Durante toda esta semana, o senador Wellington Dias (PT-PI) vai conhecer políticas públicas de países europeus no combate às drogas e no atendimento a dependentes químicos. O senador, que é presidente da Subcomissão Temporária de Políticas Sociais sobre Dependentes Químicos de Álcool, Crack e outras Drogas , integra uma comissão parlamentar especial, que visitará a Inglaterra, Holanda, Suécia e Portugal em busca de ideias que possam ser aplicadas o Brasil para a formulação de uma política para o enfrentamento do problema. Antes de viajar, o senador concedeu a entrevista abaixo à Liderança do PT.
Qual o objetivo da viagem dos parlamentares à Europa?
Trata-se de uma viagem programada pela Comissão de Assuntos Sociais, pela Subcomissão de Políticas sobre Álcool, Crack e outras Drogas, na qual deputados e senadores irão conhecer quatro experiências distintas de governos europeus no combate às drogas. Vamos conhecer as políticas públicas voltadas ao problema da droga na Suécia, Inglaterra, Holanda e Portugal, cuja legislação, por sinal, é muito semelhante à do Brasil. O objetivo da viagem, em resumo, é conhecer o que já foi testado e deu certo ou errado, para que o Brasil não entre em caminhos que outros países já experimentaram, sem sucesso.
De qual desses países, o senhor espera dedicar uma atenção maior?
Nós vamos conhecer a experiência da Suécia, que tem um sistema mais radical contra as drogas, pois considera crime tanto a produção quanto a comercialização. É também um dos programas posto em prática há mais tempo – cerca de 30 anos, com várias adaptações ao longo do tempo. Mas, sem distinção, o que vamos colher de melhor são as experiências positivas e negativas desses países, tanto na prevenção e na repressão às drogas, quanto na reinserção dos dependentes. O que eles tem feito, por exemplo, para reduzir a reincidência após o tratamento? Mas há outras coisas importantes a se saber nesses países.
Por exemplo?
Por exemplo, os investimentos em políticas públicas, a viabilidade de parcerias com empresas privadas, comunidades terapêuticas. Ou ainda como eles trabalharam para montar as redes sociais e de saúde. Há, ainda, o aspecto da educação, o trabalho de conscientização e de profissionalização de todos que trabalham nas políticas sobre drogas.
Alguns dos países a serem visitados têm políticas opostas para tratar o problema…
É verdade. A Suécia, por exemplo, tem uma experiência bastante exitosa, de quem mais reduziu o consumo de drogas no mundo e mais reduziu a violência. É o país que tem a política mais dura em relação às drogas. Depois, vamos visitar a Holanda, que é o outro extremo. O país que tem a política mais flexível nesta área. O governo, pelo que se sabe, autoriza pontos de venda de algumas drogas, especialmente a maconha. Como isso já começou há cerca de uma década, queremos ver qual é o resultado, quais são os pontos a favor e seus efeitos colaterais. A Inglaterra já ocupa uma posição intermediária na repressão e tem a melhor prevenção. Portugal, por fim, tem um modelo mais recente, de apenas dez anos, e que é muito próximo do que o Brasil adotou, a partir do governo do ex-presidente Lula. Vamos conhecer o que eles aprenderam em dez anos de experiência. O que foi mudado, o que foi aperfeiçoado …
Será produzido algum documento como resultado da viagem?
O objetivo final da Comissão é apresentar, numa conferência nacional, uma proposta que possa ser debatida e aprimorada, com a participação dos três níveis de governo – Federal, Estadual e Municipal – da sociedade, organizações sociais, empresários etc. Vamos apresentar a belíssima experiência da Petrobras, que tem uma política definida para seus funcionários dependentes químicos, que pode ser ampliada.
Vários dos países a serem visitados têm populações até dez vezes menores que o Brasil. Além de termos uma população muito maior, fazemos fronteira com regiões produtoras de drogas. Que tipo de dificuldade extra o senhor já vislumbra que o Brasil pode enfrentar para implantar sua política nacional?
O Brasil, por ser um país continental e com fronteiras com vários países produtores de coca, maconha etc, ainda vivencia desafios como a entrada de drogas com armas e outras formas criminosas que se interligam com o negócio da droga. Agora, o foco da comissão é o ser humano, que é praticamente igual em todas as regiões do mundo. Se há uma forma de tratamento e de prevenção, o que nós podemos fazer é adequá-las a nossa cultura. Não podemos desprezar que há diferenças culturais entre esses países e o nosso. A tese que nós temos trabalhado é : se não reduzirmos o consumo, vai ter sempre um mercado e, se esse consumo é crescente, o mercado também será crescente, assim como as consequências dele.
O senhor poderia detalhar as experiências dos países a serem visitados pelos parlamentares?
A Suécia, por exemplo, chegou a ter 12% de sua população consumidora de drogas. Ela reduziu, nessa década, para 2%. Uma forte redução. A Holanda teve um leve decréscimo, seguido de uma estagnação. Portugal conseguiu ter um leve decréscimo de consumidores, seguido de uma estagnação. E a Inglaterra também teve um decréscimo no consumo e praticamente o estabilizou num patamar de 5% a 6%.
E o Brasil?
No nosso país, hoje, estima-se em 12%, percentual que vem crescendo ano a ano. Nós ainda não chegamos ao limite, e a adoção de uma política que barre esse crescimento já seria uma vitória.
