Para Lindbergh, assassinatos de jovens provam erro da redução da maioridade

Para Lindbergh, assassinatos de jovens provam erro da redução da maioridade

Lindbergh: taxa de recuperação das medidas socioeducativas é de 70%, contra 40% das penitenciáriasDados alarmantes vêm sendo revelados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que apura o assassinato de jovens no Brasil. São informações que podem contribuir para a reflexão sobre as propostas de redução da maioridade penal atualmente em curso no Congresso Nacional. A avaliação é do relator da CPI, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ).

“Espero que a Câmara não aprove amanhã [terça-feira, 30] a redução da maioridade penal. Os jovens que essa medida quer colocar na cadeia são as principais vítimas — não os autores — dos atos violentos”, afirmou o senador, momentos antes do início da audiência pública promovida pelo colegiado, na noite desta segunda-feira (29), com a participação dos professores e especialistas em segurança pública Luiz Eduardo Soares e Julio Jacobo Waiselfisz.

Lindbergh acredita que os dados apresentados e as contribuições de especialistas ouvidos pela CPI podem sensibilizar os deputados e também fornecer argumentos à sociedade. “Os números mostram que estamos diante de um verdadeiro extermínio de jovens e adolescentes. A faixa etária que se quer colocar na cadeia (16 e 17 anos) é exatamente a mais afetada por esse processo”, lembrou o senador.

Jovens negros: as vítimas
Em 2013, o Brasil registrou 53 mil homicídios. Mais de 50% das vítimas desses crimes eram jovens, dentre os quais 77% eram negros. “Enquanto isso, os homicídios praticados por adolescentes de 16 e 17 anos correspondem a 0,01% do total”, destacou Lindbergh. “Se alguém tem a ilusão de que vai melhorar o problema da insegurança pública colocando garotos de 16 anos nos presídios, está enganado”, alertou o senador. Ele lembra, ainda, que não interessa à sociedade colocar esses meninos sob a esfera de influência dos grandes grupos criminosos que dominam as cadeias no Brasil.

Mas, para Lindbergh, o argumento mais impactante contra o encarceramento desses jovens é a disparidade entre as taxas de reincidência registradas no sistema prisional, de adultos, e das unidades socioeducativas, destinadas a menores de idade. “Entre as pessoas que cumprem pena em uma penitenciária, apenas 40% saem recuperadas,  não voltam a praticar crimes. Já a população juvenil submetida a medidas socioeducativas tem um grau de recuperação de 70%”.

Acordo pode ampliar punição para crimes hediondos
Sobre a perspectiva da Câmara dos Deputados aprovar a PEC 171, que pretende reduzir a maioridade penal para 16 anos, Lindbergh defende que o Senado espere a definição daquela Casa. “Aqui no Senado a situação é melhor. Temos 30 senadores integrando uma frente progressista que já se comprometeram a votar contra essa matéria. E bastam 33 votos contrários para derrubar a proposta” — por sem uma emenda à Constituição, a matéria precisa de quórum de três quintos dos votos. O senador sustenta que a resposta à violência exigida pela sociedade pode vir de um acordo em torno da mudança do Estatuto da Criança e do Adolescente, assegurando que crimes hediondos praticados por adolescentes a partir dos 16 anos recebam tratamento mais duro.

Um projeto do senador José Serra (PSDB-SP) com esse teor recebeu relatório favorável do senador José Pimentel (PT-CE), que aperfeiçoou a proposta em seu substitutivo. Com base nesse texto, os adolescentes que pratiquem crimes hediondos contra a vida (homicídio, latrocínio e estupro, por exemplo) ficariam até oito anos em estabelecimentos especiais, diferentes dos centros de internação de outros meninos que cometem crimes. Atualmente, não há qualquer diferenciação sobre a natureza dos crimes, as internações socioeducativas duram no máximo três anos e os infratores são colocados nas mesmas unidades.

O extermínio da juventude
Os números apresentados pelo professor Júlio Jacobo Waiselfisz, responsável pelo Mapa da Violência, são impressionantes. Em 2013, morreram no Brasil 4.592 jovens de 17 anos. Entre eles, 2.215 (48,1%) foram assassinados. “O menino que se quer responsabilizar criminalmente é exatamente o menino que está morrendo nas ruas”, aponta o pesquisador. Para quem o extermínio da juventude atualmente em curso no Brasil “não tem paralelo na história da humanidade”.

