Na semana passada, abrimos neste Plenário a discussão sobre a necessidade de firmarmos no País um novo Pacto Federativo que consiga atender aos interesses não apenas da União, mas também, e de forma muito especial, dos Estados e Municípios.
O sistema tributário nacional e a forma como são distribuídos os recursos arrecadados dos contribuintes faz do Brasil mais um Estado unitário do que uma Federação.
Isso fica claro na proporção em que é distribuído o bolo tributário: quase 60% dos recursos ficam com a União, cabendo aos Estados 25% e aos Municípios os 15% restantes.
Essa capenga distribuição dos recursos é o primeiro fator que investe contra o nosso sistema federativo, o qual preconiza no texto constitucional autonomia para todos os seus entes.
Como não existe autonomia sem autossuficiência financeira, a federação se despedaça e fica a mercê de um governo central forte que tudo pode e se sobrepõe aos demais níveis governamentais.
No caso brasileiro isso não vem de hoje. Não é invenção dos governos do Partido dos Trabalhadores, mas algo suprapartidário que faz com que quem chegue ao Governo não queira renunciar às suas receitas.
Essa concentração de recursos que fortalece o poder central e enfraquece os Estados e Municípios é a mesma que protela há anos, quiçá décadas, a sempre reivindicada, prometida e nunca realizada reforma tributária.
A ausência da reforma tributária, por sua vez, compromete a formação do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), devido à falta de clareza quanto à cesta de tributos que os compõem.
O mesmo podemos dizer sobre a partilha desses Fundos. Critérios que eu classificaria de flutuantes, como o que vincula a partilha ao número de habitantes, por exemplo, têm causado verdadeiros vendavais nas contas públicas dos entes federativos, particularmente dos Municípios.
Essas distorções levaram e continuam levando Estados e Municípios a um verdadeiro “salve-se quem puder”, com iniciativas tributárias na maior das vezes com questionamentos constitucionais e que se converteram na conhecida “guerra fiscal”.
Na recente discussão da repartição dos royalties sobre a extração do petróleo na plataforma continental estivemos à beira de um confronto entre os entes federativos. E apesar da solução legislativa encontrada, não estamos livres de uma demanda judicial junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A Suprema Corte se debruça agora no exame do acordo firmado por 19 Estados e o Distrito Federal no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para permitir a cobrança de um adicional do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) no comércio eletrônico.
Por esse acordo, firmado em abril deste ano, no Rio de Janeiro, Estados do Sul ou Sudeste, à exceção do Espírito Santo, as empresas que vendem mercadorias pela internet devem recolher um adicional de 10% de ICMS para o Estado destinatário do produto.
Se a mercadoria sai do Nordeste, do Norte, do Centro- Oeste ou do Espírito Santo, a alíquota cai para 5%. Mas as empresas não deixam de recolher o imposto cheio para o Estado de origem da mercadoria.
Ocorre que algumas empresas, para não onerar ainda mais os preços das suas mercadorias, conseguiram liminares na Justiça liberando-as do recolhimento do adicional do ICMS acordado entre os Estados.
Essas liminares estão impactando as receitas do Maranhão e de Goiás, conforme alegam os governo estaduais, mas o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, exige que os Estados provem de “forma inequívoca e concreta” a ocorrência da lesão aos cofres públicos.
Esse entendimento do presidente do STF, expresso em liminar, tende a ser acompanhado pelos demais ministros da Suprema Corte, denotando, mais uma vez, que a ausência de regras tributárias claras acaba prejudicando o ente mais fraco da Federação.
A questão do e-commerce não é um fato isolado. Estamos diante de outro problema tributário, já apelidado de “guerra dos portos”, que, neste caso, tira o sono de empresários e do governo central.
São os incentivos tributários dados por Estados a produtos importados, usados para incrementar as atividades em seus portos.
Os Estados portuários renunciam a uma parcela do seu ICMS para baratear os produtos que ingressam em seus territórios, mas com isso criam uma competição desigual com os produtos nacionais.
Por isso, em reunião extraordinária do Confaz, realizada em Brasília na última quinta-feira, quando voltaram a debater essa questão dos portos, os secretários estaduais da Fazenda avaliaram que os incentivos portuários não podem ficar limitados a produtos importados, mas estendidos também aos nacionais.
Embora agradasse aos empresários, esse diagnóstico não foi bem recebido pelo governo central, pois levaria a uma discussão sobre perdas e ganhos dos Estados que poderia desembocar na necessidade de compensações pagas pela União.
Essas questões que trago a esta Tribuna deixam claro o quadro de insegurança tributária que caracteriza hoje a Federação brasileira. E seu efeito dominó acaba batendo na cabeça do elo mais fraco da corrente, que é o Município.
O constituinte de 1988, já foi por demais repetido, transferiu aos Municípios uma série de competências que antes eram dos Estados e da União, sem lhes repassar os correspondentes recursos.
É no Município que o cidadão vive, trabalha, se aposenta, busca educação, saúde, segurança pública, lazer, mas sem a necessária receita esse ente federativo não está preparado para atender essas demandas.
Temos pela frente a necessidade, que hoje já se transforma em desafio, devido à exigüidade de tempo, de apresentarmos um novo texto para o FPM até o dia 31 de dezembro de 2012.
As eleições municipais que se aproximam, chegam à boa hora. Elas devem nortear os parlamentares na busca de um novo Pacto Federativo que privilegie a busca do bem-estar dos munícipes.
Por isso esse debate está cada vez mais atual, cada vez mais necessário, e deve ser travado no âmbito da Comissão de Economia do Senado.
É aqui, na Casa da Federação, que devemos definir a origem dos recursos, eventuais incentivos, e a divisão do bolo tributário com os entes federativos, observadas proporcionalmente as demandas de serviços públicos na União, nos Estados e nos Municípios.
É preciso um cuidado especial com a concessão de incentivos. Se o imposto deve ter por natureza uma função social, sua renúncia mais ainda.
Ela deve ser criteriosa para não prejudicar as receitas municipais e sempre condicionada a investimentos em educação e no desenvolvimento científico e tecnológico. Neste caso, sua função social será perene.
Muito obrigado.