“STF precisa dar um basta à imoralidade dos vazamentos seletivos”, cobra Viana

“STF precisa dar um basta à imoralidade dos vazamentos seletivos”, cobra Viana

Está na hora de o Supremo Tribunal Federal (STF) dar um basta à imoralidade dos vazamentos seletivos de trechos de depoimentos colhidos sob o regime de delação premiada. A cobrança é do senador Jorge Viana (PT-AC), presidente da comissão especial que analisa a reforma política e primeiro vice-presidente do Senado. “Isso tem se repetido no Brasil e prá mim é algo criminoso”, protestou o parlamentar, em pronunciamento feito na tarde desta segunda-feira (29). “O vazamento seletivo, como se tivesse sido pinçado, atinge, certamente, pessoas que cometeram ilegalidades, mas pode estar atingindo pessoas que não cometeram ilegalidade nenhuma. Não sei por que o Supremo Tribunal Federal não moraliza essa imoralidade!”, protestou.

Para Viana, não há justificativa para que partes selecionadas de um processo que corre sob segredo de justiça surjam em órgãos de imprensa, atendendo a “interesses que nunca estão vinculados à busca de justiça”, vazamentos que “destroem vidas de pessoas, atingem a honra de pessoas, tudo isso no afã do tal combate à corrupção”. O senador condenou a “hipocrisia” que transforma qualquer doação de campanha ao PT em “propina”, ao passo que o dinheiro doado ao PSDB e seus aliados é tratado sob uma aura de santidade.  

Ele citou o caso da construtora Andrade Gutierrez, cujo presidente está preso pela Operação Lava Jato, e que doou R$ 24,95 milhões ao PSDB e R$ 14 milhões ao PT, na campanha de 2014. “Os R$ 24 milhões para o PSDB são dinheiro limpo, dinheiro que deve ter sido arrecadado em alguma igreja. Já do PT é dinheiro sujo, propina”, ironizou. Outra empresa investigada na Lava Jato, a UTC, teve a doação de R$ 13 milhões ao PT divulgada com estardalhaço pela imprensa, no último fim de semana. A mesma empresa contribuiu com R$ 8,7 milhões para o PSDB.

“Essa hipocrisia que o Brasil está vivendo não pode seguir adiante, nem esses vazamentos seletivos, esse crime que se está cometendo”, enfatizou Viana. Um dos beneficiados pelas doações aos tucanos é o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que foi candidato a vice-presidente na chapa de Aécio Neves e, dia sim, outro também, ocupa a tribuna para falar de propina. Na última quinta-feira (25), por exemplo, num debate travado com a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), ela lembrou que muitos políticos atiram pedras mas no final das contas têm o telhado de vidro.

Jorge Viana acredita que está na hora de o Supremo e o procurador-geral da República adotarem providências para garantir que “todos sejam tratados de maneira igual, como prescreve a Constituição”. Uma das medidas poderia ser a transmissão ao vivo das oitivas que vêm sendo realizadas pelo juiz Sergio Moro, que comanda a Operação Lava Jato, evitando que apenas trechos selecionados dos depoimentos sejam “transformados em sentenças” ao serem divulgados por órgãos da grande imprensa. Um vídeo que está nas redes sociais mostra que advogados de defesa de um acusado tiveram acesso a duas ou três folhas de um depoimento que durou mais de três horas.

Credibilidade da política
Viana enfatizou que qualquer político poderia estar no rol dos citados na Lava Jato, já que todos que fazem campanha recebem doações de empresas privadas — doações que, a depender de quem recebe e do interesse da hora, podem ser tratadas como “limpas” ou “sujas”. “Afirmo que não há, no sistema [eleitoral] de hoje, nenhuma diferença de arrecadação entre as doações de empresas que entram no PT, no PMDB, no PSDB ou no DEM. A única coisa que muda é o discurso aqui da tribuna: alguns apontam o dedo e acusam, outros recebem acusação”.

Esse não é um bom caminho, alerta Viana, já que impede que tanto os dirigentes políticos quanto a opinião pública concentrem a atenção no problema real, que é a permissão para que empresas financiem os partidos e as candidaturas. “Devíamos todos entender que esse sistema venceu a validade, que ele é ruim, que esse abuso de dinheiro nas campanhas é uma afronta, que não tem como separar o público e o privado”, apontou. As sucessivas denúncias relativas a doações empresariais às campanhas afetam individualmente os acusados, mas, principalmente, corroem a credibilidade da atividade política como um todo, situação que não faz bem à democracia, afirma o senador.

Reforma política
Viana considera que o esforço do Senado para realizar uma reforma política pactuada entre todas as forças da Casa pode ser uma oportunidade para começar a desatar esse nó e oferecer à sociedade as respostas que ela busca para voltar a confiar em seus representantes. O senador manifesta otimismo. “Podemos realizar mudanças para dar mais transparência à atividade política, diminuir os custos das campanhas eleitorais e fortalecer os partidos”.

À frente da comissão da reforma política, Viana já se reuniu com os ministros do Supremo Tribunal Federal que integram o Tribunal Superior Eleitoral, com o presidente do STF e agora terá encontros com os ex-presidentes da República Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso e José Sarney. Também estão previstas reuniões com representações da sociedade civil. O senador quer ouvir as diversas opiniões e colher contribuições que ajudem a nortear o trabalho que será feito no Senado.

Preço das campanhas
Viana é defensor do fim das doações de pessoas jurídicas a partidos e candidatos. Ele reconhece que será difícil garantir essa vedação na reforma em curso agora, mas acredita que é possível fazer política sem dinheiro de empresas, como demonstrou Barack Obama nas duas campanhas que fez para a presidência dos Estados Unidos. Obama recusou contribuições de empresas e também o financiamento público a que todos os postulantes a cargos eletivos fazem jus em seu país.

Em 2008, o presidente americano arrecadou  US$ 661 milhões (em torno de R$2 bilhões) para sua primeira campanha e 99% de todas as doações vieram de pessoas físicas. Cerca de 50% das doações foram inferiores a US$ 200,00. Em 2012, ele arrecadou US$ 554 milhões e 90% das contribuições ficaram abaixo US$200.

No Brasil, onde os custos de campanha só fazem crescer, são as empresas e não os cidadãos eleitores os principais financiadores das candidaturas. Em 2014 os três principais candidatos à presidência — Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB)—receberam, juntos, cerca de R$ 1,8 bilhão em contribuições de campanha e 78% desse valor saíram do caixa de empresas. Embora o País tenha 140 milhões de eleitores, esses recursos volumosos foram resultado de apenas oito mil operações de doações, ou seja, cada doação teve valor médio de R$ 250 mil.

“São situações que nos levam a refletir que estamos, no mínimo, no caminho errado. E as manchetes dos jornais, o noticiário, nos levam [os políticos] a ter cada vez menor respeito diante da sociedade”, afirmou Jorge Viana, que considera essencial aprovar medidas, na reforma política, para baratear as campanhas eleitorais e com isso tornar a política menos dependente das doações de grandes empresas.

Cyntia Campos

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