As pesquisas em mudança climática no Brasil começam a mudar de rumo. Se há alguns anos o foco estava nos esforços de redução das emissões dos gases-estufa, agora miram a adaptação ao fenômeno. “Sabemos que nos próximos cinco ou dez anos não há perspectiva para que seja firmado internacionalmente um acordo de redução nas emissões de gases-estufa de grandes proporções, com cortes entre 70% a 80%”, diz o físico Paulo Artaxo, da USP, um estudioso da Amazônia. “Esse panorama é cada vez mais longínquo. Portanto é fundamental que se estudem estratégias de adaptação.”
Em outras palavras, as pesquisas devem se voltar para os efeitos da mudança do clima nos ecossistemas, em ambientes urbanos, em contextos sociais. “Não é uma questão de dinheiro, mas de direcionamento dos estudos”, diz Artaxo, membro do conselho diretor do Painel Brasileiro de Mudança Climática, órgão científico ligado aos ministérios da Ciência e Tecnologia e Ambiente. “O país precisa se preparar mais adequadamente para a mudança climática.”
“É preciso pesquisar mais, por exemplo, as alterações no ciclo hidrológico”, cita Reynaldo Victoria, coordenador do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais. “Saber onde vai chover mais e onde vai chover menos”, explica. É um dos braços da pesquisa de Artaxo na Amazônia. “Porque não se quer construir uma hidrelétrica onde choverá muito menos nas próximas décadas”, ilustra o físico.
O programa de mudança climática da Fapesp já conta com investimentos de US$ 30 milhões em projetos na área. É um dos braços mais novos da fundação, mas já está ganhando musculatura. Tem 21 projetos em andamento, 14 contratos novos, dois outros em parceria com instituições estrangeiras, como o britânico Natural Environment Research Council (Nerc) ou a francesa Agence Nationale de la Recherche (ANR). Em dez anos, a previsão é de investimentos de mais de R$ 100 milhões.
As pesquisas começam a se voltar para campos pouco estudados. “Vamos analisar questões críticas para o Brasil”, diz Artaxo. Ele cita, por exemplo, o ciclo de carbono na Amazônia – algo muito mais complexo do que estudar a fotossíntese e a respiração das plantas.
Victoria, que também é professor do Centro de Energia Nuclear Aplicada à Agricultura (Cena-USP), diz que a intenção do programa é mirar campos novos, como entender qual o papel do Atlântico Sul no clima da região Sul do Brasil e Norte da Argentina. Outro exemplo é obter registros históricos na área de paleoclima.
Os impactos na área de saúde também serão mais estudados. Já se sabe que a mudança do clima faz com que doenças que não existiam em determinado lugar, passem a ocorrer. A dengue, por exemplo, encontra ambiente propício em regiões mais quentes. Entre as novas pesquisas de doenças emergentes há o estudo de um tipo de leishmaniose, comum na Bolívia e no Peru, que não existia no Brasil e agora ameaça surgir no Acre. Provocada por um mosquito, a doença causa uma infecção cutânea e pode ser mortal.
Os pesquisadores falaram sobre seus projetos durante a Fapesp Week, evento que faz parte da comemoração pelos 50 anos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e terminou ontem, em Washington.
Fonte: Valor Econômico