Cite um exemplo, senador…
Por exemplo, uma política pública que proíba a propaganda de bebida alcoólica. Qual foi o efeito de uma medida como essa naquele país? Eu creio que uma medida assim tem efeito semelhante para melhor e para pior em qualquer parte do mundo. Mas vale a pena conhecer quem já adotou uma medida como esta, há muitos anos. Quem proibiu o uso de recursos públicos que motivava, de alguma forma, o consumo de drogas? Muitas vezes, nós temos no Brasil recursos de patrocínio de determinados eventos que são amplamente favoráveis ao consumo da droga. Que medidas foram tomadas em outros países? No plano de qualificação profissional, para dar outro exemplo, isso foi centralizado em universidades? Foi criada uma rede própria? Como fizeram para avançar com uma medida como essa? Certamente, medidas como essas, adotadas em outros países podem ser adotadas num país como o Brasil. Principalmente o financiamento. De onde vem o dinheiro para dar sustentação a essas políticas? É um fundo? Sai das vendas das drogas legais? Como é feita a parceria em diferentes níveis de governo em cada país? O que deu certo, o que deu errado? É isso que a comissão quer buscar.
No Brasil, pessoas importantes defendem a liberação da maconha. O senhor acha que isso poderá gerar um retrocesso nesse trabalho que agora se busca desenvolver no Brasil?
Nós vamos visitar Portugal, que tem experiências muito semelhantes às do Brasil. Lá, o usuário também não é mais tratado como criminoso, mas responde por qualquer crime que cometer sob o efeito da droga. Porém, o simples fato de fumar maconha ou craque, ou usando cocaína, não é mais considerado um crime. O que o Brasil precisa fazer é examinar se apenas essa medida é suficiente. Tudo bem, não vai preso, mas continua normalmente usando drogas aos olhos da sociedade? Veja o incômodo que geram para o Brasil as chamadas cracolândias, espalhadas em vários pontos do País. É natural encarar essas cracolândias como algo natural? Particularmente, eu compreendo que a Legalização de qualquer droga reduz a criminalidade em torno dela, no comércio da droga. Você quase não tem crimes no Brasil por causa da comercialização de bebidas e cigarros, porque eles não são proibidos. Não existem redes de traficantes de bebidas e cigarros, como se no caso de outras drogas. Porém, são as drogas mais consumidas e, pelo efeito dessas drogas existe um custo Brasil. Um custo de aproximadamente R$ 30 bilhões por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde, somando-se o custo da saúde, o custo dos alunos que perdem as aulas, o custo de trabalhadores que faltam ao trabalho ou reduzem sua produtividade etc. Eu estimo que com R$3 bilhões por ano, nós poderemos adotar uma política de prevenção, tratamento e reinserção social.
O Brasil investe o necessário para enfrentar esses problemas?
O Brasil investe hoje cerca de R$ 300 milhões por ano, cerca de 1/10 do que seria necessário. Eu acredito que examinar essas experiências de perto vai municiar a comissão do Senado e da Câmara, que é quem vai ter de apresentar um plano nacional mais eficiente. No nosso retorno, nós vamos concluir o relatório da comissão e apresentar sugestões. Mas nós ouvimos experiências de vários outros países, como Estados Unidos, México, Chile e outros países da América do Sul. Escolhemos esses quatro, porque foram os que mais nos despertaram a curiosidade, seja pelas diferenças na atuação ou pelo êxito comprovado.
A imprensa internacional tem mostrado que a guerra contra a droga, que foi decretada pelos presidentes Reagan e Bush filho, não trouxe os resultados esperados. Uma dessas etapas, que se destacou nos últimos dias, foi a de combate ao tráfico na sua origem. Com isso, nos EUA, o tráfico passou a ser combatido na fronteira com o México, e o que está acontecendo aconteceu é que os narcotraficantes desceram para a América Central, chegando às bordas da Amazônia. Como pode combinar uma política de prevenção, considerando que uma vez que se diminua o consumo vai haver maior oferta e pressão sobre os produtores?
Vou citar um exemplo, que a princípio pode parecer fora do contexto. O Brasil tinha uma experiência de caça liberada a aves e animais, que caminhavam para a extinção. O Brasil tomou uma medida para evitar a caça deles. Claro que, no início, foi uma forte reação, mas o fato é que as comunidades espalhadas em regiões pouco habitadas no Brasil vivenciaram experiências que permitiram hoje a convivência de famílias em parques. No Parque Nacional da Serra da Capivara, por exemplo, famílias inteira foram treinadas para viver dentro de um parque. Ou seja, elas precisam de uma renda. Se não têm, elas vão queimar lenha, vão atrás de carne de aves e animais. Mas, se elas são treinadas para ser agentes de turismo, trabalhar com artesanato, com as frutas nativas, enfim , trabalhar com aquilo que não torna o cidadão inimigo na natureza naquele ambiente, isso dá um efeito. Então, no caso da droga, claramente a guerra contra ela será sempre ineficiente e perigosa. Ou seja, matam mais pessoas inocentes no combate ao traficante do que das conseqüências da droga: câncer, leucemia, problemas no cérebro etc. Então, o que dá força ao discurso da legalização da droga é acabar com o traficante. E é verdade. A liberação tem um efeito de redução de mortes imediato, porque já não é mais ilegal. Agora, se legalizarmos todas as drogas, não tenho dúvida que o crack, a maconha e a cocaína vão ter um gigantesco crescimento de consumidores. Nesse momento teremos conseqüências mais sérias sobre o usuário.
Alceu Nader e Eunice Pinheiro