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A década da mentira: como Bolsonaro transformou a desinformação em método de governo

Aos Fatos revela que ex-presidente emitiu 6.685 declarações falsas entre 2019 e 2022, estabelecendo um padrão de manipulação política que contaminou o debate brasileiro e inspirou uma geração de desinformadores

Site do PT

A década da mentira: como Bolsonaro transformou a desinformação em método de governo

Rei da mentira: Bolsonaro construiu uma indústria da desinformação para manter-se no poder

A atuação política de Jair Bolsonaro nos últimos anos transformou-o numa espécie de rei da mentira no país. Ao construir uma verdadeira indústria da desinformação, ele promoveu a decadência do ambiente político e prejudicou o debate nacional em torno de um projeto de país. A constatação se baseia na reportagem “Como a desinformação transformou o debate político brasileiro nos últimos dez anos”, do site de checagem de fake news Aos Fatos. A plataforma, que completa neste mês uma década de atuação no país, fez uma verdadeira “ressonância magnética” das mentiras de Bolsonaro, um documento essencial que traduz como ama sofisticada rede de mentiras operou e continua a operar no Brasil, ameaçando a democracia.

“Com a vitória de Bolsonaro, a mentira se tornou uma forma de governar”, publicou a plataforma, que usou um contador de alegações falsas do ex-presidente. Bolsonrao proferiu nada menos que 6.685 declarações falsas ou imprecisas entre 2019 e 2022. A mais frequente foi a de que não houve denúncia de corrupção em seu governo.

“Era a primeira vez que alguém usava de forma tão evidente a mentira como tática eleitoral e como forma de governar, algo parecido com o que acontecia nos Estados Unidos naquela época, com Donald Trump”.

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A mentira como método

A longa matéria, publicada nesta segunda-feira (7), traz uma linha do tempo que mostra como Bolsonaro fez da mentira um método para vencer as eleições e governar. Longe de ser um fenômeno espontâneo, a disseminação de notícias falsas e narrativas distorcidas foi uma estratégia deliberada para manipular o debate público, descredibilizar instituições e consolidar um projeto de poder.

Aos Fatos verificou cerca de 15 mil declarações de políticos e autoridades e cerca de quatro mil “peças de desinformação”, sendo o presidente Lula e Bolsonaro os mais citados nos conteúdos enganosos avaliados. “A desinformação eleitoral cresceu a partir de 2018, com foco nas urnas eletrônicas e no sistema de votação”, atestou a reportagem, ao enfatizar que a polarização política, mecanismo fortemente utilizado por Bolsonaro, foi o principal motor da desinformação no Brasil na última década.

A constatação partiu da análise de 167 figuras entre presidentes, governadores, prefeitos, congressistas e ministros e mais de 19 mil checagens publicadas pela plataforma, que destaca que os conteúdos virais sobre políticas e eleições representaram mais da metade de tudo o que foi verificado.

Marielle, ponto de virada

“Este trabalho documentou as transformações da desinformação no debate público do país: capazes de moldar o debate”, sentenciou Aos Fatos, que identificou o “ponto de virada” em março de 2018, após o assassinato da ex-vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco (PSOL), com uma campanha viral de descredibilização por meio de mentiras.

O contágio da desinformação após o crime foi uma amostra do que viria pela frente, nas eleições presidenciais. “Bolsonaro ascendeu nas pesquisas e redesenhou a polarização no Brasil”, destacou Aos Fatos. Seu editor-executivo, Leonardo Cazes, destacou o poder que mentiras virais têm para mobilizar e direcionar a opinião pública e enfatizou o papel fundamental que a checagem tem para enfrentar as ondas desinformativas e preservar a verdade.

Paranoia a partir da cama de hospital

Bolsonaro não só usou desinformação em sua campanha, como também alimentou a primeira grande ação desinformativa contra o sistema eleitoral brasileiro. O próprio candidato, enquanto estava internado no hospital em setembro de 2022 após a suspeita facada, incentivou a paranoia de que as eleições poderiam ser fraudadas.

Começava então uma conflagração contra as urnas eletrônicas. “Foram desmentidas 2.138 peças de desinformação eleitoral entre 2015 e junho de 2025”, informou Aos Fatos, que foi criado com o objetivo de qualificar o debate público ao desmentir e documentar as desinformações contadas por políticos.

Entre 2019 e 2022, Aos Fatos manteve no ar um contador de alegações falsas do presidente. No exercício do cargo, ele deu 6.685 declarações falsas ou imprecisas. A mais repetida foi a de que não houve qualquer denúncia de corrupção em seu governo.

Inspirado no trabalho do Washington Post, que criou um acompanhamento sistemático de checagens das declarações do então presidente Donald Trump, Aos Fatos não só copiou a ideia como transformou em referência seu rigor na apuração e acompanhamento sistemático.

Desinformadores eleitos

“Na esteira das mentiras do bolsonarismo, vários desinformadores tentaram — e conseguiram — ser eleitos para cargos públicos. Na polarização entre Bolsonaro e Lula, a verdade ficou pelo caminho”, diz a publicação, ao citar que os dois não foram só os mais checados como também foram citados mais vezes em peças de desinformação.

“Enquanto o petista é mais atacado pelas peças enganosas, Bolsonaro, em maior parte, tem suas ações infladas”, constatou a plataforma.

O trabalho de checagem detectou desde 2023 mais fraudes digitais nas redes, em que a estratégia de desinformação se aproveita de temas virais do cenário econômico ou político para extorquir ou roubar dados de vítimas.

“Páginas falsas do governo federal para distribuir benefícios, cobranças mentirosas de alguma tarifa ou taxa e até perfis forjados de crianças que pedem doações para tratar suas doenças”, informou Aos fatos, acrescentando que boa parte dos golpes têm usado vídeos gerados por IA cada vez mais sofisticados.

Lula e o PT na mira das mentiras bolsonaristas

Jair Bolsonaro foi a pessoa mais checada, com 4.851 alegações únicas. Lula foi o personagem mais citado pelas peças de desinformação, com 677 menções contra 566 de Bolsonaro. Em terceiro lugar aparecem os veículos de imprensa com 136 menções e em quarto o PT, com 105 menções. Há ainda mentiras sobre o STF e as urnas eletrônicas aparecem com 91 menções cada.

Na campanha de 2018, Aos Fatos registrou as falácias moralistas de Bolsonaro com o “kit gay” e a “mamadeira erótica” além da onda desinformativa da ação de Adélio Bispo contra Bolsonaro e do surto de Covid-19 em 2020 que “alterou o universo da desinformação”, com posts enganosos, que muitas vezes ecoavam declarações do governo Bolsonaro.

O ano com o maior volume de checagens eleitorais foi 2022, quando Aos Fatos publicou 361 desmentidos sobre o pleito presidencial que elegeu Lula. As mentiras sobre política começaram a suplantar os boatos sobre saúde ainda em 2021, ano em que os processos de Lula foram anulados pelo STF.

Naquele ano, 43% das publicações checadas já refletiam uma disputa eleitoral antecipada entre Bolsonaro e seu rival. Além das mentiras sobre urnas eletrônicas e de descredibilização de Lula em 2022, o bolsonarismo atuou com muitas informações falsas sobre o atentado golpista de 8 de janeiro.

“A prática é o critério da verdade”, disse Karl Marx e, no caso de Bolsonaro, a mentira é seu modus operandi. A pregação diuturnamente mentirosa do ex-presidente definiu seu papel, sua prática e seu descompromisso com o país, que lhe reserva não menos que a lata de lixo da história.

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