Veja os principais pontos da sabatina de Luís Barroso

Sobre o julgamento do mensalão, Barroso
afirmou que foi “um ponto fora da curva,
no que diz respeito à jurisprudência da Corte”

O advogado constitucionalista Luís Roberto Barroso foi sabatinado nesta quarta-feira (5) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

Nessas mais de seis horas de arguição, Barroso tratou de reforma política, da interferência do Judiciário na atuação do Legislativo, do julgamento do mensalão e de uma série de outros temas, preservando-se, apenas, de opinar sobre o mérito de questões que poderá vir a julgar, caso seja confirmado como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), pois uma manifestação fora dos autos dos processos o impediriam de participar dos julgamentos.

 

Veja algumas das manifestações de Luís Roberto Barroso:

Cláusulas pétreas
Barroso defende “parcimônia” para se tratar aspectos da lei como cláusulas pétreas (imutáveis). Ele não quis adiantar se considera que a maioridade penal aos 18 anos, como estabelece a legislação seria uma cláusula pétrea, como advogam algumas correntes, pois essa pode ser uma questão a ser decidida pelo STF, mas lembrou que o conceito é “claramente antimajoritário”, ou seja, a cláusula pétrea é definida “pela maioria de hoje” para tolher a ação “das maiorias de amanhã”, portanto, deve ser aplicado com parcimônia.

União Homoafetiva
Barroso afirma que advogou em favor do reconhecimento da união civil homoafetiva por concordar com a tese. “Patrocinei a causa porque acreditava nela”. E destacou que a tendência dos processos políticos majoritários, como o que se desenvolve no Congresso, é não contemplar os interesses das minorias. “Os segmentos minoritários, em geral, avançam na conquista de seus direitos com a mobilização nas ruas e no Judiciário”. A tendência do Legislativo é não acolher causas minoritárias, que ficam desprotegidas. Ele citou a decisão da Suprema Corte Norte-Americana que revogou a segregação racial no sistema educacional daquele país, lembrando que dificilmente o Congresso dos EUA, como espaço dominado pelas maiorias, dificilmente aprovaria uma lei nesse sentido.

O sistema penal brasileiro
Barroso afirmou, em diversos momentos da sabatina, que se estivesse começando agora sua carreira, provavelmente se dedicasse ao Direito Penal, área que, acredita, é a que mais reclama “uma arrumação”. Ele acredita que, à exceção dos crimes violentos, o Brasil deveria punir os delitos por meio da prisão domiciliar “monitorada, muito bem monitorada”.

O jurista defende que o combate á criminalidade deva se basear em três pilares: a melhoria da qualidade de vida da população — “Em todos os países capitalistas, a criminalidade caiu com o aumento da renda e das condições de vida” —, a “repressão civilizada” e a punição. Ele sustenta, porém que especialmente a porta de entrada do sistema, a polícia que investiga, e a porta de saída, o sistema carcerário, estão em situação precária.

Para Barroso, especialmente num país onde a maioria da população é pobre, é fundamental ser moderado, embora efetivo, na punição dos crimes, para não acabar por criminalizar a pobreza. Ele se declarou contra a exacerbação penal—aumento de penas, por exemplo—e destacou que, embora a sociedade brasileira tenha um aprofunda sensação de que impera a impunidade, o Brasil tem a terceira ou quarta população carcerária do planeta.

PEC 37
O jurista foi questionado sobre sua opinião sobre a Proposta de Emenda Constitucional que pretende estabelecer a investigação criminal como atribuição exclusiva das polícias, vedando a atuação do Ministério Público nessa área. Barroso afirmou que “a investigação conduzida pelo Ministério Público pode ser importante, em certos casos, mas não deve ser a regra, deve ser a exceção”.

Liberdade de imprensa e expressão
“Sou de uma geração que sofreu com a falta dessas liberdades e tendo a defendê-las da forma mais ampla e profunda possível”, afirmou Barroso. “Para mim, a melhor maneira de ampliar essa liberdade é dar voz a todos, garantir o máximo de pluralidade”. Ele ressalvou, porém, a necessidade de se assegurar o direito de resposta e da reparação, em caso de abusos. 

Mensalão
Provocado por senadores da oposição, Barroso reafirmou seu entendimento de que o STF contrariou uma série de precedentes no julgamento da Ação penal 470, sobre o chamado “mensalão”. “Estudei a jurisprudência da Corte, sob a impressão inicial de que o Supremo tivesse vindo num processo gradual de endurecimento, até chegar ao mensalão. Terminei esse estudo convencido de que não foi assim. O STF só endureceu seus entendimentos no julgamento dessa ação. O julgamento do mensalão foi um ponto fora da curva, no que diz respeito à jurisprudência da Corte”.

