Apenas as violações aos direitos humanos praticadas pelos agentes do Estado ou a serviço deles serão investigadas pela Comissão Nacional da Verdade. A decisão é parte da resolução número 2, publicada na edição desta segunda-feira (18/09) do Diário Oficial da União e põe fim a uma das principais polêmicas em torno do que deveria ser tratado no âmbito da comissão. Segundo o que ficou estabelecido, o grupo elucidará abusos (como assassinatos, torturas e desaparecimentos) praticados “por agentes públicos, pessoas a seu serviço, com apoio ou no interesse do Estado”.
Está encerrada, portanto, a possibilidade de eventuais apurações de atos de militantes de esquerda que praticaram sequestros e atentados durante a ditadura militar (1964-1985). Também ficam excluídos dos trabalhos do grupo a investigação dos “justiçamentos” – julgamentos e execuções de integrantes de grupos armados, suspeitos de delação, pelos próprios resistentes ao regime.
Os membros da Comissão da Verdade, no mesmo documento, resolvem também que as atribuições da Comissão não incluem o reexame de decisões relativas a reparações econômicas estabelecidas pela Comissão da Anistia ou pela Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.
Membros da Comissão, em diversas entrevistas e atos públicos, já haviam expressado o entendimento que consta na resolução. A publicação do documento, porém dá contornos definitivos ao tema e permite à Comissão centrar-se no trabalho de pesquisa, já subdividido em diversos grupos temáticos, que tratam, justamente, de violações de direitos humanos praticadas pelo Estado e seus representantes no período abrangido pelo mandato da CNV (1946-1988).
Segundo Cláudio Fonteles, membro da Comissão, “a criação da CNV pela Lei nº 12528/2011 encerra o ciclo iniciado com a promulgação da Lei nº 9140/1995, que afirma que o Estado brasileiro, por seus agentes públicos, cometeu graves violações de direitos humanos, que se constituíram em condutas de torturar, assassinar, fazer desaparecer quem quer que, por razões políticas, se opusesse ao sistema ditatorial”.
Na avaliação do ex-procurador-geral da República “fica claro, portanto, que a CNV não tem atribuições legais para investigar condutas de pessoas, que não são agentes públicos ou a serviço do Estado. Devemos, pois, todos respeitarmos os parâmetros legais. Esse é um dos fundamentos básicos da Democracia”, arrematou. “Um dos focos primordiais da comissão da verdade é apurar graves violações de Direitos Humanos e estas são aquelas praticadas por agentes do Estado”, afirmou o coordenador da Comissão, ministro Gilson Dipp.
Bases jurídicas
Segundo o entendimento da Comissão Nacional da Verdade, a resolução da CNV se baseia em quatro pilares jurídicos: o conceito de graves violações de direitos humanos previsto no direito internacional, a lei 12.528, que criou o colegiado; o artigo 8º das Disposições Transitórias da Constituição e a lei 9.140/1995.
A lei nº 9.140 reconhece “como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por este motivo, tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja notícias”.
A mesma lei também reconhece as vítimas de repressão policial sofrida em manifestações públicas ou em conflitos armados com agentes do poder público e as que tenham falecido em decorrência de suicídio praticado na iminência de serem presas ou por sequelas psicológicas advindas da tortura (art. 4º).
Dois lados
O texto da lei que criou a comissão não era preciso sobre a área de alcance das investigações, o que gerou especulações de que a esquerda poderia sim ser alvo da comissão. Os militares que não aceitam a criação da Comissão da Verdade argumentam que a investigação sobre a esquerda armada indicaria a neutralidade do trabalho. Para ex-militantes e seus familiares, ela seria desnecessária, uma vez que os integrantes da resistência foram processados e punidos já à época da ditadura.
Desde o início, porém, apesar de declarações de alguns membros do colegiado, a tendência era que só os agentes públicos fossem investigados.
A comissão tem realizado audiências públicas pelo País, com a participação de parentes de mortos e desaparecidos durante a ditadura, e firmado parcerias com órgãos do governo. No entanto, ainda não foi estabelecido um cronograma de depoimentos. O grupo tem até 2014 para entregar um relatório final.
Com informações da assessoria de imprensa da Comissão Nacional da Verdade e de agências onlines
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