Comissão da Verdade: torturas começaram em 1964, antes do AI-5

Em balanço divulgado hoje, Comissão da
Verdade diz que ainda há muito o quê fazer

A Comissão Nacional da Verdade apresentou nesta terça-feira (21) um balanço do seu primeiro ano de atividades. “Estamos fazendo um informe de progressos. Este não é o nosso relatório”, alertou o coordenador da CNV, Paulo Sergio Pinheiro, lembrando que ainda há muito o quê avançar na apuração dos fatos envolvendo os 400 desaparecidos políticos durante a ditadura, além dos inúmeros casos de torturas e perseguições.

Pinheiro  revelou que os documentos analisados até agora permitem confirmar que a tortura ocorria desde 1964, logo após implantação do golpe militar, e não a partir de 1968 com o Ato Institucional-5 (AI-5). “Desde 64 ocorriam torturas. E não de 1968. Não se enganem”.

A Comissão da Verdade confirmou que fará a exumação dos restos do presidente João Goulart, deposto pelo golpe de 1964. No próximo dia 29/05, uma reunião irá tratar dos procedimentos dessa exumação, que será realizada por peritos brasileiros e estrangeiros. Segundo Rosa Cardoso, integrante da CNV, laudos anteriores apontam para a possibilidade de que mesmo esse trabalho não consiga encontrar indícios do envenenamento de Jango, pelo tempo decorrido desde sua morte.

Ocultação de documentos

Outro ponto de destaque na apresentação foi a confirmação da ocultação de documentos por parte da Marinha, que teria cerca de 12 mil páginas a respeito de torturas, mortes e outras violações de direitos humanos praticada contra opositores do regime militar. A comissão também mostrou 12 casos de pessoas que, segundo documentos da Marinha do Brasil, com data de 1972, já estavam mortas. Essas informações foram cruzadas com informações prestadas pela própria Marinha em 1993 — já no período democrático, durante o governo Itamar Franco — e as mesmas pessoas não aparecem como mortas, mas como desaparecidas ou presas.

Entre esses documentos está um comunicado do Cenimar (órgão de repressão política montado pela Marinha durante a ditadura) reconhecendo a morte do ex-deputado Rubem Paiva.  

Paiva desapareceu em dezembro de 1971, após apresentar-se para prestar depoimento no Doi-Codi, outro órgão da repressão. A versão das Forças Armadas é que o ex-deputado estaria “foragido”, informação que foi formalmente apresentada em 1993 ao então presidente da República Itamar Franco. Integrantes da CNV e representantes da sociedade civil chamaram a atenção para a gravidade da ocultação da morte de Paiva, comprovadamente já reconhecida pela Marinha desde 1972, do presidente e comandante em chefe das Forças Armadas, em plena vigência do Estado de Direito.

Criada pela presidenta da República Dilma Rousseff para apurar violações de direitos humanos no contexto da ditadura militar, a Comissão Nacional da Verdade completou um ano de instalação na última quinta-feira (16). Recentemente, os membros da comissão apresentaram à Dilma um balanço das atividades do grupo e as demandas da sociedade civil para que os trabalhos sejam prorrogados por seis meses. O decreto de criação do grupo prevê a conclusão das atividades em maio de 2014, mantendo-se o prazo atual, a comissão teria apenas mais seis meses de investigação, pois a previsão é que a fase de elaboração do relatório dure um semestre.

Questionados sobre o papel que Dilma poderá desempenhar, como chefe das Forças Armadas, para vencer as resistências militares frente à revelação de informações, a integrante Rosa Cardoso afirmou que a CNV não vai antecipar suas estratégias de apuração.

Balanço

Até o momento, 268 depoimentos (de vítimas, testemunhas e agentes da repressão da ditadura civil-militar de 1964 a 1985) foram tomados no primeiro ano de atividades. Paulo Sergio Pinheiro informou que a CNV deverá realizar diligências regionais, centralizadas em algumas capitais, como forma de chegar mais perto de vítimas e familiares de vítimas da repressão, como forma de colher seus testemunhos.

Até o momento, a comissão já promoveu 15 audiências públicas e uma tomada pública de depoimentos do vereador de São Paulo Gilberto Natalini (PV-SP) e de agentes da repressão, em que foram ouvidos Marival Chaves e Carlos Brilhante Ustra. A Anistia Internacional, entidade reconhecida internacionalmente por atuar na defesa dos direitos humanos, sugeriu à comissão uma sessão pública para tomar o depoimento da presidenta Dilma.

Entre os avanços da Comissão da Verdade estão as investigações sobre o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, a correção do atestado de óbito do jornalista Vladimir Herzog e as investigações sobre a morte do ex-presidente João Goulart, a Operação Condor e sobre as violações de direitos cometidas contra os índios durante a ditadura militar.

Lei Anistia

A Lei de Anistia causa preocupações e debates na Comissão da Verdade. Ganha corpo entre seus integrantes a ideia de que o relatório final da comissão, a ser divulgado no segundo semestre de 2014, deve recomendar a revisão da interpretação legal em vigor e a responsabilização penal de agentes de Estado que cometeram graves violações de direitos humanos no período da ditadura militar.

Atualmente, eles não podem ser responsabilizados pelos crimes que estão sendo apurados pela comissão. Integrantes que defendem a recomendação da mudança argumentam que a lei que criou o grupo, em 2011, incluiu entre suas tarefas sugerir ao Estado brasileiro medidas eficazes para que as violações não se repitam.

Uma dessas medidas seria o julgamento de militares e policiais envolvidos em casos de sequestro, tortura, ocultação de cadáveres e outros crimes na ditadura.

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