Sobre a perda de mandatos dos condenados, Barroso preferiu não manifestar uma opinião de mérito, já que poderá ter que julgar a questão, mas lembrou que há dois dispositivos constitucionais, cada um contemplando uma tese. Por um lado, a Constituição aponta como uma das circunstâncias para perda do mandato parlamentar a condenação criminal, com trânsito em julgado, “portanto, automática e sem necessidade de ser referendada”. Já outro dispositivo constitucional determina que a perda do mandato deve passar pelo crivo da Casa Legislativa.

Royalties
Barroso lembrou que quando a questão for novamente apreciada no STF, ele estará impedido de julgar, por ter atuado como advogado do estado do Rio de Janeiro na ação que suspendeu a aplicação da lei que estabelece os novos critérios de partilha dos recursos oriundos dos royalties do petróleo. “Como estou impedido, vou poupá-los de meu proselitismo a favor da posição que patrocinei”. Ele, porém, reconhece que do ponto de vista político, essa é uma causa na qual “os dois lados têm razão”, embora ressalve que, do ponto de vista jurídico, considera que a posição do Rio de Janeiro e demais estados chamados “produtores” têm argumentos jurídicos mais consistentes. 

Césare Battisti
Um dos casos de grande repercussão no qual Barroso atuou foi no processo de concessão de refúgio — e consequente recusa à extradição reivindicada pela Itália —do militante Césare Batistti, condenado naquele país por envolvimento em ações armadas das Brigadas Vermelhas. 

Questionado por sua decisão de defender a causa de Battisti no Supremo, Barroso respondeu com tranqüilidade. Lembrou que a concessão de refúgio é prerrogativa do Executivo, por meio do ministro da Justiça e sujeito a confirmação do presidente da República. Portanto, uma decisão sobre a qual não caberia recurso à Justiça. “Na medida em que se concedeu o asilo, deixa de ser uma questão penal e passa a ser uma questão de Direitos Humanos, uma decisão política”.

Barroso lembrou que foi “enxovalhado” por advogar para Battisti, mas afirma que não se arrepende. “Fiz e faria de novo. Estive do lado que queria estar”, garantiu, condenando o que considera uma tentativa de concentrar todo um acerto de contas com o passado numa única pessoa, com atuação secundária numa organização política já derrotada, por fatos ocorridos num contexto histórico específico.

Também lembrou que Battisti foi julgado e absolvido na Itália por sua suposta participação nos quatro assassinatos que ensejaram o pedido de extradição. Posteriormente, os condenados por esses crimes, já presos, sob o recurso da delação premiada, acusaram Battisti, já refugiado na França, de ser o autor dos crimes e puderam deixar a prisão. O advogado ressaltou, ainda, que o pedido de extradição de Battisti foi usado pelo governo Berlusconi, desgastado por inúmeras denúncias de corrupção e escândalos sexuais, de unificar a opinião pública e, torno do caso.

“Mas o fundamental, em tudo isso, é que a concessão do refúgio a Césare foi um ato de soberania do Estado brasileiro, com a qual se poderia discordar, mas diante do qual não caberia questionamento. O Supremo extrapolou em sindicar esse ato”.

Estado X Religião
“Religião é um espaço da vida privada. Entendo que o Estado democrático e republicano é o Estado laico. Todas as doutrinas religiosas devem ter o direito de pregar seus dogmas e pontos de vista e cabe ao Estado deve tolerar e respeitar todas as religiões, sem promover ou favorecer nenhuma”.

Internação compulsória
Barroso afirmou que não conhece a questão a fundo, mas, em princípio, defende que o estado respeite o livre arbítrio de cada indivíduo. Ele ressalvou, porém, que o Estado também tem a responsabilidade de proteger o cidadão e pode adotar, com moderação, medidas para proteger uma pessoa até de si mesma. “Do mesmo jeito que há leis obrigando motociclistas a usar capacete, é possível que o estado interfira numa situação em que o indivíduo torna-se um risco para si mesmo ou para terceiros”.

Sobre sua indicação
Questionado por senadores de oposição sobre o processo que levou a sua indicação, Barroso disse que não fez campanha e que tratou da questão com apenas quatro interlocutores. Pelo ex-deputado Sigmaringa Seixas, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, soube que seu nome era um dos cotados para a vaga do ministro Ayres Brito. Depois disso, foi procurado pelo ex-secretário-geral da Casa Civil, Beto Albuquerque, que reiterou essa informação. Num contato mais formal, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, avisou-o que realmente era um dos nomes cogitados pela presidenta Dilma.

A quarta interlocutora foi exatamente a chefe do Executivo, que o convocou ao Planalto. “Passei por uma verdadeira sabatina”, revelou, ressaltando que a conversa foi “absolutamente republicana” e que Dilma não tratou de nenhuma questão que ele pudesse a vir julgar. Num segundo encontro, uma semana depois, a presidenta o recebeu brevemente para informar que iria indicá-lo.

“Mas fiquem tranqüilos, porque ninguém me pauta. Nem governo, nem imprensa, nem ninguém”, afirmou aos senadores.

Cyntia Campos

 

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