The Economist destaca postura ecológica do Senado

Os esforços da presidenta para acomodar reivindicações  de ambientalistas e ruralistas satisfizeram a poucos. Uma oportunidade para estimular a agricultura sustentável pode estar sendo perdida.

The Economist destaca postura ecológica do Senado

O Congresso brasileiro costuma aprovar matérias polêmicas  depois de muita discussão. Foi assim com a revisão do Código Florestal, conjunto de normas que, apesar do nome, aplica-se a todas as propriedades rurais privadas, não apenas a áreas de florestas. O Código original, datado de 1965, exige que os proprietários mantenham a cobertura nativa em parte de suas terras — 80% na Amazônia, menos em outras regiões —  e em terrenos sujeitos a erosão e áreas como margens de rios ou manguezais. Essas determinações, porém, vêm sendo ignoradas há muito tempo.

Desde que penas mais severas e uma fiscalização mais presente foram implementadas, no final dos anos 90, os ruralistas—como é conhecido o poderoso lobby agrário— tentam revisar o Código. Em 25 de Abril deste ano, após 13 anos de discussões, alterações e paralisações, o texto final aterrissou na mesa da presidenta Dilma Roussef. Era uma versão bem diferente da que ela queria. Duas derrotas do governo numa Câmara dos Deputados lotada de ruralistas resultaram num texto que contempla poucas das propostas originadas no Executivo ou as introduzidas pelo Senado, uma Casa mais simpática aos verdes.

A presidenta viu-se diante de uma escolha difícil: jogar fora o texto e começar tudo de novo —o que certamente seria encarado como uma declaração de Guerra pelos ruralistas — ou tentar extrair o melhor de um mau trabalho. Ele decidiu pela segunda opção. Em 25 de Maio, ministros estiveram no Congresso para anunciar o veto presidencial a 12 dos 84 artigos do Código, além de 32 alterações menores. As lacunas resultantes serão preenchidas por um decreto sepado [uma Medida Provisória]. Apenas em 28 de Maio os detalhes das mudanças foram publicados.

O resultado é legalmente complexo, possivelmente inevitável. O Código tenta fazer muitas coisas diferentes: regular o uso da terra, estancar o desmatamento da Amazônia e, ao mesmo tempo, liberar fazendeiros a tocar seus negócios no resto do país. O Código Florestal Original foi pioneiro em diversos aspectos. A exigência de que os fazendeiros preservassem a vegetação original em parte de suas terras parece estranha aos olhos estrangeiros, acostumados a que os governos cuidem das terras virgens e parques nacionais e deixem os proprietários fazerem o que quiserem em suas propriedades. Mas a permissão para  exploração de parte da terra em troca de ações de preservação tem seus méritos, num país tão vasto e com recursos estatais limitados. Infelizmente, o Código só foi aplicado parcialmente na Região Amazônica e jamais fez sentido nas propriedades do Sul e Sudeste do País, já estabelecidas como propriedades rurais muito antes da lei entrar em vigor.

Os problemas permanecem. A nova lei continua a tratar antigas áreas de cultivo exatamente da mesma forma que terras recentemente desmatadas. Em particular, os ambientalistas temem que a versão do Congresso para o Código seja uma carta branca para as motosserras. A partir da simples adesão a um vagaroso processo de benfeitorias, qualquer proprietário de terras que tenha violado a lei ambiental antes de julho de 2008 poderá ser presenteado  com uma anistia.

Com o veto de Rousseff, a anistia almejada pelos ruralistas valerá apenas para pequenos proprietários, que ficarão obrigados a replantar 20% de suas propriedades. Todos os demais terão cinco anos para acertar erros passados e adequar suas propriedades a um novo Registro Rural Ambiental. Os resistentes ficarão impedidos de receber crédito bancário e poderão ser processados.

Rubens Ricupero, um dos ex-ministros do Meio Ambiente [1993-1994] do Brasil consultados pela presidenta antes do veto, louva a tentativa de Dilma de alcançar um equilíbrio. Ele considera que o tratamento mais brando dispensado aos pequenos proprietários é ao mesmo tempo prático — já que eles representam, em número, 90% das propriedades rurais, mas respondem apenas por 24% do total das terras—e socialmente justo: poucos poderiam arcar com os custos de reflorestar grandes áreas de suas fazendas. Isso também desmascara a má fé dos ruralistas, diz Ricúpero, que alegam agir para proteger os pequenos proprietários, quando a presidenta já se comprometeu, há tempos, a isentar esse grupo das obrigações mais rígidas.

Mas a decisão da presidenta de reduzir a área protegida nas margens de rios frustrou os verdes. As regras anteriores foram baseadas em critérios científicos que contemplam a  proteção contra a erosão e assoreamento e a necessidade de manter corredores para a fauna nativa, explica Kenzo Jucá, do WWF-Brasil. Embora a nova lei deva promover algum reflorestamento, essa é a única exigência para a adesão ao Registro Ambiental Rural.

A evolução tortuosa do novo Código Florestal é conseqüência de suas deficiências de elaboração e de suas ambigüidades, afirma Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra. Ele acredita muito mais em impasse do que em conciliação. Pesquisas de opinião sugerem que os eleitores apoiariam um tratamento mais duro contra os ruralistas. As petições a favor do veto presidencial conquistaram muitas adesões. Mas os ruralistas são o maior bloco suprapartidário do Congresso, o que limita a margem de manobra de Dilma.

Os verdes no Senado incluíram no texto isenções fiscais e empréstimos em condições especiais para fazendeiros que reflorestassem áreas degradadas em prazos menores que o exigido pela lei, ou que preservassem além da área mínima exigida de suas propriedades. Eles também pretenderam criar pagamentos  para os que preservassem fontes de água ou protegessem a biodiversidade. Mas essas propostas para promover a agricultura sustentável foram extirpadas do texto pela Câmara.

Foi uma pena: incentivos financeiros inteligentes podem reduzir dramaticamente o desmatamento. Uma análise recente da Climate Policy Initiative (CPI), um instituto de pesquisa ambientalista, concluiu que apenas cerca da metade da queda de 75% das taxas anuais de desmatamento registradas no Brasil desde 2004 foram conseqüência da queda dos preços internacionais da carne e da soja e da valorização da moeda. A outra metade da queda dos índices de desmatamento deve ser atribuída à ação governamental, inclusive à decisão tomada em 2008 de conter o crédito rural nos municípios com altas taxas de desmatamento.

A senadora Katia Abreu, líder dos ruralistas, insiste que seus pares rejeitam o desmatamento da Amazônia. Para ela, o novo Código Florestal vai promover o desenvolvimento agrícola de outras regiões. Ainda assim, os ruralistas provavelmente não deverão tentar derrubar o veto da presidenta no Congresso (o que exigiria maioria absoluta dos parlamentares das duas Casas). Mas eles devem tentar alterar o texto da Medida Provisória que acompanhou os vetos. Enquanto isso, os verdes ameaçam recorrer ao Judiciário contra a nova lei.

O novo Código Florestal deverá manter a redação atual (pós vetos e MP), ou uma forma muito próxima a ela. É uma oportunidade perdida. “Se nós realmente queremos usar o nosso capital ambiental, vamos precisar de uma legislação de nova geração”, afirma Smeraldi.

Fonte (em inglês): http://www.economist.com/node/21556245

Foto: Agência Senado 

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