O documento “Previdência: Reformar para Excluir?” traz os principais ataques da proposta de mudança na Seguridade Social. O trabalho é uma contribuição técnica para debater o tema, elaborado pela Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Veja, abaixo, alguns desses retrocessos:
- Carência mínima para acesso à aposentadoria “parcial”: 65 anos de idade e 25 anos de contribuição – governo deseja que exista apenas aposentadoria por idade aos 65 anos, que não distinguirá entre homem ou mulher, trabalhador urbano ou rural, servidor público ou trabalhador da iniciativa privada. Além disso, passa-se a exigir do trabalhador o mínimo de 25 anos de contribuição, contra os atuais 15 anos. Acaba o acolhimento às diferenças e proteção especial às mulheres e trabalhadores rurais, que trabalham em condições ainda mais duras que os homens das cidades.
- Alongamento do tempo de contribuição e redução do valor das aposentadorias – Além de maiores carências de idade e tempo de contribuição, a PEC propõe a redução no valor das aposentadorias ou, mais precisamente, da taxa de reposição. O valor passa a ser calculado em 51% do Salário de Benefício mais um ponto percentual por ano de contribuição, contra os atuais 70% mais um ponto por ano. Com as novas regras, a aposentadoria “parcial” teria patamar inicial de 76%; mas, para alcançar a “aposentadoria integral” (100% do Salário de Benefício), será preciso combinar 65 anos de idade e 49 anos de contribuição. Ou seja, o trabalhador só terá direito a aposentadoria integral aos 65 anos, se ele entrar no mercado de trabalho formal aos 16 anos, idade mínima para o trabalho, e contribuir ininterruptamente por 49 anos –o que é quase impossível. Nem em países desenvolvidos a regra é tão dura.
- Regra de transição só para o acesso à aposentadoria – o governo tem feito um verdadeiro carnaval sobre as “regras de transição”, como se elas protegessem os que estão trabalhando atualmente. É mentira. A única regra de transição presente na PEC 287 refere-se às condições para o trabalhador obter a aposentadoria. Enquadram-se nessa regra o trabalhador com mais de 50 anos, se homem; ou 45, se mulher, que poderão se aposentar antes dos 65 anos, desde que cumpram o restante do tempo de contribuição vigente com acréscimo de 50%. Mas, como não há regra de transição para a fixação do valor inicial dos benefícios, fica na prática reduzido o direito esperado mesmo por quem esteja acima da idade de corte. Com isso, a PEC na prática acaba com o princípio constitucional do direito adquirido. O STF vai barrar? Parece quase impossível, pois o tribunal tornou-se um braço auxiliar do governo neoliberal em vez de defensor da Constituição.
- Aposentadoria por invalidez foi dificultada e com valor reduzido –só terá direito à aposentadoria quem tiver incapacidade permanente para o trabalho. O valor do benefício será reduzido, se a PEC for aprovada: à exceção da invalidez por acidente de trabalho, o cálculo seguirá a regra de 51% da média dos salários de contribuição, acrescido de um ponto percentual por ano de contribuição. Nem mesmo as situações de doenças profissionais serão protegidas. As situações de doenças graves, especificadas em lei, resultarão em aposentadorias proporcionais e não mais integrais.
- Aposentadoria especial virou miragem – com a PEC 287, exige-se para a aposentadoria especial o exercício de atividades que efetivamente prejudiquem a saúde. A periculosidade deixa de ser critério para concessão. Em vez de oferecer proteção, o texto da reforma está exigindo o dano efetivo e a perda das condições de saúde. Ademais, é proposta uma idade mínima de 55 anos para esta modalidade de aposentadoria, independentemente da insalubridade, o que nunca existiu na lei brasileira. A proposta de reforma fixa em 20 anos o tempo mínimo na atividade prejudicial para a concessão do benefício, o que representa aumento em alguns casos. Não bastassem esses critérios mais exigentes, a PEC limita ao máximo de cinco anos a diminuição do tempo de serviço do trabalhador exposto às condições prejudiciais à saúde, bem como reduz o valor das aposentadorias, de 100% do salário de benefício, para o percentual calculado segundo a regra geral apontada anteriormente. A saúde deixará de ser a referência para a aposentadoria especial, pois a planilha de cálculos é quem definirá tudo, segundo o desejo do governo.
- Pensão por morte passa a ser castigo – a PEC 287 quer uma forte redução no valor das pensões a serem concedidas. Além da desvinculação ao salário mínimo, o benefício passa a ser de 60% do valor da aposentadoria que o segurado recebe ou receberia se se aposentasse por invalidez no momento do óbito. A esse benefício será concedido uma parcela de 10% para cada dependente adicional, até o limite de 100%. Como a pensão será fixada a partir da regra geral de cálculo da aposentadoria, a renda familiar deverá sofrer uma redução significativa com o óbito do segurado. Provavelmente, uma grande parcela dos futuros pensionistas terá renda equivalente a 60% do salário mínimo.
- A demagogia da proibição de acumulação de aposentadorias – o governo tenta convencer a população que o veto à acumulação de mais de uma aposentadoria por parte do mesmo segurado seria uma medida quase que equivalente ao “combate à corrupção”. É outra mentira, pois serão exatamente os mais pobres aqueles que sairão perdendo. Só poderá haver acumulação em casos raríssimos, e acaba o direito a receber aposentadoria e pensão. Impedir esse tipo de acumulação terá impactos bastante severos sobre a população idosa de renda baixa, como é o exemplo das trabalhadoras rurais que acumulam aposentadoria rural com a pensão deixada pelos seus cônjuges, ambas limitadas ao salário mínimo. A crueldade não para: como a pensão poderá, com a reforma, ter valor inferior ao salário mínimo, a renda familiar poderá ser reduzida drasticamente no momento do óbito do segurado.
- Benefício assistencial: uma crueldade sem limite com os idosos mais pobres – Temer e Meirelles querem a elevação progressiva da carência mínima de 65 para 70 anos para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), dirigido aos idosos e portadores de deficiências, exatamente a parcela da população socialmente mais vulneráveis, com renda familiar per capita de até ¼ do salário mínimo. Hoje, são protegidas mais de quatro milhões de famílias (cerca de 16 milhões de pessoas). Com a elevação da idade, idosos que aos 65 anos não conseguirem se aposentar (por possuírem menos de 25 anos de contribuição), precisarão sobreviver até os 70 anos sem qualquer benefício que lhes garanta renda.
- Fim do piso do salário mínimo para o BPC e pensões – mais uma vez, os mais pobres são o alvo do governo Temer. Com o desejado fim da vinculação dos benefícios ao piso do salário mínimo, proposto para o BPC e para a pensão por morte, haverá uma expansão da miserabilidade no país, exatamente entre os mais indefesos –os idosos pobres. A PEC não define como serão reajustados tais benefícios, correndo-se o risco de que passem a ser arbitrados em função dos interesses meramente fiscais e do setor financeiro.
- Os servidores públicos, especialmente os pobres, serão obrigados a trabalhar até 75 anos – a aposentadoria compulsória passa de 70 para 75 anos de idade. Os servidores estaduais e municipais, apesar de aparentemente favorecidos pelo recuo do governo que os tirou da “reforma”, serão moeda de troca nas negociações das dívidas de Estados e Municípios e igualmente penalizados em breve.