Não é de hoje que a mídia se alia aos interesses de setores que defendem interesses contrários ao Brasil – muitas vezes simplesmente repetindo a argumentação de potências estrangeiras. Agora, por exemplo, as maiores empresas de mídia do Brasil utilizam diariamente seus veículos para criticar a elevação de impostos de importação para um determinado grupo de produtos que concorrem deslealmente com os produzidos no País. Em editoriais, criticam as gestões da presidente Dilma Rousseff nas duas últimas viagens ao exterior, onde ela criticou claramente o “tsunami monetário” – ou a inundação de dinheiro que os Estados Unidos e a União Europeia, principalmente, provocam nos mercados financeiros, gerando a desvalorização de suas moedas e o barateamento artificial de seus produtos.
Neste artigo, assinado pelo consultor da Liderança do PT no Senado, Marcelo Zero, vê-se que a verdade é totalmente oposta às vozes da mídia dominante, que são cegamente repetidas pela oposição.
Os dados empregados pelo autor do artigo são da Global Trade Alert (Alerta Comércio Global), uma organização não-governamental do Reino Unido ligada ao Center for Economic Policy Research (Centro de Pesquisas de Políticas Econômicas), fundado em 1983. Trata-se de uma das mais respeitadas instituições de pesquisa do mundo, com mais de 700 pesquisadores em 98% das universidades europeias.
Brasil, Vítima do Protecionismo
Marcelo Zero
A presidenta Dilma Rousseff vem advertindo, em todos os foros globais em que participa, sobre o “tsunami monetário”, perpetrado principalmente pelos EUA e pela União Europeia, que, de um lado, dificulta as exportações do Brasil e de outros países e, por outro, facilita, de forma desleal, as exportações provenientes dessas duas potências econômicas.
Trata-se de uma nova forma de protecionismo, um protecionismo monetário, bastante eficiente e abrangente, que causa um prejuízo enorme, mas que, no entanto, não tem condenação prevista nas regras da Organização Mundial do Comércio.
Os EUA e a União Europeia, em vez de praticarem uma política fiscal expansionista, aumentando a demanda interna, distribuindo renda e dinamizando seu próprio mercado, como o Brasil vem fazendo, preferem praticar uma política monetária expansionista para dinamizar suas exportações. Com isso, exportam seus desequilíbrios internos. Querem se recuperar à custa da predação monetária dos mercados alheios.
As oposições e a imprensa conservadora normalmente ignoram esse justo reclamo do governo brasileiro e preferem defender os interesses e a visão das grandes potências econômicas ocidentais.
Isso pôde ser visto claramente agora, após crítica infundada do USTR (órgão do comércio exterior dos EUA), contra o suposto protecionismo brasileiro.
Dilma rebateu duramente essas críticas em seu discurso na ONU. A imprensa e as oposições, no entanto, preferiram se somar as críticas que os EUA fazem contra o Brasil e, agora, abraçam a tese de que o nosso país é protecionista e não vem seguindo as regras do sistema multilateral de comércio.
Pois bem, tais críticas contra o Brasil são inteiramente sem fundamento, mesmo quando não se leva em consideração o protecionismo monetário dos EUA, mas apenas as formas tradicionais de protecionismo, condenadas explicitamente nos acordos da OMC.
Relatório publicado em 2012 pela Global Trade Alert, prestigiado centro internacional de estudos sobre comércio, mencionado pela presidenta Dilma e pelo ministro Guido Mantega, mostra isso de forma cabal.
Nesse estudo, intitulado Débâcle: The 11th GTA Report on Protectionism e feito com base na avaliação de medidas supostamente protecionistas adotadas por diferentes países após novembro de 2008, ano em que a crise instalou na economia mundial, o Brasil aparece em posição confortável, bem atrás de outras nações importantes para o comércio internacional.
