Alvo de um inquérito do Supremo Tribunal Federal por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de justiça, desertado por uma base parlamentar em debandada e detentor de 4% de aprovação popular, Michel Temer desfechou o que parece ser o último ardil para se manter no cargo que herdou do golpe parlamentar de 2016: um Decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que coloca as Forças Armadas nas ruas para reprimir trabalhadores que rejeitam as reformas trabalhista e da Previdência.
“Essa é a última cartada de um presidente completamente desmoralizado frente ao País e que agora tenta assumir o discurso da ordem”, resume o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) que, ao lado dos demais integrantes da Bancada de Oposição, denunciou a manobra temerária do atual ocupante do Planalto, uma jogada que “desrespeita a constituição, vulnera a democracia e abre um precedente gravíssimo”, como definiu a Líder do PT, Gleisi Hoffmann (PR).
Canetada inconstitucional
Temer escorou sua canetada em um pedido do presidente da Câmara dos Deputados (PMDB-RJ), Rodrigo Maia, que solicitou a presença da Força Nacional de Segurança — corpo formado por contingentes das Forças armadas, polícias militares, Polícia Federal, além de bombeiros e profissionais de perícia — para a “coordenação de ações e operações integradas de segurança em grandes eventos, nas adjacências dos edifícios do parlamento”, em função da ação de provocadores infiltrados na mobilização de trabalhadores nesta quarta-feira (24), em Brasília.
Foi a senha para que o inquilino do Planalto e seu Ministro da Defesa, Raul Jungmann (PPS-PE), lançassem mão do Decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), medida que, determina a Constituição, só pode ser acionada quando está comprovado o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública em graves situações de perturbação da ordem.
A medida de Temer é inconstitucional, já que um presidente da República só pode recorrer à GLO a partir da solicitação de um chefe de Poder ou de um governador de estado. O pedido de Maia, usado como pretexto, não trata de GLO.
Caminhando para o imponderável
Para a Bancada do PT, a ação dos provocadores nos atos desta quarta-feira, em Brasília — ações que foram solenemente ignoradas pela Polícia Militar — foi uma intervenção política, possivelmente para justificar a medida extrema de Michel Temer. “Infiltraram gente para fazer depredações e justificar uma medida dessas. Estamos caminhando para o imponderável. Podemos estar a caminho de um regime de exceção, o que é gravíssimo para a nossa democracia”, alerta Gleisi Hoffmann.
[blockquote align=”none” author=”Humberto Costa, líder da Oposição no Senado”]Em seus estertores, o governo Temer tenta se manter e instituir um sistema efetivamente autoritário e descolado da democracia[/blockquote]
Para o líder da oposição, Humberto Costa (PT-PE), o momento crítico que o País atravessa não permite que se tente reduzir a questão a uma pauta partidária. “O presidente da República extrapolou as suas competências e tomou uma decisão que compromete a democracia brasileira”, afirma o senador. Ele lembra que não terá sido por falta de assessoria jurídica nem por incapacidade de interpretar o texto recebido de Rodrigo Maia que a imprudente decisão foi tomada. Poderia ser uma manobra para disfarçar o fato de que “este governo não existe mais”.
Democracia na linha de tiro
“Talvez estejamos vendo, nos estertores deste governo, uma tentativa de se manter e de instituir um sistema efetivamente autoritário e descolado da democracia que nós temos”, denuncia Humberto Costa.
Colocar a democracia e o Estado de direito na linha de tiro, porém, não vai salvar o mandato de Temer, nem assegurar um substituto ungido nos bastidores. “A crise é muito grave. Não dá para se costurar um acordo por cima, eleger presidente de forma indireta. Enquanto Temer estiver na Presidência da República, vamos viver uma profunda instabilidade”, avalia Lindbergh, que aconselha: “Saia imediatamente desse Palácio do Planalto. Não haverá paz no Brasil enquanto o senhor estiver nessa cadeira, Michel Temer”.
Não foi só no Senado que a iniciativa de Temer causou indignação e perplexidade. “Espero que seja mentira”, reagiu o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal. Mello interrompeu o voto que proferia em uma sessão do STF para manifestar sua preocupação com a medida, que equivale à decretação de estado de sítio na capital federal.
Governos petistas jamais chamaram Forças Armadas
Ex-ministra da Casa Civil no governo Dilma, Gleisi explica que a convocação feita por Temer não tem qualquer relação com a função de uma GLO, que é uma medida extrema. Durante o mandato da presidenta Dilma, por exemplo, os decretos de Garantia da Lei e da Ordem foram usados no combate ao crime organizado no Rio de Janeiro e em rebeliões de presídios que saíram do controle.
Nos governos petistas, “jamais as Forças Armadas foram colocadas numa situação em que houvesse manifestação popular”. Em 2013, por exemplo, quando a sede do Ministério das Relações Exteriores (o Palácio do Itamaraty) foi invadido e incendiado por manifestantes, houve a convocação da Força Nacional de Segurança, composta “pelos melhores homens e mulheres da Polícia Federal, Polícia Militar e Polícia Civil, preparados para lidar com a população, com os civis”.