Com voto contrário da Bancada do PT, Senado aprova projeto sobre terrorismo

Com voto contrário da Bancada do PT, Senado aprova projeto sobre terrorismo

Com o voto contrário da Bancada do PT, o plenário do Senado aprovou por 34 votos a 18, na noite desta quarta-feira (28) o projeto (PLC 101/2015) que tipifica o crime de terrorismo. A principal crítica à proposta – originada em texto da presidência da República e modificado ao longo de sua tramitação nas duas Casas do Congresso – é o risco evidente de criminalização dos movimentos sociais. “Qualquer subjetividade no tratamento do tema pode permitir a criminalização dos movimentos sociais e da liberdade de expressão”, afirmou o líder Humberto Costa (PE), ao encaminhar o voto contrário à matéria.

Ele lembrou que a legislação brasileira já contempla todos os crimes que possam ser praticados com intuito terrorista. Sobre as cobranças de “coerência” da bancada petista, que se colocou contra uma proposta de iniciativa do Executivo, Humberto apontou que o relatório do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) introduziu no texto modificações inaceitáveis.

Foram três horas e meia de debate até a votação do relatório de Aloysio Nunes. Após a aprovação do texto, senadores do campo progressista tentaram aprovar emendas que ressalvassem o direito dos movimentos reivindicatórios. O relator acatou apenas uma emenda, de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), que torna mais clara a definição de “extremismo político”. As demais emendas foram rejeitadas pelo plenário, que encerrou a apreciação da matéria após mais de quatro horas de debates e deliberações.

 

A Câmara dos Deputados havia aprovado um adendo ao texto explicitando que a legislação antiterrorismo não se aplicaria à “conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios visando criticar, protestar ou apoiar, com objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida na lei”. Em seu relatório, Aloysio Nunes Ferreira suprimiu essa ressalva essencial.

A bancada do PT, assim como as bancadas do PSB, Rede e PCdoB, defenderam a reincorporação da emenda ressalvando os movimentos sociais, mas o relator tucano permaneceu inflexível. Lídice da Mata (PSB-BA) alertou que não se pode abstrair as convicções individuais de juízes quando se aprova uma lei – daí a necessidade de elaborar textos bem amarrados e sem espaço para desvios decorrentes da subjetividade. “Basta lembrar que a primeira pessoa condenada no Brasil com base na Lei Maria da Penha foi uma mulher”.

“Meu medo com esse projeto é que a gente ataque as liberdades e garantias individuais, ataque os movimentos sociais, que daqui a seis meses nós tenhamos os primeiros presos dessa legislação”, alertou Lindbergh Farias (PT-RJ), lembrando que líderes como Xanana Gusmão, primeiro Presidente do Timor Leste, e Nelson Mandela, Prêmio Nobel da Paz, já cumpriram pena classificados como terroristas.

“Tomo minhas decisões de voto com base em razões de Estado, razões de governo e razões de partido. Hoje eu voto contra esta proposta por que meu partido está contra e porque entendo que nem o governo nem o Estado brasileiro precisam dessa legislação antiterrorismo”, afirmou o senador Donizeti Nogueira (PT-TO).

Lindbergh ressaltou que uma das principais razões alegadas pelos defensores do projeto – uma suposta exigência do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI), entidade internacional integrada por 34 países – não procede. “Na verdade, dos 34 integrantes do GAFI, só cinco têm tipificação do terrorismo”, esclareceu o senador. Estados Unidos, Israel, Reino Unido, Espanha e Colômbia – “todos por motivos óbvios”, ressaltou ele – têm longo histórico de atividades terroristas dentro de suas fronteiras e contra suas instituições no exterior.

A demanda do GAFI, explicou Lindbergh, era apenas a definição de uma legislação que trate do financiamento do terrorismo. O País já dispõe de três dispositivos que tratam da questão: a Lei nº 13.170/2015, recentemente aprovada, que disciplina a ação de indisponibilidade de bens, direitos ou valores em decorrência de resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a Lei de Crimes Hediondos e a Lei das Organizações Criminosas.

“Chegaram a falar que alguma agência de classificação de risco podia rebaixar o grau de investimento do Brasil se essa lei do terrorismo não fosse aprovada, o que é uma bobagem, pois essa não é uma atribuição do GAFI”, esclareceu o senador.

Lindbergh alertou que a tipificação penal do terrorismo é um desafio árduo no mundo inteiro, mão só no Brasil. Nem a Organização das Nações unidades conseguiu, até o momento, encontrar uma definição consensual para a questão. “A ONU teve 13 instrumentos internacionais sobre a matéria, mas não conseguiu até hoje um consenso universal sobre quais elementos essenciais deveriam compor a definição típica do crime de terrorismo. A Alemanha, que é uma locomotiva econômica mundial, está nessa mesma discussão e não tipificou porque há polêmicas, há uma discussão sobre liberdades individuais, garantias individuais”, destacou o petista.

No mundo inteiro, apenas 18 países tipificam o terrorismo. A vasta zona de sombra gerada a partir das tentativas açodadas de legislar sobre o tema – e a concretização do risco de criminalização do movimento social decorrente da aprovação dessas legislações – já provocou constrangimentos internacionais, como a condenação do Chile pela Corte Internacional de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos pelo enquadramento de lideranças indígenas do povo Mapuche, que lutavam para reaver terras ancestrais como terroristas. “Esse é um exemplo dos excessos dessas leis antiterror”, apontou Lindbergh.

Lindbergh citou os alertas apresentados pelo relator especial para liberdade de expressão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Edison Lanza, para quem ”o projeto de lei de antiterrorismo poderá violar a Convenção Interamericana de Direitos Humanos se estabelecer tipos penais muito amplos e ambíguos, que poderiam ser usados para criminalizar movimentos sociais e vozes dissidentes”.

Coube a Fátima Bezerra (PT-RN) ler em plenário a nota da Comissão Executiva Nacional do PT recomendando à Bancada a rejeição da matéria. “Não há definição de terrorismo que seja universal ou mundialmente aceitável, tendo mais de 150 projetos dessa natureza sido apresentados na ONU sem que haja, qualquer um deles, sido aproveitado por aquela Organização, que não recomenda a tipificação do terrorismo”, afirmou a direção do partido.

Fátima lamentou que um tema dessa envergadura não tenha sido debatido com mais profundidade. “Minha consciência e minha convicção não me permitiriam jamais votar no projeto tal como está”, afirmou a senadora, que alertou para as brechas contidas no texto do tucano Aloysio Nunes. Ela criticou duramente o tom genérico do texto e destacou que, quando se trata de preservar a democracia e as liberdades individuais, não é ocioso explicitar o óbvio. “A manutenção da ideia de que estão salvaguardadas as manifestações e os movimentos sociais, como está no projeto da Câmara deveria ser mantida na proposta”.

 

Cyntia Campos

 

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