Para um mundo sem pobreza – Por Jim Yong Kim

Na medicina, saber qual é o melhor tratamento não é suficiente para garantir a saúde do paciente. Podemos ter prova de sua eficácia e conhecer seu custo relativo e a melhor maneira de realizar o tratamento. Mas se não pudermos fazê-lo porque o serviço é ruim, isto significa que o sistema de saúde falhou.

O mesmo pode ser dito das políticas públicas. Há uma quantidade enorme de pesquisas e dados para fundamentar diversos programas e políticas. Mas até mesmo alguns dos programas mais bem concebidos nunca serão concretizados devido a contratempos durante a implementação.

Este desafio de implementação é bem conhecido pelos países com os quais o Grupo do Banco Mundial trabalha, bem como pela nossa equipe. Já nos deparamos com inúmeras ideias para combater a pobreza e a desigualdade que não cumpriram suas promessas por falta de capacidade de execução.

Estou convencido de que podemos acelerar o progresso na luta contra a pobreza e em prol da equidade social, aproveitando os conhecimentos que já existem no mundo inteiro. Fazer isso acontecer não vai ser fácil, mas o Brasil está mostrando o caminho.

Nós estamos tentando remediar esta situação. Estamos realizando um grande esforço para coletar e compartilhar, sistematicamente, tudo o que há de conhecimento sobre a implementação de projetos. Para tal, estamos trabalhando com países selecionados para criar “Centros de Ciência da Entrega”.

O Brasil está à frente de uma parte fundamental desse esforço por meio da Iniciativa Brasileira de Aprendizagem para um Mundo sem Pobreza (WWP, World Without Poverty), uma parceria entre o Banco Mundial, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e o Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Neste mês, representantes de alto nível de mais de 70 países tiveram a oportunidade de aprender com a experiência do Brasil e interagir com os formuladores de políticas brasileiros durante o Fórum Sul-Sul de Seguridade Social e Trabalho, onde ocorreu o lançamento da WWP, no Rio de Janeiro.

Quando se trata de histórias de sucesso, o Brasil é, sem dúvida, um campeão. Entre 2001 e 2011, a pobreza extrema caiu pela metade – de 9,7% para 4,3 % da população. Um total de 22 milhões de pessoas foram retiradas da pobreza – o que é mais do que a população de países como Angola ou Romênia. Além disso, em contraste com muitos países de renda média, a desigualdade diminuiu durante esse mesmo período. Estas conquistas impressionantes devem-se a mais do que apenas uma economia crescente e um mercado de trabalho dinâmico. Elas devem muito à concepção e implementação pioneira de programas sociais inovadores no Brasil, com o Bolsa Família (BF) como exemplo mais proeminente.

O BF foi um dos primeiros programas de transferência condicionada de renda (CCTs). Ele teve como ponto de partida os CCTs estaduais, buscou também inspiração na abordagem integrada do Programa Progresa do México e se tornou referência para políticas sociais do mundo inteiro. Tendo alcançado um quarto da população – mais de 50 milhões de pessoas – em dez anos, o programa teve impactos positivos na saúde e na educação, tudo em um contexto complexo, descentralizado e com baixos custos administrativos.

O sucesso do Bolsa Família é resultado de um investimento sistemático em capacidade de implementação, ferramentas de gestão eficazes e um processo constante de aprendizagem e inovação. Há muito a se aprender com isso e com a experiência subsequente, o Brasil sem Miséria, que se concentra na capacitação, crédito, acesso a serviços públicos e conta com a Busca Ativa por cidadãos pobres que ainda não foram cobertos pelo BF. Muitos Estados e municípios estão suplementando os esforços do governo federal por meio da criação de programas complementares e sob medida para suas necessidades específicas, desenvolvendo soluções para problemas de implementação que já perduravam há tempos.

É justificável, portanto, que tudo isso gere um enorme interesse na esfera internacional. O Bolsa Família já ajudou a inspirar o desenvolvimento de programas e ferramentas similares em muitos países, incluindo o Quênia, a Tanzânia e as Filipinas. Ao mesmo tempo, o Brasil pode se beneficiar da aprendizagem sistemática de inovações locais e internacionais. Já existe um volume expressivo de conhecimentos sendo gerados e compartilhados. No entanto, a WWP parte do princípio de que podemos fazer ainda melhor.

Valendo-se das perspectivas e pontos fortes de seus parceiros, a WWP irá apoiar e estimular uma abordagem rigorosa para angariar conhecimentos sobre a aplicação e os resultados de programas sociais e promover o intercâmbio de conhecimento, nacional e internacionalmente. A iniciativa já reuniu experiências da América Latina e da África e vem compartilhando conhecimentos sobre políticas sociais no Brasil, que serão usadas ativamente para ajudar outros países a se adaptarem e se beneficiarem das experiências brasileiras.

Estou convencido de que podemos acelerar o progresso na luta contra a pobreza e em prol da equidade social, aproveitando a vasta experiência e conhecimentos que já existem no mundo inteiro. Fazer isso acontecer não vai ser fácil, mas o Brasil está mostrando o caminho.

Jim Yong Kim é presidente do Banco Mundial

Artigo originalmente publicado no jornal Valor Econômico desta segunda-feira (24)

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