Fazendo contraponto ao editorial “’Grande’ nem sempre é ‘forte’”, do O Globo desta segunda-feira (13/05), texto que se dedica a vender a ideia de que o PT ataca a democracia e desenvolve uma política social “assistencialista” – apesar da ONU ter o modelo brasileiro como modelo -, o deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP) assina o artigo “Um modelo necessário”.
Nele, o parlamentar aponta para “os dogmas neoliberais que satanizam o Estado” e chama a atenção, dentre outros pontos, para o fato de que – mesmo depois do desastre provocado pela supremacia do neoliberalismo na economia – o que importa é a redução do Estado como indutor do crescimento econômico. O que é bom, segundo o jornal, é a liberdade absoluta para o mercado agir como bem entende, priorizando o lucro, apesar dessa lógica ter levado à crise 2008, cujo alcance e miséria produzidos já se igualam ou são maiores do que o crack da Bolsa de 1929. Justiça social e redistribuição de renda – , como são os casos dos governos Lula e Dilma.
A leitura da opinião do jornal não surpreende. Hoje, como em outros períodos marcantes da história do Brasil, o grupo econômico que o controla sempre esteve a favor dos ultraconservadores – ainda que isso significasse a tramar contra a democracia, como no caso do golpe militar de 1964, por exemplo.
A leitura dos dois textos, abaixo em suas íntegras, não deixa dúvidas.
Um modelo necessário – Ricardo Berzoini
Outra opinião
O último decênio, com o governo do PT e aliados, o Brasil alcançou outro patamar em termos de desenvolvimento econômico e social, com reduções históricas das desigualdades. A crise econômica mundial iniciada em 2008 foi pouco sentida aqui, graças à decisão de fortalecer o mercado interno e à adoção de políticas públicas que deram ao Brasil uma nova face. Para isso, o papel do Estado foi central: em vez do Estado mínimo, como apregoava o governo do PSDB de Fernando Henrique, passamos ao Estado necessário, regulador e indutor do desenvolvimento.
Os dogmas neoliberais que satanizam o Estado foram desmoralizados com a crise de 2008. Mesmo assim, seus seguidores insistem na ortodoxia econômica. Primeiro com Lula, agora com Dilma, as instituições de Estado foram reforçadas, para a execução das políticas fiscal e monetária, com o norte de planejar e induzir desenvolvimento e crescimento com justiça social. Mas a visão não é estatista. Ao contrário, o papel do setor privado pode e deve ser potencializado dentro da estratégia do poder público.
É graças ao resgate do papel do Estado que o Brasil virou referência mundial em redução da pobreza e da desigualdade. O modelo neoliberal anterior ignorava a miséria secular de nosso povo, tratando parte dele como excluída da renda e das oportunidades. Acorrentava na condição de pobreza absoluta 45 entre cada cem brasileiros. E nos colocava entre os três mais elevados índices de desigualdade no mundo. Estamos mudando esse quadro, garantindo a ascensão social de 40 milhões de brasileiros e caminhando para a construção de um país de classe média.
Com a reorientação imprimida, com foco nos interesses nacionais e reversão da rota da neocolonização neoliberal, o país entrou num ciclo virtuoso de expansão econômica. Fortalecimento do mercado doméstico, geração recorde de empregos, distribuição de renda e fomento aos investimentos. Tudo num ambiente de solidez fiscal e financeira.
Se avançamos neste decênio, foi graças ao rompimento com o receituário do Consenso de Washington, que impôs aos seus seguidores locais a subordinação de nossos interesses aos ditames estrangeiros. Um modelo que apequenou o país e que, felizmente, foi revertido nos governos petistas. Com o fortalecimento do Estado, nosso povo tornou-se protagonista e beneficiário das mudanças.
Já se foi o tempo em que crises externas geravam desequilíbrios no balanço de pagamentos, na dívida pública e no risco-país, inibindo investimentos e travando o crescimento. Nestes dez anos, a inflação média anual passou de 15% para menos de 5%, a dívida pública comparada ao PIB foi reduzida à metade, as exportações quintuplicaram, o crescimento dobrou em relação às décadas anteriores. Resgatamos os serviços públicos, implementamos políticas sociais e outras medidas que revolucionam o Brasil. Nada seria possível se o Estado não fosse instrumento dessas mudanças.
‘Grande’ nem sempre é ‘forte’
Nossa opinião
Os petistas souberam politizar, com objetivos eleitorais, a questão da participação do Estado na economia. Nos embates com a oposição do PSDB e seus candidatos, conseguiram, até por incompetência destes, passar a ideia de que são defensores do “patrimônio público”, enquanto todos os que se opõem a eles não passam de vendilhões do templo. O reducionismo eleitoreiro funcionou muito bem na reeleição de Lula, em 2006, e, volta e meia, serve de arma em debates políticos. Essa postura cai bem num partido que carrega o DNA da esquerda tradicional, cuja visão de mundo continua a defender um Estado forte, tutor da sociedade, sabedor do que é o melhor para as pessoas e o país. Um Estado intervencionista ao extremo. Não estranha, portanto, que avanços conseguidos nestes 10 anos de PT no poder sejam creditados à ação do Estado. Outro reducionismo.
Na verdade, tucanos e petistas são galhos da mesma árvore ideológica da esquerda, mas com diferenças de fundo quando se trata do entendimento do que deve ser a democracia. Os tucanos, plasmados pela social-democracia europeia, não atacam a democracia representativa, têm um projeto menos intervencionista, mas também nele o Estado não ocupa papel secundário. Tanto que o aumento avassalador da carga tributária nos últimos 16 anos – cerca de dez pontos percentuais de PIB – inicia-se no primeiro governo FH. Com Lula, o processo foi mantido, e, de fato, o Estado passou a ocupar uma posição mais central. Principalmente na área social. Programas de transferência de renda herdados da fase tucana – gás subsidiado, filhos na escola como contrapartida de uma bolsa financeira – foram reunidos em um único programa, o Bolsa Família, hoje um enorme guichê de distribuição de R$ 24 bilhões anuais a, direta e indiretamente, 50 milhões de pessoas.
Num segundo momento, aumentou a ingerência do Estado na economia. A crise mundial, cujo estopim foi o estouro de uma bolha financeira imobiliária nos Estados Unidos, em 2008, serviu de pretexto para o aprofundamento de um projeto estatista que restabeleceu no BNDES uma política de “escolha” de “campeões” por setores, no estilo da utilizada – também sem sucesso – na ditadura militar pelo governo do presidente Ernesto Geisel.
Pouco antes, com a descoberta do pré-sal, a mesma ideologia inspirou o estabelecimento do monopólio da Petrobras na operação nessa nova área e a participação cativa em 30% de todos os consórcios que venham a atuar nessa fronteira de exploração. É quase certo que a estatal não terá condições financeiras de atuar dessa forma no pré-sal, por ter sido desestabilizada financeiramente por uma gestão de inspiração sindical.
Se o discurso estatista continua, na prática o governo Dilma, às voltas com a inflação e baixo crescimento, precisa atrair capitais privados para investir na carente infraestrutura do país, na qual um Estado assoberbado com despesas primárias – funcionalismo, previdência, assistencialismo – não tem mais condições de atuar. O estatismo enfraqueceu o Estado brasileiro. Confundiram Estado grande com Estado forte.