O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco/PT – PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, expectadores da
Refiro-me às dificuldades encontradas pelo sistema de saúde brasileiro em relação aos profissionais de saúde, em especial os médicos.
As entidades médicas afirmam que não há falta de profissionais no Brasil, que há apenas irregularidade na distribuição.
Permita-me, Sr. Presidente, discordar dessa assertiva. Acho que convivemos também com a falta de profissionais de saúde, em especial de médicos.
A pesquisa Demografia Médica no Brasil – estudo muito interessante elaborado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CRMESP) – mostra que o Brasil tem a quinta maior população de médicos do planeta (em números absolutos), atrás somente da China, dos Estados Unidos, da Índia e da Rússia. Graças ao país continental em que vivemos, temos um retrato triste quanto à distribuição dos médicos pelas regiões, Estados e até Municípios.
De acordo com a pesquisa, 20 capitais brasileiras têm mais de 1,95 médicos por 1.000 habitantes, número que corresponde à média brasileira; Vitória, por exemplo, tem 10,41 médicos por 1.000 habitantes, enquanto Recife tem 5,46. Em contrapartida, os habitantes de 22 Unidades da Federação dispõem de menos médicos que a média nacional – algumas situações são comparáveis à de países africanos.
Os brasileiros residentes nas regiões Sul e Sudeste contam, em média, com duas vezes mais médicos que aqueles das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, excluindo-se o Distrito Federal. E é justamente nos Estados dessas três regiões que é maior a dependência de profissionais médicos da rede pública.
Ao mesmo tempo, a oferta de médicos é duas vezes maior em qualquer capital do País do que no interior dos Estados. Portanto, a diferença no número de médicos entre o interior de um Estado pobre e a capital do Sul e Sudeste é de, no mínimo, quatro vezes.
Convivemos, portanto, com dois Brasis: um, de perfil africano e, outro, de perfil europeu.
Vejam a gravidade desse problema: segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os países onde a população tem menos médicos à sua disposição apresentam os piores indicadores de saúde, as maiores taxas de mortalidade infantil e materna e a menor expectativa de vida ao nascer. Assim, seus IDHs são os mais baixos.
Essa má distribuição de profissionais também se dá na relação público-privada. De acordo com a mesma pesquisa, a população coberta por planos e seguros de saúde privados tem à disposição quatro vezes mais médicos do que os usuários do Sistema Único de Saúde. O Brasil enfrenta também uma desigualdade social entre aqueles que podem pagar por um plano de saúde privado e os cidadãos que dependem do SUS.
Por isso, proponho aqui uma regulação estatal tanto no processo de formação quanto na distribuição geográfica dos profissionais. Faço assim na intenção de resolver a má distribuição e a falta de médicos no Brasil, muito embora os médicos não sejam os responsáveis por esse quadro.
A primeira posição é de que ocorra a abertura de novos cursos de medicina, prioritário e especialmente em faculdades públicas. Esses novos cursos devem ser abertos nos lugares onde há maior escassez de profissionais. E por que também não aprovarmos o serviço civil obrigatório para todos os profissionais de saúde, inclusive os médicos, formados em universidades públicas?
Nada mais justo que esses profissionais prestem serviço, depois de formados, por pelo menos dois anos, em localidades onde há escassez de profissionais, recebendo salários compatíveis e podendo se tornar especialistas em saúde da família ou outra área em que o profissional tenha atuado. Seria uma maneira de devolver à sociedade o investimento que o setor público fez em suas respectivas formações.
Sou autor da Proposta de Emenda à Constituição n° 36, que institui esse serviço civil. Trata-se de medida de caráter regulatório reiteradamente sugerida por organismos internacionais como a Organização Panamericana de Saúde (Opas) e a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Outra forma de regulação do Estado seria uma intervenção – sim, neste caso uma intervenção – contra a cartelização do trabalho em saúde, especialmente o trabalho médico. Todos sabemos como os recursos públicos destinados à saúde são escassos. E não é justo que grande parte dos recursos do SUS destinado aos Municípios e Estados seja para pagar cooperativas de profissionais médicos, que acabam cobrando valores exorbitantes pelos serviços que prestam ao SUS.
Em muitos locais, sabemos, os salários são infelizmente muito baixos. Precisamos resgatar o debate da carreira única para o Sistema Único de Saúde, permitindo, assim, homogeneizar os salários, a distribuição dos profissionais e implantar incentivos diferenciados.
