Teto é teto e deve ser respeitado. Nenhum servidor público deve ganhar mais do que R$ 33,7 mil

Teto é teto e deve ser respeitado. Nenhum servidor público deve ganhar mais do que R$ 33,7 mil

Marcello Antunes

21 de novembro de 2016 | 14h33

 

Num momento em que a sociedade cobra maior transparência e combate à corrupção, a iniciativa do Senado de acabar com os supersalários na estrutura dos três poderes é oportuna. Vai expurgar situações que mostram contracheques fora da realidade, onde salários chegam a superar os R$ 137 mil por mês. Com o fim dos supersalários, a medida garantirá economia para os cofres do Tesouro Nacional e aliviará o caixa dos estados. O principal objetivo da Comissão Especial do Extrateto do Senado, criada há duas semanas, é aprovar um projeto que contemple o cumprimento do artigo 37 da Constituição Federal, especificamente o inciso XI. Esse inciso determina que a remuneração e o subsídio dos servidores públicos não poderão ultrapassar o salário recebido por um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

O valor do salário de um ministro do STF está em R$ 33,7 mil e isso quer dizer que nenhum servidor público federal, estadual ou municipal pode ganhar acima disso. O mesmo vale para autarquias e fundações. Essa decisão de limitar o salário no funcionalismo público é resultado da Emenda Constitucional 41 de 2003, aprovada logo no primeiro ano do mandato do ex-presidente Lula. É um legado tal iniciativa.

No entanto, desde 2003 surgiram os chamados penduricalhos, pagamentos de vantagens pessoais que se incorporaram ao salário, fazendo com que o contracheque engordasse sem parar. No Executivo, desde 2011, quem ganha acima do salário do ministro do STF é obrigado a devolver o excedente. No Senado, a medida conhecida como abate-teto foi aplicada a partir de 2013. Existiam cerca de 700 servidores do Senado que ganhavam acima do teto remuneratório e na Câmara outros mil. A economia gerada nas duas casas foi de milhões de reais.

Hoje o principal foco de supersalários está no Judiciário, onde juízes e desembargadores e alguns membros do Ministério Público Federal ganham mais que um ministro do STF.

A Comissão Especial do Extrateto, cuja relatora da proposta é a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), reuniu-se com os presidentes do STF, dos representantes dos superiores tribunais de justiça – eleitoral e militar – inclusive, com o Ministério Público Federal e ainda com o presidente Temer, que consignaram apoio à iniciativa de conter os supersalários.

No encontro da última quarta-feira (16) com a ministra Cármen Lúcia, presidenta do STF, e no dia seguinte com Rodrigo Janot, procurador-geral da República, Kátia Abreu lembrou que os dois disseram uma frase semelhante: “teto é teto e ninguém pode passar do teto”.

O problema a ser resolvido não está somente na contenção dos supersalários. Está numa resolução interna do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinando o reajuste automático para todo o Judiciário assim que o Congresso Nacional aprova reajustes salariais para os ministros do STF.

É um processo em cadeia que acaba deteriorando as contas dos estados e dos municípios. Se o subsídio do ministro do Supremo sofre um reajuste, desembargadores, juízes e demais funcionários das justiças estaduais e municipais são beneficiados. Isso quer dizer que há um desrespeito ao inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal. Para completar, os reajustes de desembargadores e juízes estaduais não passa por uma votação nas assembleias legislativas, no âmbito da discussão das Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Orçamentária Anual (LOA) dos estados.

“Nos estados, por conta dessa liminar do CNJ, eles entenderam que poderiam dar aumentos para os tetos sem passar pelas assembleias legislativas. Mas isso é extremamente inconstitucional. Nós ouvimos do presidente da República, que é um constitucionalista, e de alguns ministros do Supremo, sobre a inconstitucionalidade dessa decisão”, disse Kátia Abreu na última semana.

É por essa razão, dos supersalários reajustados automaticamente, que as finanças estaduais e municipais estão sob risco, porque a arrecadação tributária é insuficiente para suportar a pressão dos altos salários.

Existem no Brasil 14 mil juízes cujo salário gira em torno de R$ 27 mil. Esse valor corresponde a um percentual do que ganha um ministro do STF. Um desembargador deve receber 90,25% do salário atual de R$ 33,7 mil de um ministro. Mas não é isso que se verifica. As tais vantagens salariais que são incorporadas fazem que todos os meses juízes, desembargadores e outros da carreira do Judiciário tenham salários que superam facilmente R$ 50 mil reais, quando não os R$ 100 mil. A comparação de um contracheque desses com o de um professor da educação básica faz crer que o que um ganha no mês é a soma do que outro ganha no ano inteiro.

