Para Receita Federal, refinanciamento da dívida deve ter regras rígidas

A “banalização” de refinanciamentos está influenciado no comportamento do cidadão no cumprimento voluntário de suas obrigações tributáriasO cenário mudou na Comissão Mista que analisa a Medida Provisória (MP 671/2015), que prevê o refinanciamento das dívidas dos clubes de futebol e a adoção de contrapartidas, como práticas de boa governança e fair play financeiro. Se na última semana, presidentes de clubes de todas as divisões do futebol nacional limitaram-se a criticar o texto enviado pelo governo federal, nesta terça-feira (19), houve algum reconhecimento e muitas sugestões de aprimoramento da MP.

Carlos Roberto Occaso, subsecretário de arrecadação da Receita Federal, avalia que podem existir medidas como o refinanciamento proposto pelo governo aos clubes de futebol. Mas, que essa iniciativa deve ser mais dura e rígida que a regra geral para o pagamento de tributos. “A norma deve estabelecer, nesse caso, regras de governança e de gestão das entidades com vistas ao cumprimento regular dos tributos e definir regras de responsabilização também com vistas ao equacionamento das dívidas tributárias”, disse.

Desde o ano 2000, de acordo com Carlos, o Brasil teve nove parcelamentos especiais para os mais variados setores da economia – automobilístico, autopeças, linha branca, dentre outros. “A Receita Federal tem se posicionado tecnicamente. O que estamos presenciando é a banalização dessas iniciativas”, disse, lembrando que, em 2014, foram realizados quatro refinanciamentos.

Ainda segundo o subsecretario da Receita, essa “banalização” de refinanciamentos e condições especiais de pagamento de tributos tem influenciado no comportamento do cidadão no cumprimento voluntário de sua obrigação. “Temos números preocupantes que mostram que, por desbalanceamento fiscal, precisamos lançar mão de ajustes, de cargas mais pesadas para alguns seguimentos. Quando, a solução poderia ser o passivo tributário detido por esses contribuintes”, apontou.

Pela proposta da MP, os clubes que aderirem ao refinanciamento terão entre 120 e 240 meses para quitar os débitos com a União. Nos primeiros três anos, haverá um sistema especial de pagamento, que limita a parcela a um valor entre 2% e 6% das receitas. Quem optar por refinanciar a dívida em dez anos (120 meses) terá abatimento maior nos juros do que os clubes que escolherem o pagamento em 20 anos (240 meses).  

Constitucionalidade
Para Wladimyr Camargos, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), existe uma inconstitucionalidade “latente” nos artigos 5º e 6º da Medida Provisória. Esses trechos tratam, entre outras coisas, da limitação do mandato de até quatro anos para presidente ou dirigente máximo e demais cargos eletivos, sendo permitida uma única recondução das entidades desportivas que aderirem ao texto da MP. Além disso, o estatuto das entidades deve constar a previsão da participação de atletas nos colegiados de direção e na eleição para os cargos da entidade.

“Não há nenhuma possibilidade de uma entidade que organize campeonatos nacionais e regionais, vendo sua base, seus clubes se afastando dessas competições. O que haveria de modificação na organização do campeonato seria imposto pelo Estado. No meu entendimento, isso não é uma adesão”, explicou.

Ao contrário do colega, Ricardo Martins, diretor executivo do Bom Senso Futebol Clube, não vê nenhum ponto inconstitucional na MP, já que a adesão ao refinanciamento é opcional. “Se não quiserem cumprir com as exigências, podem simplesmente pagar as dívidas. É comum o credor exigir certas contrapartidas para garantir que a dívida será paga”, destacou.

Amadorismo na gestão dos clubes
O representante do Bom Senso ressaltou o amadorismo, a falta de regulamentação acerca da limitação dos gastos e a impunidade relacionada à má gestão como principais causas da situação pré-falimentar dos clubes. Para ele, os clubes que procuram ter o mínimo de racionalidade nos gastos com o futebol acabam prejudicados na competição ao serem comparados àqueles que investem no esporte de forma irresponsável.

Ricardo Martins ainda criticou a ausência de diálogo da entidade que representa atletas do futebol nacional com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), órgão máximo do esporte no País. De acordo com Ricardo, as exigências dos atletas que compõem o Bom Senso (Fair Play financeiro e mudança do calendário) poderiam ser tratadas diretamente com a CBF, sem a necessidade de dialogar com o Estado.

“A CBF deveria criar canais de comunicação com diretores, treinadores, jogadores para que esses setores possam ter voz e voto. Não adianta criar apenas fóruns, congressos e, depois, tomar decisões que não correspondem às contribuições que os jogadores trouxeram como propostas”, apontou.

Problemas com a Timemania
Fábio Ferreira Cleto, vice-presidente de Loterias da Caixa, reconheceu que a Lotomania, idealizada como possível solução para as dívidas dos clubes, causou uma frustração nas expectativas iniciais e acabou se tornando um produto de baixo apelo.

De acordo com Fábio, a demora na regulamentação da Lotomania, que começou a ser discutido em 2003 e implementado em 2008, acabou impactando na arrecadação. “A própria mudança cultural acabou impactando nesse quesito. O apostador esportivo acaba procurando um jogo muito mais interativo, como o sportingbet. Inclusive, arrecadando dinheiro de apostadores locais, sem regulamentação”, explicou.   

Para o relator, deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), talvez as loterias da Caixa possam surgir como uma alternativa para uma das exigências previstas na MP. Para ele, recursos da Loteria podem servir para o fomento ao futebol feminino no País.

Requerimentos aprovados
Os parlamentares aproveitaram a oportunidade para aprovar requerimentos de convite para as próximas audiências públicas que discutirão a MP 671. Um requerimento do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) convida representantes da Associação Nacional de Torcidas Organizadas, da Gaviões da Fiel e da Urubuzada.

Além disso, o relator da matéria apresentou requerimento, também aprovado, para que o colegiado possa ouvir um representante da TV Globo, atual dona dos direitos de transmissão do futebol no País.

Rafael Noronha

 

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