Os analistas da Global Trade Alert elaboraram, em seu documento, uma tabela-síntese com quatro colunas. A primeira coluna tange ao número de medidas supostamente protecionistas por país, a segunda diz respeito ao número de linhas tarifárias afetadas pelas medidas, a terceira se relaciona ao número de setores econômicos afetados e a quarta tange ao número de países afetados pelas medidas discriminatórias. O resultado está elencado no quadro a seguir.
Como se pode observar, o Brasil aparece, em último lugar, somente na primeira coluna, bem trás, por exemplo, da União Europeia, com 302 medidas discriminatórias adotadas. Nas outras colunas, o Brasil sequer aparece.
Saliente-se que as outras colunas são justamente as mais significativas e importantes, pois tangem ao número de linhas tarifárias, setores e países efetivamente afetados pelas medidas protecionistas. Assim, o que estudo está a dizer é que o Brasil, além de ter adotado um número relativamente reduzido de medidas supostamente protecionistas, implementou medidas que não tiveram um impacto significativo no comércio internacional, ao contrário do que aconteceu com as medidas implementadas pela União Europeia, China, Índia, Alemanha, Argentina etc.
O estudo destaca também que, no G20, o Brasil foi um dos países que adotou menos medidas claramente protecionistas, proporcionalmente ao número total de medidas comerciais implementadas. Isso pode ser visto nitidamente no quadro seguinte.
Como se vê, o Brasil adotou um número relativamente alto de medidas não-discriminatórias (medidas verdes-green, na classificação da Global Trade Alert), situadas na parte de cima das colunas.
Mas isso não é o mais importante. Na realidade, o que as estatísticas da Global Trade Alert mostram de forma expressiva é que o Brasil é muito mais vítima do protecionismo que seu promotor. A diferença é abissal. O Brasil adotou 54 medidas protecionistas ou supostamente protecionistas desde novembro de 2008, mas sofreu o impacto de nada menos que 292 medidas claramente discriminatórias implementadas por outros países. Lembramos, novamente, que esse relatório da Global Trade Alert se refere somente ao protecionismo tradicional e não às formas modernas do protecionismo monetário.
No que tange especificamente às críticas dos EUA, temos de dizer que eles estão reclamando de um país que está entre os que mais contribuem para a superação de sua crise. Com efeito, se analisarmos dados recentes de nosso comércio exterior com os EUA, veremos que, entre 2009 e 2011, tivemos um déficit acumulado de US$ 20,3 bilhões. Somente nos oito primeiros meses deste ano, nosso déficit comercial com os EUA já chegou a US$ 2, 7 bilhões. Somos um dos poucos países com quem os EUA têm déficit comercial significativo. Reclamam, portanto, de “cofres cheios”.
É necessário lembrar, ademais, que os EUA, embora tenham uma tarifa média de importação baixa, são extremamente protecionistas em bens e setores, nos quais o Brasil é muito competitivo, como aço, suco de laranja, etanol, carnes e frutas, etc. Nesses casos, os exportadores brasileiros têm de lutar contra uma pletora de barreiras não-tarifárias, picos tarifários e quotas, além da montanha de subsídios que os agricultores norte-americanos recebem de seu governo. Diga-se de passagem, em razão desse protecionismo deslavado, o Brasil já ganhou dos EUA em muitos painéis da OMC, como o do algodão, por exemplo. Ganhará outros mais, sem dúvida.
Não fosse esse protecionismo dos EUA, da União Europeia e de outros países, nossa participação no comércio internacional poderia ser bem maior. Participamos relativamente pouco do comércio internacional, apesar dos avanços recentes, não porque somos protecionistas, mas porque somos vítimas do protecionismo, especialmente no campo da agricultura.
Ante esse quadro, a reclamação do USTR é quase inacreditável. Agora, inacreditável mesmo é a atitude de certos setores conservadores que, ao invés de defender o País, fazem coro às críticas infundadas de países que tanto discriminam nossos produtores.