Para o senador José Pimentel (PT-CE), conhecedor do assunto, por ter sido relator da Emenda Constitucional 41/2003, é necessário que haja esforço para resolver essa disparidade existente hoje, que alimenta os supersalários.

A senadora Kátia Abreu, em discurso na semana passada, fez uma explanação didática sobre o trabalho da comissão e comentou os aspectos fundamentais para acabar com salários no funcionalismo público fora da realidade brasileira, que cobra transparência e respeito às leis. Confira abaixo:

Pontos importantes

A Constituição Federal, no seu artigo 31, inciso XI, fala que ninguém no País pode ganhar mais do que o teto.

Mas qual é o teto do País para o funcionalismo público?

Hoje, o teto máximo que um servidor público, seja ele deputado, senador, presidente da República, ministros de Estado, juízes, desembargadores e ministros dos Tribunais Superiores, enfim, ninguém que esteja em cargo público pode ganhar mais do que R$ 33,7 mil.

Quem estipula esse teto?

Esse teto é enviado pelo Supremo Tribunal Federal e aprovado no Congresso Nacional. Esse teto norteia os percentuais dos demais cargos. Por exemplo, um deputado federal e um senador ganham 90% do teto. Os deputados estaduais ganham 70% do teto. É esse teto o regulador dos salários públicos do Brasil.

Essa norma da Constituição Federal, do artigo 37, inciso XI, está sendo cumprida?

Há denúncias, reclamações e acusações de que vários órgãos de todos os três Poderes estão extrapolando o teto.

Mas de que forma, se o teto está na Constituição? Como alguém pode ter a coragem de desobedecê-la?

É simples, algumas pessoas, de forma equivocada, colocam benefícios, que são contrabandos, na verdade, para o salário: auxílio disso, auxílio daquilo, gratificação disso, gratificação daquilo e vão engordando os seus salários, aquilo que a imprensa chama popularmente de penduricalhos. Na verdade, o que iremos fazer é tratar de três coisas mais importantes.

Quais?

Deve-se separar definitivamente o que é subsídio e o que é verba indenizatória. Subsídio é salário, remuneração e verba indenizatória é o pagamento momentâneo. É preciso acabar com essa confusão e esse contrabando desses benefícios, vantagens que são incorporadas ao salário. Esse é o primeiro ponto, o mais importante e o definitivo para a nossa decisão.

E o auxílio-moradia?

Vou repetir o que disse a presidente do Supremo, Cármen Lúcia: “É teto”. E auxílio-alimentação? Vou copiar a frase do procurador-geral da República: “É teto. Então, tudo é teto”. Há algumas coisas que não são. Por exemplo, um servidor público de qualquer natureza vai viajar para outro estado, vai fazer um trabalho, precisa de passagem, precisa de diária, precisa ter todo o suporte, de carro, de movimentação, para fazer aquele trabalho. Isso é salário? Não é salário. Então, todos os outros ganhos, todos os outros benefícios serão, enfim, definitivos e taxados como subsídio e remuneração.

Mas o Supremo tem decidido favoravelmente ao auxílio-moradia?

Existem algumas decisões monocráticas (adotadas por um único ministro), mas isso deverá ser revertido, porque autorizaram o pagamento do auxílio-moradia. Um servidor que prestou concurso público, qual é a obrigatoriedade máxima do concursado? É residir na origem do seu concurso, a não ser que o seu concurso diga que você vai morar, de tempos em tempos, em cada lugar do mundo ou do País. Mas normalmente, no concurso público, todos já sabem onde vão residir e onde vão morar. Então, o auxílio-moradia não pode ser ad eternum, porque todo servidor concursado, todos os funcionários da iniciativa privada, cada um paga o seu aluguel, cada um tem a sua casa, cada um compra a sua comida no supermercado. Nós queremos que tudo isso seja regulamentado. Não é para castigar. Nós estamos fazendo a regulamentação para cumprir a Constituição Federal.

E o efeito cascata, o que é isso?

