (6), pelo presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves.

Antes da votação, defensores e críticos do Marco Civil tiveram a oportunidade de debater, hoje, o relatório final do deputado Alessandro Molon (PT-RJ). Por cinco horas e meia, o texto foi avaliado por representantes do setor empresarial, sociedade civil organizada e parlamentares. E como tem se revelado desde o início da tramitação do projeto, a neutralidade da rede – que impede tratamento diferenciado ao conteúdo disponibilizado na internet pela cobraça de taxas especiais, para garantir ao internauta acesso a diferentes conteúdos com a mesma velocidade – foi o ponto de maior polêmica.

O líder do PMDB, Eduardo Cunha, que tem se revelado um grande defensor das teles puxou o coro em defesa dos interesses das telecomunicações, que argumentam: o Marco Civil vai elevar o preço da internet. “Dizer que todos terão o mesmo direito é discurso bonito, mas falacioso. É como se disséssemos que todos terão energia elétrica igual, mesmo que use cinco aparelhos de ar condicionado ou uma lâmpada. Se eu tenho de oferecer infraestrutura igual para todo mundo, eu tenho de oferecer a maior”, exemplificou.

Argumento taxativamente rebatido pelo relator do projeto. Molon explicou que a internet continuará sendo vendida em pacotes diferentes de velocidade, por isso não haverá o encarecimento. “O que o Marco Civil proíbe é que, dentro do 1 mega ou dos 10 megas que eu pago, o provedor diga como vou usá-los”, elucidou.

O relator argumentou que o que se pretende é fatiar a internet em pacotes semelhantes aos da TV paga, onde o pacote básico (que permitiria o acesso a redes sociais e e-mail) é mais barato que o pacote completo (que garante o acesso à toda a rede). “É preconceito contra pobre dizer que ele só lê e recebe e email”, afirmou, após lembrar que ouviu do pai da internet, o físico britânico Tim Berners-Lee, que o Marco Civil “é um projeto sobre direitos humanos na rede.”

A neutralidade recebeu o apoio irrestrito das associações da sociedade civil. “As empresas hoje miram no direito patrimonial, mas acertam na liberdade de expressão, quando exigem a retirada de conteúdos que devem ser liberados. Não podemos submeter interesses públicos a interesses de multinacionais que querem apenas fazer negócios na internet. A comunicação é um direito humano”, defendeu Pedro Ekman, representante do coletivo Intervozes, que luta pela democratização das comunicações no País.

Resposta à espionagem
Por solicitação da presidenta Dilma Rousseff, Molon incluiu no Marco Civil a previsão de que o Governo poderá, por meio de decreto, determinar que os bancos de armazenamento e gerenciamento de dados, os data centers, de provedores estrangeiros estejam localizados no Brasil. Dessa forma, espera-se responder às recentes denúncias de espionagem dos Estados Unidos. A regra não impede o espelhamento, ou seja, que os dados sejam também armazenados em bancos fora do País; mas se houver quebra de privacidade, não poderá ser alegado que foi em outro território e ficam valendo as punições previstas na legislação brasileira.

“O ideal seria tratar este assunto no projeto de Lei de Proteção dos Dados Pessoas, que o Planalto em breve vai encaminhar ao Congresso. Mas sabemos que o processo legislativo não é tão ágil quanto gostaríamos e a aprovação definitiva deve levar três anos. Responder à espionagem nesse tempo parecerá omissão”, observou Molon, rebatendo a crítica de Cunha de que se trata de uma medida “intervencionista”.

Para Nelson Wortsman, da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), que representa grandes corporações como Google e Microsoft, os custos de manutenção de data center no Brasil são muito elevados e o Governo, em vez de obrigar, deveria ceder estímulos fiscais para a instalação desses bancos. Entretanto, o deputado João Arruda (PMDB-PR) ressaltou que os grupos possuem data centers espalhados pelo mundo, portanto não se trata de uma novidade. “O Paraná tem um data Center do Facebook”, lembrou.

Direito autoral
Por se tratar de um assunto extremamente complexo e que vai além do aspecto da Internet, seguindo a recomendação dos ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Cultura, Marta Suplicy, o relator facultou à Lei de Direitos Autorais (LDA) os questionamentos sobre este tema.

Assim, os provedores serão obrigados a remover conteúdo apenas por ordem judicial e só serão responsabilizados se não cumprirem. O que não se aplica às infrações a direitos autorais, que pela lei em vigor, basta uma notificação extrajudicial para que o conteúdo seja retirado pelo provedor. Posição defendida pelos produtores de conteúdo, que querem evitar a remoção dessa possibilidade no reforma da LDA, que deve ser enviada para o Congresso em breve. “A bem da instituição do direito autoral, esse procedimento deve ser mantido”, disse o representante da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD) Paulo Rosa.

Publicidade dirigida
O Marco Civil proíbe ainda que os registros de acesso dos usuários – os hábitos sobre o que é lido – seja gravado e analisado, sem o consentimento explícito. Medida que afeta a publicidade dirigida, em que são sugeridos produtos a partir do perfil do usuário.

Molon acredita que o Marco Civil é a saída para proteger as informações dos 100 milhões de usuários brasileiros da internet. “O texto proíbe uma série de atividades de bisbilhotagem, como a venda para marketing direcionado daquilo que acessamos na rede.”

Catharine Rocha
 

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