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5 de agosto: em seu Dia Nacional, Saúde pede socorro

Data, instituída em 1967, traz reflexão sobre o financiamento do setor; contra atual arrocho, Humberto Costa defende mais recursos e a implantação de complexo industrial
5 de agosto: em seu Dia Nacional, Saúde pede socorro

Foto: Redes sociais

Neste 5 de agosto completam-se 150 anos do nascimento de Oswaldo Cruz e 55 da instituição da data como Dia Nacional da Saúde, uma homenagem ao sanitarista que foi determinante na erradicação de epidemias no Brasil, como a febre amarela e a varíola, e que influenciou para a criação do que hoje se conhece por Fiocruz, além de ter fundado a Academia Brasileira de Ciências.

A presente distopia do Brasil inverteu as peças do tabuleiro. Diferentemente do início do século 20, quando Oswaldo Cruz tinha respaldo do governo para aplicar a ciência em favor da população, hoje o país é comandado pelo negacionismo. E setores atrasados — inclusive generais de várias estrelas —, que combatiam a obrigatoriedade de vacinação proposta pelo médico, atualmente são protagonistas no Palácio do Planalto.

Uma das traduções do atraso são os cortes sucessivos e recordistas no orçamento da Saúde. Recente balanço do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), chamado “A conta do Desmonte”, mostra que, tirando os recursos especiais para o combate à Covid-19, o setor perdeu R$ 10 bilhões em termos reais entre 2019 e 2021. Até mesmo os recursos para enfrentar a doença caíram 79% em 2021, o pior ano da pandemia, comparativamente ao ano anterior. Mas como nesse governo tudo pode piorar, 2022 chegou com o menor orçamento para a Saúde em 10 anos, R$ 164,2 bilhões, valor que caiu ainda mais devido ao bloqueio de R$ 3,2 bilhões promovido por Bolsonaro no primeiro semestre.

A redução de investimentos na Saúde pode comprometer até mesmo os Serviços da Atenção Primária, considerada a principal porta de entrada para o Sistema Único de Saúde (SUS). A análise, feita a partir do Orçamento Geral da União, é do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS). Parte importante dessa engenharia reversa foi montada no governo Temer. Foi a Emenda Constitucional (EC) 95/2016 que fixou o teto de gastos no poder público. Em razão dela, o financiamento da Saúde no país perdeu R$ 36,9 bilhões entre 2018 e 2022.

A Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres) defende a urgente revogação da chamada regra de ouro, eufemismo da EC 95 para o mecanismo que estrangula políticas sociais. Diferentemente de outros países, que decidiram reagir à pandemia aumentando o investimento no setor, o Brasil vem desvinculando esses recursos, ano a ano. Além do teto de gastos, a aprovação de outra Emenda Constitucional (EC 109/2021), contra o voto do PT, fez com que royalties do petróleo, que deveriam ir para a Saúde e outras áreas sociais, fossem utilizados para a amortização da dívida pública. Com isso, estima-se uma perda de outros R$ 11 bilhões para o SUS.

Revolução na Saúde

A mudança desse curso de atrasos é defendida também pelo senador e médico Humberto Costa (PT-PE), que foi ministro da Saúde entre 2003 e 2005 e atualmente coordena a produção do programa de governo de Lula nessa área. Recuperar conquistas é uma das prioridades, garante Humberto Costa.

Foto: Alessandro Dantas

“Nossos governos sempre deram à área da saúde um papel central. Tive a honra de ter sido o primeiro ministro da Saúde do presidente Lula. E sempre ouvi dele que dinheiro para a saúde não é gasto, mas investimento. Foi nesse espírito que nossa gestão à frente da pasta criou programas exitosos como o Farmácia Popular, o Brasil Sorridente e o Samu 192, apontado por uma pesquisa realizada pela UFMG como o mais bem avaliado pela população entre todos os programas do governo federal”, relembra o senador.

O Samu, ou Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, foi criado em 2004, e, de tão popular, virou expressão corriqueira entre os brasileiros, até em brincadeiras. Mas esse serviço fala sério, e ajuda nas horas mais complicadas. O Samu está presente em mais de 3 mil municípios, e cobre cerca de 75% da população. Esses números são de 2016, porque após o golpe contra o governo Dilma o programa parou de ser expandido.