Se a Constituição disse que um deputado estadual, que um servidor do Judiciário, do Ministério Público ou do governo do estado podem ganhar X por cento em proporção ao teto, tudo bem. Ele pode ter esse aumento, mas, antes que isso aconteça, tem que aprovar na assembleia legislativa dos seus estados. E o que está ocorrendo hoje é que, quando damos aumento ao Supremo Tribunal Federal, quando o teto é reajustado, automaticamente, em cascata, os aumentos são dados nos estados, equivocadamente, inconstitucionalmente.

Porque é diferente nos estados? Por que lá pode aumentar os salários à revelia de uma LDO, à revelia de uma LOA, que foi aprovada, que é a lei orçamentária, colocando o estado de cabeça para baixo?

Nós estamos com estados literalmente falidos por desrespeito à Lei Orçamentária, por desrespeito ao cumprimento orçamentário. Um governador está lá, no seu estado, muito tranquilo e, de repente, é dado um aumento aprovado aqui, no Congresso. No dia seguinte, todos do estado, automaticamente, já estão dando os aumentos sem aprovar em lei. Aí o governador não tem condições de articular com os deputados estaduais, não tem condição de discutir: “Nós não temos condições de dar o aumento, ou temos condição de dar o aumento parcial, ou temos condições de dar o aumento total”. Isso não pode, o desejo do aumento de salário não pode ser maior do que a Constituição e não pode ser maior do que a necessidade orçamentária dos estados da federação brasileira.

Qual outro ponto a ser resolvido?

Nós estamos avaliando nesta regulamentação impedir o efeito cascata. Ela já está na Constituição, mas existe uma regulamentação antiga, no CNJ, que permite automaticamente essa cascata. A ministra Cármen Lúcia e os membros do Supremo estão conscientes desse fato e vão trabalhar para ajudar o Brasil. O Supremo está totalmente aberto para ajudar a colocar em prática toda essa regulamentação. Sem o STF e os tribunais superiores, praticamente a nossa tarefa seria quase impossível. O próprio procurador-geral da República deu seu apoio, com força, para que se cumpra, não só no âmbito federal, mas também nos Ministérios Públicos dos estados, a tarefa da transparência e do limite do teto dos salários. Ele garantiu que todos os 27 MPEs do Brasil estarão com seu portal da transparência, com todos os salários abertos, não só o salário total.

Por quê?

Porque pode ser injusto com o servidor. Às vezes, naquele mês, ele recebeu férias, recebeu metade do décimo terceiro. Aí já vão dizer que ele está ganhando acima do teto. É importante abrir para tirar as dúvidas. Ele pode ter recebido diárias. Então, a transparência ajuda para o bem e para o mal a controlarmos as contas do País.

Como funciona o teto? É um para cada cargo ocupado?

Vou repetir Cármen Lúcia e Janot: “Teto é teto”. Então, se eu receber um salário da prefeitura de Palmas, receber um salário do governo do estado do Tocantins e receber um salário do Congresso Nacional, não são três tetos a que eu tenho direito não.  Eu tenho direito a um teto só. Soma tudo, e o que passou corta. É assim que diz a Constituição. E é assim que nós vamos fazer. Não dá para ter um teto em cada ente federado.

Um servidor do Ministério Público Federal que trabalha no Executivo pode receber R$ 50 mil?

Não pode.

Por quê?

Porque a lei não permite acúmulo de funções no Poder Público, com algumas exceções para aposentados. Vamos imaginar que eu seja aposentada, contribuí para a previdência e me elegi senadora da República. Não tem importância. Eu posso acumular. Não significa que estou acumulando salário. Estou acumulando função. O teto continua o mesmo. Então, salário de deputado e senador mais aposentadoria, a Emenda Constitucional nº 41 é muito clara ao proibir. Sinto muito!

Eu poderei, por exemplo, se for do magistério, se eu der aula, se eu for uma servidora pública do Ministério do Planejamento e professora da UnB?

Pode acumular função na área de magistério. E médicos também. Toda a área de saúde, médicos e enfermeiros, pode acumular função, mas não pode acumular salário. Teto é teto! Então, são esses três pontos que vamos trabalhar. Adeus aos penduricalhos. Adeus aos supersalários.

Quando o abate-teto foi implantado no Executivo?

 

Em 2012 a presidenta Dilma Rousseff exigiu que o teto fosse respeitado no Executivo, no Governo Federal. Na reunião que tive com o presidente Temer, também na quarta-feira (16), ele confessou que com essa medida teve seu próprio salário enquadrado no teto. Encerro dizendo que precisamos em todas as esferas dos três poderes que a verdade remuneratória exista e seja cumprida.

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