A Folha de S.Paulo traz neste sábado o texto de estreia de André Singer como novo colunista do jornal dos sábados, em substituição à senadora Marta Suplicy, que deixou de colaborar com o jornal ao tomar posse no Ministério da Cultura.
Em seu primeiro texto, “O muro passa pelo meio”, Singer analisa o mapa de votos concedidos aos candidatos do PT, Fernando Haddad, e do PSDB, José Serra, no segundo turno da disputa pela Prefeitura de São Paulo.
Uma de suas conclusões iniciais, em comparação com eleições anteriores, é a de que, pela primeira vez, o PT ganha na Capital paulista sem o apoio do PSDB, tal como ocorreu quando Luiz Erundina e Marta Suplicy conquistaram o cargo nas urnas.
Singer, analisa, então, números eleitorais das ricas regiões centrais e da pobre periferia, onde se acentuou a diferença de votos entre Haddad e Serra, lembrando passagens de seu recente livro “Os Sentidos do Lulismo – Reforma gradual e pacto conservador”, da editora Companhia das Letras – obra de leitura imprescindível para se compreender os resultados da eleição presidencial de 2010 e das recentes eleições municipais.
Ex-porta-voz do ex-presidente Lula, durante o primeiro mandato, André Singer é Professor do Departamento de Ciência Política da USP, tem como vantagem adicional – na comparação com outros autores – o fato de ter convivido com o exercício do poder pelo PT no Palácio do Planalto. Nem por isso, seu livro é parcial ou partidário. Pelo contrário: seus argumentos vêm sempre sustentados por números oficiais que espelham a revolução pacífica que o governo Lula promoveu ao retirar da situação de miséria mais de 40 milhões de brasileiros.
No artigo para a Folha, ele antecipa algumas das prioridades de Fernando Haddad no comando da maior cidade do País e sinaliza para as mudanças que a futura administração petista terá de adotar para enfatizar a mudança que o PT busca para renovar-se e manter firme sua relação com o eleitorado.
Leia, abaixo, a íntegra do artigo:
O muro passa pelo meio – Folha de S.Paulo – 10/11/2012
Com a eleição de Fernando Haddad, pela primeira vez o PT ganhou em São Paulo sem o apoio do PSDB.
Em 1988, antes da regra de maioria absoluta, quando ficou claro que Erundina tinha a maior chance de derrotar Maluf, a base social tucana garantiu-lhe os votos necessários para que chegasse à prefeitura. Em 2000, Marta superou outra vez Maluf com o apoio de Covas. Agora, o PT alcança o governo municipal contra a vontade dos peessedebistas, reproduzindo na cidade, com uma década de atraso, a experiência nacional.
Isso aconteceu, sobretudo, porque, no segundo turno, o petista teve sucesso na penúltima periferia, levando vantagem de 30 pontos percentuais num bairro como Itaquera, onde Gilberto Kassab tivera maioria em 2008. Além do mais, o PT diminuiu a superioridade do PSDB no centro expandido, chegando a superá-lo em Santa Ifigênia, o que não acontecia havia 12 anos.
Os redutos, entretanto, continuaram fechados em torno das respectivas siglas. Jardim Paulista e Indianópolis, no perímetro central, deram 50 pontos a mais para o PSDB. Já em Parelheiros e Cidade Tiradentes, na extrema periferia, houve 60 pontos a favor do PT. No atual alinhamento, são as regiões intermediárias que decidem o pleito paulistano, funcionando como pêndulo.
É sobre tal setor mediano que passa o muro da vergonha, mencionado por Haddad no discurso da vitória. Para diminuir o fosso entre a metrópole rica e a pobre, será preciso obter o consenso dos que estão no meio, pois deles dependerá a reeleição.
Eis o motivo de falar-se no PT que a gestão Haddad será um laboratório de programas para os que ascenderam na última década, saindo da pobreza medida pela renda para uma condição intermediária. Daí também a insistência do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na necessidade de o PSDB ter uma mensagem para os emergentes. Em São Paulo, eles são decisivos na disputa entre PT e PSDB e talvez em breve o sejam no Brasil inteiro.
Do ponto de vista político, parece um erro pensar que se trata de nova classe média. Configura-se mais como um novel proletariado, que deve ter a cara do capitalismo lulista. Mas, como esta ainda não ficou clara, tampouco é nítido o perfil dos seus membros. Serão jovens assalariados que caminham para os sindicatos ou microempreendedores interessados em diminuir os impostos?
O lulismo já descobriu o caminho para beneficiar os mais pobres. Mas, desta feita, será necessário desenhar políticas capazes de dialogar com o Brasil que o próprio lulismo está gerando e cujos contornos ninguém conhece muito bem.
ANDRÉ SINGER, professor do Departamento de Ciência Política da USP, passa a escrever aos sábados nesta coluna.
Link para o texto original
O muro passa pelo meio – Folha de S.Paulo