Setor privado precisa ampliar investimento em ciência, alertam especialistas

Debatedores defendem necessidade de maior participação da iniciativa privada no fomento à ciência no PaísO Brasil precisa mudar a lógica atual de investimentos em ciência e tecnologia, com o setor privado assumindo o papel de principal agente de investimentos no setor, como ocorre nos países desenvolvidos. O alerta foi feito pelos especialistas que participaram, na manhã desta quarta-feira, da audiência pública sobre o programa Ciência Sem Fronteiras, promovida pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT).

Participaram o debate os especialistas Isaac Roitman, professor emérito da Universidade de Brasília e Membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Jorge Almeida Guimarães, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e Herman Chaimovich, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Atualmente, apenas cerca de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) do País é investido em ciência, com metade desses recursos proveniente do setor público. De acordo com o presidente da Capes, Jorge Almeida Guimarães, a verba empregada na área pela iniciativa privada chega a 70%, em países como a Coréia do Sul, uma referência entre as nações que alcançaram grande desenvolvimento econômico a partir de massivos em investimentos em educação, ciência e tecnologia.

“As empresas no Brasil, infelizmente, não investem em ciência e tecnologia. Aqui, praticamente a metade dos recursos investidos na área são alocados por empresas públicas, como a Petrobras, Eletrobrás, Embrapa e outras instituições. Precisamos mudar essa lógica”, afirmou Guimarães. Ele acrescentou que países líderes em desenvolvimento tecnológico investem, ao menos, 2% do PIB no setor, especialmente na formação de engenheiros e cientistas.

A necessidade de fomento do setor privado na área também é apoiada pelo presidente do CNPq, Hernan Chaimovick. No entanto, ele acredita que é preciso haver uma estratégia de risco a partir de recursos públicos. 

“O país que desenvolve ciência, em geral, tem um estado que é empreendedor. Isto é, toma risco, investe pesado e esse investimento com dinheiro público gera um interesse de empresas privadas em utilizar esses resultados. Então, temos que ter uma estratégia que permita às empresas se associar aos resultados, possibilitando que elas cresçam. Isso gera um círculo virtuoso. Em qualquer país que isso ocorreu deu certo”, explicou.

Chaimovick usou como exemplo o desenvolvimento do modelo agrícola no País. Atualmente, o Brasil é um dos principais produtores agrícolas do mundo, dispondo de tecnologia de ponta e conhecimento produzido a partir da expertise nacional.

“Falamos muito da Embrapa como auxiliar do setor privado na produção de conhecimento, mas é preciso lembrar que isso também foi feito em centros de pesquisa estaduais nas universidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Isso permitiu o crescimento de uma agricultura moderna no País em uma direção estratégica. Ou seja, foi um risco. Para mim, o Estado tem que ser um empreendedor neste sentido”, disse.

Metas atingidas

Sobre o programa Ciência Sem Fronteiras, Jorge Almeida Guimarães lembrou que todos os objetivos da iniciativa, lançada em 2011, foram cumpridos. Até 2014, 101,4 mil graduandos e pós-graduandos foram contemplados com bolsas de estudo no exterior. Foram concedidas 3,6 mil bolsas em 2011, 16,2 mil em 2012, 39,1 mil em 2013 e 42,2 mil em 2014.

Guimarães lembrou que a imprensa descrevia o programa com pessimismo. “Lembro que o jornalista Elio Gaspari escreveu, na primeira semana do programa, que a iniciativa não daria certo. Que seria mais uma coisa que o Brasil não iria cumprir as metas”, afirmou.

O Ciência sem Fronteiras busca promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da mobilidade internacional. Além disso, busca atrair pesquisadores do exterior que queiram se fixar no Brasil ou estabelecer parcerias com os pesquisadores brasileiros nas áreas prioritárias definidas no programa.

Ensino básico

Durante a audiência na CCT, os debatedores lembraram que, apesar do sucesso do Ciência Sem Fronteiras, ainda há espaço para melhorias. Além disso, ressaltaram a necessidade de melhorar a qualidade do ensino básico do País.

Para o professor Isaac Roitman, a formação de pesquisadores começa no ensino básico de ciência, que ele considera ser “incipiente” no Brasil. “É preciso para que a gente possa ter um aumento da qualidade do ensino de ciência primeiro a formação de professores qualificados. Outro é a valorização do professor e recursos, que são laboratórios, instrumentos, etc”, explicou.

A opinião é compartilhada pela presidente da SBPC, Helena Nader. No entanto, ela lembrou que o Brasil não pode fazer “A Escolha de Sofia” – filme norte-americano, de 1982, que trata de uma mãe polonesa forçada por um soldado nazista, dentro de um campo de concentração durante a Segunda Guerra, a escolher um de seus dois filhos para ser morto.

“Na época de FHC, se deu prioridade à educação básica e queria-se adotar, no País, o modelo americano das universidades pagas. Então, as universidades brasileiras ficaram à míngua”, disse Nader.

Carlos Mota

 

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