O Farmácia Popular, também citado por Humberto Costa, é outro divisor entre governos do PT e o pós-golpe. Criado no governo Dilma, atendeu a uma demanda urgente: financiar os remédios para o tratamento de diabetes e pressão alta, doenças que, juntas, ocasionavam mais de 60% das mortes com causas conhecidas no país. As famílias se habituaram a buscar nas farmácias, de graça, esses medicamentos, que em 2012 ganharam a companhia de remédios contra a asma, igualmente gratuitos.

Em 2016, o total de beneficiados passava de 30 milhões. E o país ainda havia economizado, porque a distribuição de remédios reduziu o número de internações, muito mais dispendiosas. Só que em 2017 o Farmácia Popular foi aniquilado, em mais um capítulo de retrocessos lamentados por Humberto Costa.

“Depois do golpe, muita coisa foi desarticulada e extinta. Figuras como Bolsonaro e Paulo Guedes só enxergam números, não enxergam pessoas às quais o Estado precisa atender. O Farmácia Popular, por exemplo, teve fechadas cerca de 400 unidades próprias, quase todas elas, de fato, e outras 1,5 mil conveniadas descredenciadas, somente pelo governo Temer. O Brasil Sorridente, que freou a perda dentária, as cáries e colocou a saúde bucal no centro da pauta, foi totalmente desarticulado”, pontua Humberto Costa.

Junto com a retomada de programas bem sucedidos, Humberto Costa se empenha em medidas para aperfeiçoar a gestão do SUS e valorizar e formar profissionais. Mas sem perder o olhar para a inovação, destaca o senador, que aposta na criação de um polo industrial para o setor.

“Vamos fazer uma revolução neste país e criar o Complexo Industrial da Saúde para restaurar o que foi destruído, avançar em novos programas e gerar empregos com esse setor estratégico e produtivo. Os brasileiros podem confiar que, muito em breve, o SUS, que mostrou sua força e sua capacidade num momento tão sensível para o país quanto foi a pandemia, será novamente um sistema de orgulho para o Brasil e de modelo para o mundo”, acentua o senador, um dos membros do PT na CPI da Covid, que no ano passado revelou ao país a radiografia de uma gestão nada saudável na Saúde.

“Um manda, o outro obedece”

Pelo menos 400 mil vidas poderiam ter sido salvas se fossem adotadas medidas sanitárias adequadas. Esta conclusão central da CPI da Covid invoca outra reflexão no Dia Nacional da Saúde, que chega no momento em que o Brasil se aproxima das 680 mil mortes pela doença. Leva o país a pensar, também, no que foi feito desde outubro do ano passado sobre o relatório final da Comissão, então aprovado pelo Senado.

A bancada do PT tem buscado responsabilizar o procurador-Geral da República, Augusto Aras, e sua vice, Lindôra Araújo, pela tentativa de blindagem do presidente da República e de seus aliados, manifesta em parecer que demorou quase 9 meses para ser publicado. No documento, a PGR pede ao Supremo Tribunal Federal (STF) o arquivamento de 7 das 10 apurações de crimes revelados pela CPI, o que livraria Bolsonaro de responder pela maioria dos malfeitos, entre eles epidemia com resultado morte, infração de medida sanitária, charlatanismo, emprego irregular de verba pública e prevaricação.

No mundo real, a CPI denunciou esquema de compra de vacinas superfaturadas pelo Ministério da Saúde, evitando que a negociata prosperasse; pressionou o governo a adotar calendário de vacinação; demonstrou que Bolsonaro não só incitou a população ao crime e ignorou orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), como também planejou expor os brasileiros a uma contaminação natural pelo vírus, o que é condenado pela ciência; entre outras atrocidades.

Se em 1904, durante a Revolta da Vacina, Oswaldo Cruz teve que lutar contra a imprensa e os militares de alta patente que condenavam a vacinação obrigatória, hoje, se estivesse vivo, veria a cena brasileira como num caleidoscópio: o general — Eduardo Pazuello, acusado de gestão negligente no Ministério da Saúde — deixando clara a culpa do chefe, Bolsonaro, sobre a recusa da compra de vacinas. “É simples assim: um manda, o outro obedece.”

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