A busca da felicidade – Por Marta Suplicy

Ele tem dez anos e tentou me explicar as suas relações familiares: "Minha mãe tem três filhos, dois com meu pai e uma menina com o Ricardo. Ele mora com minha mãe e, às vezes, as duas filhas dele também moram com a gente."

É dia marcado? "Claro! Terça, quinta e fins de semana alternados. Em alguns desses fins de semana, eu e meu irmão vamos para a casa do nosso pai, que se casou e tem mais um filho, que joga bem futebol." Explicação dada na maior tranquilidade.

 

Conversa com a menina de oito anos, única filha do casal: “Às vezes, meus irmãos implicam comigo. Mas minha mãe já me explicou: eles têm ciúmes. Porque a única que tem pai e mãe juntos sou eu.”

Quando era pequena, não existia nenhuma criança na minha classe com pais separados nem mães que trabalhavam fora. Quando me casei, as separações, se bem que raras, já ocorriam. Divórcio não existia e algumas mães, pouquíssimas, já trabalhavam.

Lembro-me que, nos anos 60, minha ex-sogra, mãe de 11 filhos, não podia receber em casa seu irmão recém-separado de Maysa Matarazzo, pois a igreja não permitia. Aos poucos, alguns dos filhos e filhas se separaram e a regra mudou.

Com a pílula anticoncepcional, a liberdade sexual e a entrada para valer da mulher no mercado de trabalho, mudou muito a estrutura da família. Sem falar na justa reivindicação da comunidade gay para que reconhecessem a relação entre duas pessoas do mesmo sexo como união estável, processo que demorou 16 anos.

A sociedade melhorou. Basta lembrar o sofrimento das avós que não tinham alternativa e aturavam um casamento infeliz. E havia aquelas faziam o enfrentamento e eram socialmente discriminadas e outras que apanhavam em silêncio.

Lembro-me que, na época do “TV Mulher” (anos 80), fui convidada para uma palestra sobre psicologia no Piauí. Perguntei às organizadoras se uma senhora que me havia feito perguntas instigantes poderia nos acompanhar num jantar. Saia justa geral com a explicação encabulada: “É melhor não, porque ela é desquitada”.

Os anos 80 estão na esquina! Entre “ficar”, morar junto, divorciar e casar novamente, não se estranha mais. Foi acionado o gatilho da busca da felicidade. Escrevendo esta coluna, dei-me conta de que essa procura tornou-se mais importante do que a preservação da família tradicional.

As pessoas, quando podem, não ficam com quem não amam. Têm um limiar de tolerância mais baixo e a percepção que merecem ser felizes. O que não mudará no ser humano é a busca do que o psicanalista Wilfred Bion chama de “o encontro de corpo e alma”.

Estamos fadados a buscar a felicidade com mais percalços que nossos avós e com mais chances de achar.

Publicado na Folha de S.Paulo

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