A narrativa conservadora sobre o suposto caos do país não se sustenta. O desemprego está em um nível muito baixo, a renda do trabalhador continua a aumentar e as desigualdades continuam a diminuir, apesar da grave crise internacional. A queda no crescimento do PIB, que começa a ser revertida, não afetou a maioria da população. E o tão propalado “descontrole inflacionário”, fruto basicamente de um aumento das commodities e de fatores climáticos, durou tanto quanto um tomate fora da geladeira.
O Brasil está muito longe da situação econômica e social da Grécia, vítima da política de austeridade que alguns querem de volta no Brasil, ou da situação política do Egito, cuja “primavera” não fez florescer uma autêntica democracia. O Brasil de hoje também está muito diferente do país frágil que tínhamos até algum tempo. A primavera brasileira, que vem tirando milhões da miséria, reduzindo nossas históricas desigualdades e melhorando efetivamente as condições de vida da população, começou há muito tempo. Só não percebe quem não quer.
Mas, mesmo nas primaveras, nem tudo são flores. O Brasil apenas começou a resolver seus graves problemas e ainda engatinha na consolidação dos direitos de seus cidadãos.
O direito de ir e vir, por exemplo, paradoxalmente invocado pelo governo paulista para massacrar manifestantes do movimento Tarifa Zero, é muito difícil de ser exercido nas grandes cidades brasileiras. Em São Paulo, basta uma pequena chuva para que ninguém consiga ir ou voltar. Em todo o país, tarifas abusivas para o poder aquisitivo da população convivem com um serviço de baixíssima qualidade. Nas grandes metrópoles brasileiras, a qualidade de vida é ainda muito ruim, especialmente para quem depende de serviços públicos.
Nesse sentido, as manifestações dos estudantes em prol da Tarifa Zero expressam, sim, uma insatisfação inteiramente legítima e procedente. Só não percebe quem não quer. Não interessa a origem social desses estudantes ou se o aumento só foi de 20 centavos. Por trás das manifestações, há um mal-estar difuso, mas real, com o sistema de transporte e outras mazelas das nossas grandes cidades. E o grande mérito dessa garotada é torná-lo visível, dar-lhe expressão, ainda que confusa.
É possível até que a Tarifa Zero para todos seja uma utopia. Mas se é, eles estão sendo realistas, pois pedem o impossível, como todo jovem tem de demandar. É o impossível que torna possível os verdadeiros avanços.
É possível também que esse e outros movimentos sejam confusos, sem programas e objetivos claros. Com efeito, é perfeitamente possível que muitos desses jovens não saibam bem por que estão nas ruas. Mas tenho certeza que todos eles sabem muito bem por que não estão em casa, acomodados.
O que não é possível, ou aceitável, é reprimi-los da forma mesquinha, covarde, truculenta e vergonhosa como fizeram, especialmente em São Paulo. Precisamos de mais Pinheirinhos? No Brasil, alguns ainda têm o triste o hábito de cultivar a memória de Washington Luis. Deveríamos cultivar mais o exemplo de Lula, Arraes e Brizola.
É imprescindível que a prefeitura de São Paulo, o governo federal e todos aqueles que têm compromisso real com a democracia dialoguem de verdade e respeitosamente com esses movimentos. Quem sabe saem daí alguns avanços interessantes, como um programa que assegure tarifa zero para os cadastrados no Bolsa Família ou tarifas bem reduzidas para os estudantes do Prouni?
Ainda faltam muitas flores para que a primavera brasileira se consolide. E não tenho dúvidas que algumas flores sairão desses movimentos. As novas flores da primavera brasileira estão sendo plantadas no asfalto. É assim que as verdadeiras democracias avançam.
Só espero que esses movimentos, contrariando as recriminações do governador Alckmin, sejam políticos. Muito políticos. Reivindicar apoliticismo denota tenebroso analfabetismo político. E dizer que não se é de direita ou esquerda, implica estéril conservadorismo. Há uma luta mundial entre aqueles que querem a volta das mesmas políticas que resultaram na crise e aqueles que resistem à austeridade inútil que destrói direitos e ameaça a democracia. Não é hora de ficar em cima do muro.
De qualquer forma, o Brasil deveria se orgulhar em ter uma juventude que reivindica, luta e mostra a sua cara. A Nação deveria agradecer. E a democracia brasileira, ainda incipiente, deveria dizer: obrigado garotada, pode passar!
Marcelo Zero é assessor técnico da liderança do PT no Senado