Quanto à validação dos diplomas, por que não a vinculamos a uma espécie de estágio, de acordo com as necessidades do SUS? Claro que não podemos perder de vista a qualidade do profissional formado em outros países que forem atuar aqui, assim como a compatibilização curricular.
No ano passado, o Ministério da Educação recebeu 677 inscrições para o Exame Nacional de Revalidação dos Diplomas Médicos, tanto de brasileiros quanto de estrangeiros residentes no País, mas apenas 65 foram aprovados.
Nossos cursos de medicina são tão melhores que os dos outros países? Ou estamos exigindo muito para a revalidação do diploma?
Tenho acompanhado esse problema de perto e, em especial, no Estado de Pernambuco. Estive com a Presidenta Dilma, no ano passado, quando ela ministrou a aula inaugural para 40 alunos da primeira turma do curso de medicina da Universidade de Pernambuco, universidade pública, no Município de Garanhuns, a
Desses 40 novos estudantes de Medicina, 30 são do interior do Estado.
No mês passado, em conversa com o Ministro Aloizio Mercadante, da Educação, falamos também sobre a situação da Faculdade de Medicina de Garanhuns – Fameg, que está fechada e com os vestibulares suspensos porque não havia migrado do sistema estadual para o federal de ensino superior. A expectativa é de que, em breve, possamos ter a avaliação do Conselho Nacional de Saúde quanto à possibilidade de funcionamento dessa faculdade, abrindo novas vagas para a formação de profissionais.
Creio, caros colegas, que o Senado Federal tem muito a contribuir com essa questão. Quero, oportunamente, destacar a importância da Comissão Especial que deverá tratar de novas fontes de recursos para o financiamento da saúde pública, cujo requerimento de criação foi aprovado por esta Casa no último dia 28 de março.
Porém, diante até dos próprios debates que aconteceram na tarde de hoje, eu gostaria de levantar algumas considerações.
É comum e corriqueiro que as entidades de representação médica, aquelas que representam essa categoria e que o fazem de forma bastante incisiva, coloquem restrições a essas posições que levantei aqui e a outras posições que o Governo Federal vem anunciando o desejo de implementar. Isso sempre vem acompanhado do discurso de que não faltam profissionais, de que, na verdade, há uma má distribuição e há uma má distribuição porque se paga mal. Isso não é mais verdade.
Se nós pegarmos, por exemplo, as cidades do interior do Brasil – e, lamentavelmente, são as menores –, os salários pagos a um profissional do programa Saúde da Família, para compor uma das suas equipes, não é, em lugar nenhum, inferior a R$15 mil, a R$20 mil para que o profissional possa se dedicar em tempo integral, porém não em regime de dedicação exclusiva. Então, nós não estamos deixando de ter uma melhor distribuição porque os salários no interior são defasados. Não corresponde à realidade essa questão.
Aí argumentam: não, não é o salário; são as condições de trabalho. Mas quantos avanços foram feitos nos últimos anos no sentido de propiciar a esses profissionais, primeiro, que pudessem ter acesso a uma especialização adequada?
Agora mesmo, o Ministério da Saúde implantou uma política de incentivo em regiões de difícil acesso, garantindo ao profissional que viesse a trabalhar nessas áreas uma pontuação diferenciada e importante para a obtenção de vagas para a especialização no regime de residência médica.
Em quantos lugares não foi implantada a telemedicina, que permite que um profissional, no interior do Amazonas, comunique-se com outro profissional em qualquer hospital público ou em qualquer universidade do País para discutir – com dois, com três, com quatro ou até com um número maior de profissionais – determinados casos, determinadas situações? Quanto não se avançou também na criação das condições para o atendimento de emergência, inclusive em lugares remotos do Brasil?
O Samu é uma realidade nacional, abrangendo mais de 100 milhões de brasileiros. Portanto, trata-se, se não existem as condições, de nós juntarmos para tê-las, e não de usar isso como argumento para que, no Brasil, nós deixemos de formar novos profissionais. Isso se assemelha muito mais à defesa de uma reserva de mercado do que à defesa da qualidade do serviço que é prestado à população brasileira.