Segundo aponta a mais nova edição do Mapa da Violência — que está sendo lançada e trabalhou com os números consolidados de 2013—, as mortes por causas naturais (doenças, complicações decorrentes do envelhecimento) vêm caindo drasticamente no Brasil. Para a população de zero a 19 anos, essa queda foi de 78% (228 mil, em 1980, para 53 mil em 2013). Na contramão, cresce a mortalidade por causas externas (acidentes, suicídios, homicídios, entre outros). No cômputo total, o crescimento nessa categoria foi de 22%, mas o aumento dos homicídios é estarrecedor: de 3,1 mortes para cada 100 mil jovens de zero a 19 anos, em 1980, o número pulou para 16. “A única explicação para o aumento da mortalidade juvenil é o crescimento dos homicídios”, resume o professor Jacobo.

A faixa crítica
A faixa etária mais vulnerável à violência é exatamente o alvo da redução da maioridade penal, os adolescentes de 16 e 17 anos, grupo para o qual a taxa de homicídios cresceu 640% desde 1980. “É um número que não tem comparação em nenhum outro país do mundo”, aponta o professor Jacobo. Na faixa etária dos 15 aos 19 anos, o Brasil ocupa o terceiro lugar no mundo em vítimas de homicídios, atrás apenas do México e de El Salvador. No confronto com os números de países europeus é que é possível ver o tamanho do genocídio: enquanto a Áustria registra 0,2 mortes (por causas naturais ou externas) para cada grupo de 100 mil adolescentes entre 15 e 19 anos, o Brasil registra 50. “Para cada adolescente austríaco que morre, nós temos 250 meninos mortos”.

Julio Jacobo Waiselfisz confirma o que já havia sido apontado por outros especialistas ouvidos pela CPI: o perfil das vítimas de homicídio, no Brasil, é bem delineado. A vítima é do sexo masculino, jovem, tem a pele negra ou parda, renda familiar baixa, pouca escolaridade e mora na periferia de um grande centro urbano. Na faixa de 16 a 17 anos, em 2013, 93% dos mortos eram homens. Os que tinham de 1 a 3 anos de estudo contribuíram com 20 vítimas para cada 100 mil. Sobre a cor da pele, o homicídio de brancos caiu significativamente, desde 1980, quando a taxa era de 29,1 e chegou a 24,2 em 2013. Entre os negros e pardos, na faixa de 17 e 17 anos, pulou de 50 a cada 100 mil em 1980 para 71 em 100 mil em 2013. “A proporção é de três negros assassinados para cada branco”, resume o pesquisador.

Mapa da Violência
O Mapa da Violência é um estudo independente, que não aceita qualquer tipo de subvenção oficial e que, desde 1998, acompanha os registros de atos violentos praticados no País. São 17 anos de trabalho e o estudo que está sendo divulgado agora é o 27º, com ênfase no tema Juventude e Violência Letal. Os dados usados na pesquisa são exclusivamente os registros de óbitos do sistema de informações do Ministério da Saúde, conforme a orientação da Organização Mundial de Saúde. Esse rigor dá credibilidade aos levantamentos e, por seguir o padrão internacional, garante a possibilidade de comparação com números de outros países.

Invisibilidade e estigma
Nesta segunda-feira, a CPI também ouviu o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário Nacional de Segurança Pública no governo Lula e considerado um dos maiores especialistas do País no tema. Ele propôs que a sociedade procure refletir sobre os estímulos que levam os jovens a entrar para a atividade criminosa. “Se conseguirmos uma explicação para isso, poderemos formular políticas públicas mais eficientes para prevenir e combater o problema”.

Para Soares, a invisibilidade social à qual estão condenados os jovens negros e pobres dos centros urbanos tem um papel muito mais decisivo nesse movimento em direção ao crime do que a busca de acesso a bens materiais por meio do crime. “Toda tentativa de contato é negada. É a abordagem ignorada, a janela do carro que se fecha à tentativa de aproximação, no sinal fechado”. Ele lembra que invisibilidade não é só não ser visto, mas ser visto como o estigma que a sociedade projeta nesses meninos. “Não se vê o indivíduo, ele é apenas o espelho onde a sociedade projeta o retrato da intolerância, negligência, indiferença, medo e  preconceito”.

Para esse jovem, sustenta Soares, a arma na mão reverte a invisibilidade, inverte a hierarquia. “É o passaporte ontológico, a senha para a existência”. Do outro lado dessa busca de pertencimento, está a organização criminosa, que acolhe, empodera e reforça. “É difícil pedir ao grande público que compreenda isso. No momento do ato é violento, a vítima não vai pensar antropologicamente, mas como humano, que sente medo e ódio. Mas é preciso que na hora da reflexão se possa pensar sobre isso”.

Cyntia Campos

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