Nenhum direito a menos

Valorização real do salário mínimo sob risco

“O salário-mínimo maior foi fundamental para reduzir a pobreza e a desigualdade. E isso foi de encontro ao que se difundia no debate público e econômico”, diz o economista do Dieese Tiago Oliveira
Valorização real do salário mínimo sob risco

Foto: Divulgação

O salário mínimo não teve reajuste real em  2017. É o primeiro sinal de que os trabalhadoeres não ficarão imunes aos avanços do governo Temer sobre os ganhos duramente conquistados e garantidos durante os governos Lula e Dilma.

Os R$ 57 de aumento em relação ao valor de 2016 (R$ 880) apenas compensaram os 6,47% que o governo calculava ter sido a inflação em 2016.  Problema: segundo o IBGE  (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a inflação medida pelo INPC (Índice Nacional de Prelo ao Consumidor) no ano passado foi 6,58%. O índice foi divulgado no dia 11 de janeiro.

Ou seja, na verdade, segundo economistas  do Dieese (Departamento Intersndical de Estatística e Estudos Socioeconômicos),  sequer houve recomposição do valor do salário mínimo. O governo alega que aplicou um redutor aos valores do mínimo para compensar o reajuste a maior concedido em 2016. Segundo o Planejamento, a lei prevê que “eventuais diferenças entre as projeções dos índices utilizados para cálculo do reajuste e os índices efetivamente observados serão computadas no reajuste seguinte”. Mas não utilizar o INPC cheio no cálculo do reajuste foi visto com estranheza por quem acompanha a política de reajuste do salário mínimo.

Em nota publicada logo após a divulgação do INPC, em janeiro deste ano, o Departamento Intersindical de Estudos Estratégicos (Dieese) mostra que, depois de vinte anos, o reajuste do mínimo ficou abaixo da inflação. “A partir de 1º de janeiro de 2017, o valor do salário mínimo será de R$ 937,00, conforme anunciado pela presidência da República. Este valor representa 6,48% sobre os R$ 880,00 em vigor durante 2016 e não corresponde à variação anual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2016, que foi de 6,58%. Caso o índice tivesse sido aplicado integralmente, o valor teria ficado em R$ 938,00”, diz o documento. Detalhe: Pela primeira vez, os aposentados que ganham mais do que o mínimo tiveram reajuste superior ao aplicado ao piso salarial. Eles receberam 6,58%.

“Nem a inflação foi reposta”, aponta Antônio Augusto de Queiroz – o Toninho do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar). Especializado em passar o pente fino sobre as ameaças aos direitos dos trabalhadores brasileiros, Toninho diz que o Diap avalia a possibilidade de reclamar na Justiça o direito atropelado à correção real.

O novo valor do piso nacional também está abaixo do valor aprovado pelo Congresso no Orçamento Geral da União para o próximo ano, que foi de R$ 945,80 – isso representaria um reajuste de 7,48%. Para explicar o valor que adotou, o governo argumentou que o INPC, usado como referência no cálculo, deveria ficar abaixo do previsto inicialmente. “Em virtude da inflação menor em 2016, o reajuste será menor do que o previsto na LOA (Lei Orçamentária Anual). Trata-se, portanto, de aplicação estrita da legislação”, disse, em nota, o Ministério do Planejamento, para justificar a correção.

“Se a mesma regra aplicada pelo governo Temer estivesse em vigor desde 2002 (ano em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse), o salário mínimo em dezembro seria de R$ 531 em vez dos R$ 880 que estiveram em vigor até dezembro de 2016, explica Toninho do Diap.

Ou seja, a prática de valorização do salário mínimo, que é considerada um dos mais marcantes legados petistas, está sob ameaça. “Ao menos enquanto este grupo de visão liberal e calculista estiver no poder, não vejo chance de que essa nova política se altere”, diz o especialista. Para ele, a mudança na aplicação da lei é “um retrocesso monumental”.

[blockquote align=”none” author=”Antônio Augusto de Queiroz, do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar)”]“Se a mesma regra aplicada pelo governo Temer estivesse em vigor desde 2002 (ano em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse), o salário mínimo em dezembro seria de R$ 531 em vez dos R$ 880 que estiveram em vigor até dezembro de 2016″[/blockquote]

Aumentos reais

O mínimo teve aumento real (superior à inflação) de 77% entre 2002 e 2016, segundo cálculos do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Quando esse ciclo começou, o valor nominal do benefício era de R$ 240.

A lei 12.382/2011  garantiu um critério objetivo para o reajuste: índice de inflação do ano anterior, acrescido da taxa de crescimento da economia de dois anos antes. A Lei 13.152, de julho de 2015 estabeleceu regras para a valorização do salário mínimo entre 2016 e 2019 .

