Por Maria Cristina Fernandes
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) subiu à tribuna duas vezes em menos de uma semana para apostar na queda da taxa Selic. A última delas foi na noite da terça-feira, 30, véspera da decisão do Copom.
Depois de ter ascendido na política como o líder estudantil das manifestações que resultaram no impeachment de Fernando Collor, o senador, que cursou Medicina e Direito, sem concluí-los, direcionou seu mandato para temas econômicos. No ponto futuro de sua carreira – a mais meteórica do PT fluminense – está o Palácio da Guanabara.
Titular da Comissão de Assuntos Econômicos, Lindbergh assumiu a condição de principal interlocutor petista da área econômica no Senado desde que a senadora Gleisi Hoffmann assumiu a Casa Civil.
A afinidade se reflete no teor dos três projetos que apresentou em seu primeiro semestre de mandato: o que soma às competências do BC o estímulo à geração de empregos, e dois outros que promovem a desindexação de títulos e contratos públicos.
Lindbergh diz que momento é de desvincular poupança.
Casado há 17 anos com Maria Antônia Goulart, filha de uma companheira de guerrilha da presidente Dilma Rousseff, Linda Goulart, hoje assessora do ministro da Educação, Fernando Haddad, Lindbergh foi convidado pelo menos duas vezes a integrar a comitiva de viagens da presidente.
Mas o senador não atribui sua aposta na queda da Selic à proximidade adquirida com os ministros da área econômica nem à relação familiar com a presidente. “Os sinais foram públicos e sucessivos. O mercado não pode alegar que foi pego de surpresa”, diz.
Lourdes Sola, por exemplo, professora aposentada da USP e organizadora de “Banco Central, Autoridade Política e Democratização” (FGV, 2002), sintetiza as preocupações surgidas desde a decisão do Copom: “Desde meados dos anos 1990 o BC tornou-se um coordenador das expectativas de mercado. Foi assim que suas decisões adquiriram mais transparência. A decisão da semana passada rompeu com a ritualística e quis pegar o mercado de surpresa como no passado. Por isso, foi autoritária”. A professora contesta um mandato para o BC perseguir tanto a estabilidade monetária quanto a geração de emprego: “O Fed age assim porque é independente e presta contas ao Congresso. O Brasil tem um sistema hiperpresidencialista que tende a manipular a política monetária de olho nas eleições”.
Lindbergh não apenas saúda como benéfica a convergência entre governo e BC como cita uma entrevista da presidente e outra do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, como dois sinais eloquentes da queda da Selic ignorados pelo mercado. Na entrevista da presidente (Carta Capital 16/08/2011), respondendo à pergunta do que faria para baixar os juros, respondeu: “Não vou dizer qual é a nossa receita, porque, se fizer essa antecipação, cometerei um equívoco político e econômico. Vamos olhar a partir de agora de uma forma diferente essa situação que vem pela frente, porque é algo distinto. Não estamos mais na mesma situação de antes, nem sabemos direito o que vem, mas estamos com abertura suficiente para perceber que pode ser exigido de nós um grande esforço para conter isso”.
O presidente do Banco Central também não tergiversou em sua entrevista (“O Estado de S. Paulo”, 18/6/2011): “A presidente dá o comando. E o comando dela tem sido muito claro para que as políticas do governo sejam adotadas visando assegurar a estabilidade monetária e a inflação na meta. É isso o que temos feito. O BC é uma autarquia. Sou ministro de Estado. Além de presidente do BC, faço parte do conjunto do ministério. Há um diálogo sobre avaliação econômica”.
A essas duas entrevistas Lindbergh somou as declarações convergentes dos ministros Guido Mantega e Fernando Pimentel no Senado, nas proximidades do Copom, de que o aumento do superávit abriria espaço para o corte de juros e concluiu que o jogo ia virar.
É com a mesma convicção que o senador agora atesta força redobrada de Dilma junto à sua base aliada no Congresso para cumprir o ajuste fiscal que a ata do Copom de ontem elege como condição à continuidade da política de redução dos juros.
Um sinal do fortalecimento político da presidente teria sido a resolução do PT em seu 4º Congresso. O partido dava sinais de que seu documento oficial teria um tom de calculada independência em relação a Dilma. Quando veio o Copom, o partido afinou, citou 35 vezes a presidente e fez uma resolução saudando a redução da Selic.
Na mesma resolução, no entanto, o partido reafirma como compromissos inadiáveis a emenda 29 para a saúde pública e o Plano Nacional da Educação. Se aprovados, representarão despesas adicionais na casa das dezenas de bilhões do Tesouro.
Some-se à resistência petista a crítica da maior central sindical do país, a CUT, à elevação do superávit primário em R$ 10 bilhões. É a essa central que está filiada a grande maioria dos funcionários públicos que, pela proposta orçamentária enviada ao Congresso, terá que se ver com uma redução, em termos reais, dos gastos da União com pessoal.
No tripé das pressões contrárias ao equilíbrio fiscal reclamado pelo Copom está a cúpula do Judiciário com sua demanda por reajuste que, replicado em cascata Brasil afora, resultaria em mais um passivo bilionário a ser coberto pela União.
Confrontado com essa equação política à época em que o déficit nominal zero lhe foi proposto em 2005, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recuou com o apoio da então ministra da Casa Civil que viria a sucedê-lo.
Por que Dilma Rousseff, que também tem uma reeleição pela frente, agora estaria disposta a enfrentar o risco político embutido nessa equação menos juros/ menos gastos?
Lindbergh diz que a atual situação econômica do país exigirá um sacrifício menor dos brasileiros do que teria exigido naquele momento: “A presidente nunca admitirá que esses 40 milhões que ascenderam à classe média retroajam”.
E avalia que a força política adquirida por Dilma favorece uma solução que desindexe a poupança da Selic. Reconhece que a solução politicamente mais viável pode vir a ser uma desindexação restrita a depósitos futuros, mas diz que se o governo quer aprofundar as mudanças necessárias à redução continuada dos juros o momento é este.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política
Valor Econômico