As entidades de representação médica, ao mesmo tempo em que dizem que não se deve resolver o problema com medidas emergenciais, criticando as ações do Governo, não apresentam – e há muitos anos nós discutimos isso – uma proposta para fixar o profissional no interior, para criar as verdadeiras condições de trabalho para que ele lá esteja. Contrapõem-se à ideia de revalidação dos diplomas de profissionais formados no exterior, mas o que apresentam como alternativa? Pois, no Brasil, mais de mil Municípios não têm condição de ter um profissional médico em tempo permanente. É preciso que essas categorias apresentem à Nação, ao Congresso Nacional a sua solução para o problema. Simplesmente se colocar contra não é a solução.
Quando se fala do serviço civil obrigatório vem o argumento: “Não, a universidade tem o papel de formar o profissional não com a exigência de que ele dê um retorno para o serviço público; não é esse o papel da universidade”. Ou seja, quando se trata de uma intervenção do Estado para beneficiar a população, há sempre um questionamento e uma negativa a que isso venha a acontecer, porém, no momento em que as categorias exigem uma intervenção do Estado para regular, por exemplo, sua relação com o setor privado, não há pudor em se fazer isso.
Portanto, o que nós queremos, muito mais do que críticas às posições que o Governo vai assumir, e com muita coragem… E nós defendemos essa posição, defendemos as atitudes do Ministro Alexandre Padilha em buscar uma solução para o problema da carência dos profissionais. Esse é o momento de recebermos essas propostas.
O que fazer para acabar com a concentração de profissionais no nosso País? O que fazer para fixar os profissionais nas suas respectivas áreas? E não adianta falar de soluções que não estão calcadas na realidade. Por exemplo: carreira única no Sistema Único de Saúde. Nós somos absolutamente favoráveis, mas elas não podem ocorrer da forma como ocorre no Poder Judiciário e no Ministério Público.
Ora, o Poder Judiciário existe na esfera federal e estadual. Não existe na esfera municipal. As atribuições do Poder Judiciário federal são diferentes no estadual em vários aspectos. No entanto, no Sistema Único de Saúde nós temos uma estrutura tripartite na qual o Município exerce um papel, o Estado exerce outro e o Governo Federal exerce outro.
O Poder Judiciário estadual tem uma carreira para o Judiciário estadual. O Poder Judiciário federal tem uma carreira para o Poder Judiciário federal. E elas não se misturam.
Só é possível construir uma carreira única para o Sistema Único de Saúde se nós tivermos um modelo de contratação de um profissional que possa trabalhar em qualquer cidade, em qualquer nível, mas mediante a contratação por um regime único, por um sistema único, que entendemos deva ser um sistema de fundações públicas, estatais, de direito privado, como acontece, por exemplo, no Estado da Bahia ou como a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, que, em nível hospitalar, vai trabalhar em todos os Estados brasileiros para a contratação de profissionais.
Só que, quando se trata do tema fundação estatal, pública, de direito privado, empresa estatal hospitalar, novamente se rebelam essas corporações para dizer que não, não é aceitável. Então, que se apresente a fórmula milagrosa capaz de criar as condições para que, no Brasil, cada cidadão, cada cidadã tenha o direito elementar que é garantido pela Constituição.
De que adianta falar em sistema público universal gratuito, integral, equânime, se no interior do Amazonas não há um profissional para atender a um cidadão? Se no Nordeste,
Então, vamos nos despir dos preconceitos, das ideias preconcebidas, e façamos um debate, uma discussão em que todos os segmentos possam estar presentes não para defender o seu quinhão, mas para pensar um Brasil onde a saúde, de fato, torne-se um direito de todos.
Não sou adversário da categoria médica. Pelo contrário, sou também médico e exerci, por muitos anos, a minha profissão. Mesmo recentemente, desempenhei trabalhos na área do magistério, mas sempre vinculado à área de saúde, e entendo que nós, como médicos, devemos tratar esse debate de uma forma ampla. Também devemos nos incorporar para apresentar soluções para o Brasil, soluções para o País, principalmente para os mais pobres, aqueles que só têm o Sistema Único de Saúde como alternativa de acesso aos serviços de promoção e de recuperação de saúde e de prevenção de doenças.
Portanto, Sr. Presidente, agradecendo a sua tolerância, faço esse desafio.
Tenho aqui à minha frente o nobre e eficiente Presidente da Comissão de Assuntos Sociais do Senado, que já fez aprovar,
Muito obrigado, Sr. Presidente.