No projeto de lei de Diretrizes Orçamentárias enviado ao Congresso, o governo projetou o salário-mínimo de R$ 946 em 2017, de R$ 1.002,70 em 2018 e de R$ 1.067,40 em 2019. Esses valores consideraram crescimento da economia em 2017, 2018 e 2019 de 1%, 2,9% e de 3,2%, respectivamente. Para esses três anos, o governo estimou a inflação em 6%, 5,4 % e em 5%, também respectivamente.

Para a assessora técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Lilian Marques, ao assegurar uma regra de aumento do salário-mínimo, independentemente dos ventos da economia e da política, o trabalhador foi valorizado e as condições de educação, saúde e consumo da população mais pobre melhoraram sensivelmente.  Em entrevista ao Portal Brasil, para uma série sobre o Dia do Trabalhador, ela disse que, por conta desse crescimento real, trabalhadores que ficavam abaixo da linha de pobreza, mesmo com carteira assinada, puderam entrar no mercado de consumo. “O salário era tão baixo que ele estava na linha da pobreza. Com a atual regra de correção do valor, houve um resgate desses trabalhadores da pobreza. Hoje ter uma carteira assinada ou receber um salário um pouco acima do mínimo te coloca em outro patamar de consumo e de qualidade de vida”, afirmou.

“O salário-mínimo maior foi fundamental para reduzir a pobreza e a desigualdade. E isso foi de encontro ao que se difundia no debate público e econômico”, diz o economista do Dieese Tiago Oliveira. Em entrevista ao Portal Brasil  ele lembrou que a política de correção real para os valores do piso salarial – implementada pelos governos petistas – desmistificou as “lendas” de que aumentar o mínimo seria um risco porque aumentaria o desemprego, a informalidade e a inflação.

Vale lembrar que as duas entrevistas foram concedidas no dia primeiro de maio do ano passado, pouco antes do afastamento da presidenta Dilma Rousseff  da Presidência da República (o processo de impeachment foi aberto no dia 12 daquele mês e a presidenta, afastada no mesmo dia).

Além da tungada no salário mínimo, o governo Temer armou outras maldades contra o bolso do trabalhador. Com a PEC 55, congelou investimentos pelos próximos vinte anos. E ainda temos a Reforma da Previdência, que, entre outros ataques, pretende desvincular o aumento de aposentadorias e pensões do salário mínimo. É bom destacar que,  se a vinculação ao salário mínimo não for mantida, os benefícios não serão mais corrigidos pela inflação e podem até mesmo ficar menores do que o salário mínimo.

[blockquote align=”none” author=”Dieese”]“Com a revisão atual, fixando o valor em R$ 937,00 e considerando uma taxa anual do INPC para 2016 em 6,58%, o salário mínimo terá acumulado perda, no ano, de 0,1%[/blockquote].

Política

Em 2002, o salário mínimo foi estabelecido em R$ 200,00. Em 2003, o reajuste aplicado foi de 20,00%, para uma inflação acumulada de 18,54%, o que correspondeu a um aumento real de 1,23%. No ano seguinte, a elevação foi de 8,33%, enquanto o INPC acumulou 7,06%. No ano de 2005, o salário mínimo foi corrigido em 15,38%, contra uma inflação de 6,61%.

Em 2006, a inflação  foi de 3,21% e o reajuste ficou em 16,67%, com aumento real de 13,04%. No mês de abril de 2007, para um aumento do INPC entre maio/2006 e março/2007 de 3,30%, diante de uma variação de 8,57% no salário nominal, o aumento real do salário mínimo atingiu 5,1%.

Em 2008, no mês de fevereiro, o salário mínimo foi reajustado, em 9,21%, enquanto a inflação ficou em 4,98%, correspondendo a um aumento real de 4,03%. Com o valor de R$ 465,00 em 1º de fevereiro de 2009, o ganho real entre 2008 e 2009 foi de 5,79%. Em 2010, com valor de R$ 510,00, o ganho real acumulado no período atingiu 6,02%, resultante de uma variação nominal de 9,68%, contra inflação de 3,45%.

Em 2011, embora a taxa de crescimento do PIB de 2009 tenha sido negativa, o piso registrou aumento real de 0,37% e, em 2012, com o repasse do crescimento de 7,5% do PIB de 2010 e feito o arredondamento de valor, o salário mínimo foi fixado em R$ 622,00.

Em janeiro de 2013, o valor estabelecido levou o piso para R$ 678,00 e, em janeiro de 2014 o valor foi fixado em R$ 724,00. Com o reajuste de janeiro de 2015, o piso foi fixado em R$ 788,00. Em 2016, o valor do salário mínimo foi elevado a R$ 880,00.

Com a revisão atual, fixando o valor em R$ 937,00 e considerando uma taxa anual do INPC para 2016 em 6,58%, o salário mínimo terá acumulado perda, no ano, de 0,1%.

Os dados são do Dieese.

Tabela: Dieese

 

Reprodução autorizada mediante citação do site PT no Senado

To top