O Senado corre o risco de repetir os vícios da Câmara na análise do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, avalia Humberto Costa (PT-PE), líder do governo na Casa. “É lamentável que um processo que se iniciou de uma maneira torta e viciada na Câmara dos Deputados continue juntando novas máculas que vão terminar por fulminar, do ponto de vista jurídico, toda a sua validade”, alerta o senador.
Humberto considera que a comissão especial que analisa o pedido de afastamento da presidenta começou mal os seus trabalhos, na última segunda-feira (25), ao ignorar todos os chamamentos à razão e ao entendimento e teimar na eleição de Antonio Anastasia (PSDB-MG) para relator. Nada contra a pessoa do tucano, ressalta o líder petista, mas não há isenção possível em um representante da legenda que tanto tramou para invalidar a legítima eleição de Dilma.
“O PSDB, derrotado em quatro eleições presidenciais consecutivas pelo PT. O PSDB que desde outubro de 2014 vem tentando, insistentemente, derrubar Dilma do cargo a que chegou por meio do voto. O PSDB que tem como presidente nacional o candidato derrotado de 2014, Aécio Neves. O PSDB que pretende chegar ao Palácio do Planalto não pelas urnas, mas por meio de um golpe. O PSDB que é signatário do pedido de impeachment”, recapitulou Humberto. Como esperar a necessária isenção de um integrante dessa legenda para cumprir a função essencial de relator do impeachment?
“O partido denunciante é o mesmo partido que dará um parecer sobre a denúncia”, aponta o petista. “Isso é um escândalo. Um erro que rasga todos os princípios básicos do direito. Não houve qualquer pudor ou o mínimo de zelo pela isenção e pela imparcialidade nesse caso”. Quem acusa não pode julgar, reforçou.
Para Humberto, o julgamento já começa, portanto, viciado. Antes de a comissão iniciar seus trabalhos, analisar o processo, já é possível antever o posicionamento de Anastasi. “Não temos qualquer dúvida sobre o voto do relator: ele será favorável à admissibilidade da denúncia, com consequente afastamento da Presidenta da República do cargo ao qual ela chegou por meio do voto da maioria dos brasileiros. O voto do senador Anastasia será o mesmo que ele deu nas eleições de 2014: contra Dilma e em favor de Aécio Neves”.
Lamentável, ressalta Humberto, é que a comissão do Senado tenha prosseguido na trilha eivada de vícios que tem sido percorrida pelo processo de impeachment desde que foi recepcionado—como peça de chantagem e vingança—pelo “desavergonhado presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha”.
Um processo espúrio contra uma governante cuja idoneidade é reconhecida até por adversários de peso, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, presidente de honra do PSDB. Em entrevista à Folha de S Paulo, FHC reconhece que “Dilma é uma mulher honesta” e “não é criminosa”. “E o que estamos fazendo neste momento no Senado Federal? Decidindo se vamos processar a presidenta da República por crime de responsabilidade, quando um dos maiores líderes da oposição reconhece que ela é honesta e não cometeu crime?”, destacou Humberto, para quem todo o processo é um “desatino constitucional”.
Apesar do mau começo, Humberto espera os integrantes do Senado não repitam o espetáculo grotesco encenado na Câmara dos Deputados, na votação da admissibilidade do processo de impeachment. “Não nos reduzamos em desqualificação e incompetência como naquela sessão dantesca em que a técnica e o bom direito foram trucidados para dar espaço a um circo de horrores que envergonhou o País e assombrou o mundo”, apelou.
Cyntia Campos