A imprescindível transição para uma “economia verde”, que gere baixos índices de emissão dos gases de efeito-estufa e outros agentes poluidores, implicará investimentos e custos de monta para a maior parte dos países. No entanto, a crise ambiental não gera apenas custos e sacrifícios, ela cria também um novo e amplo horizonte de oportunidades, especialmente para aqueles países que saírem à frente nesse complexo processo de transição.
Pois bem, o Brasil já saiu à frente. Muito antes de se falar em mudanças climáticas, o Brasil foi obrigado, pelas duas crises do petróleo, a inovar e fazer pesados investimentos em energias renováveis, particularmente nas originadas pela exploração das biomassas. A criação e o desenvolvimento do Proalcool, nas décadas de 70 e 80 do século passado, aliviaram, até certo ponto, a nossa balança comercial das pesadas importações de petróleo e derivados. A decadência posterior do programa, em função essencialmente da queda relativa dos preços internacionais de petróleo e derivados, não obstou a geração de um acúmulo tecnológico que se revelou providencial nos últimos anos.
Hoje, temos tecnologia avançada para a produção de biodiesel e o país é o segundo maior produtor mundial de etanol, perdendo apenas para os EUA, que produzem etanol de milho altamente subsidiado e cerca de três vezes mais caro do que o nosso. A produção nacional de etanol passou de 14,6 bilhões de litros na safra 2003/2004 para 25,9 bilhões de litros em 2009/2010. As exportações subiram de 700 milhões de litros, em 2003, para 3,3 bilhões de litros, em 2009.
As nossas vantagens na produção de bioenergia são imbatíveis, dada a maior produtividade da cana-de-açúcar para a produção de etanol e nossa potencialidade para expandir rapidamente sua produção. A produtividade da cana (7.500 litros por hectare) é quase o dobro da do milho (3.800 l/ha) e cerca de 40% mais alta do que a da beterraba (5.500 l/ha). Além disso, a cana tem uma alta produção de biomassa com um relativamente menor insumo de energia ao longo de toda a cadeia produtiva do etanol. Seu balanço energético é de 8,7, ou seja, o etanol contém quase 9 vezes mais energia do que consome para sua produção.
As perspectivas de expansão da demanda mundial são promissoras, mesmo em um quadro de menor crescimento da economia global. Diversos países estão incorporando à sua legislação normas para possibilitar e regular a mistura do álcool à gasolina, que abrem perspectivas favoráveis de crescimento da demanda. O Brasil, o segundo produtor mundial de etanol, já conta com uma produção de 22 bilhões de litros, mais de um quinto da qual é exportada. A área atualmente utilizada pela cana, cerca de 8 milhões de hectares, pode facilmente duplicar-se ou triplicar-se sem comprometer a produção de alimentos e a preservação de biomas estratégicos, como o da floresta amazônica, pois essa expansão pode ser feita fundamentalmente em áreas degradadas.
Ainda dispomos também de um potencial hidrelétrico considerável, não utilizado plenamente, o que nos deixa em posição confortável vis à vis outros países, principalmente aqueles mais avançados.
O Brasil também tem imenso potencial de geração de energia solar, por ser o país com a maior área tropical do planeta. O potencial de geração de energia eólica é, da mesma forma, muito significativo, especialmente no litoral da Região Nordeste, que se beneficia da predominância dos ventos alísios, e no litoral da Região Sul.
Por conseguinte, o Brasil está muito bem posicionado para expandir rapidamente, sem gerar custos sistêmicos para sua economia, a geração de energias renováveis. Na realidade, essa expansão poderá gerar grandes dividendos e muitos empregos para o nosso país. Saliente-se que somente a cadeia do etanol já gera mais de um milhão de empregos no Brasil.
Não obstante, há empecilhos. O principal deles tange ao protecionismo agrícola dos países mais avançados, que poderia impedir que o Brasil exportasse sua energia limpa proveniente das biomassas para os grandes mercados carentes de energias renováveis. Com efeito, a intensa proteção às formas ineficientes de se produzir energias renováveis, vigentes nos EUA e na União Europeia, poderia limitar bastante a realização do potencial natural que o Brasil possui nessa área.
Além disso, alguns países vêm fazendo esforços consideráveis para sair do atraso, neste campo. A China, por exemplo, embora ainda dependa muito de fontes “sujas” de energia, como o carvão, está investindo intensamente no desenvolvimento de energias renováveis. Em 2006, o desenvolvimento da energia solar já gerava cerca de 600 mil empregos naquele país, e a energia das biomassas empregava ao redor de 270 mil pessoas. Saliente-se que a China pretende produzir, já em 2020, 30 gigawatts de energia eólica e montante igual de energia proveniente das biomassas. Na Alemanha, as atividades relativas à produção de biodiesel subsidiado empregavam, no mesmo ano, cerca de 95 mil pessoas, e a energia eólica gerava postos de trabalho para mais 82 mil.
Nos EUA, o American Clean Energy and Security Act of 2009 prevê que, até 2020, a eletricidade distribuída naquele país terá de provir em pelo menos 20% de fontes renováveis. Isso implicará, obviamente, grande esforço de investimentos.
A combinação de vultosos investimentos com o protecionismo agrícola poderá resultar no desenvolvimento de novas e mais eficientes fontes de energias renováveis, inclusive oriundas da exploração da biomassa (como a produção de etanol a partir da celulose), o que poderia prejudicar os interesses brasileiros. É preciso, portanto, consolidar a vanguarda do Brasil nesse campo estratégico com novos investimentos. Os recursos do pré-sal deverão ser usados também com esse objetivo. Ademais, cumpre redobrar a ofensiva contra o protecionismo agrícola dos países mais desenvolvidos.
Outra grande vantagem comparativa do país na área ambiental tange à sua biodiversidade, a qual corresponde a cerca de 23% da biodiversidade planetária. Essa notável biodiversidade poderia embasar, com os devidos investimentos, uma indústria de biotecnologia de vanguarda mundial. Além disso, a nossa grande disponibilidade em água doce, recurso estratégico crescentemente escasso, nos permitiria avançar sem estrangulamentos na produção de alimentos.
Em resumo, o Brasil que já assumiu uma posição ofensiva e propositiva nas discussões relativas às mudanças climáticas e que vem equacionando corretamente a questão do desmatamento, tem tudo para se tornar um dos países líderes da nova “economia verde”, gerando empregos e oportunidades para muitos e contribuindo, nesse processo, para o desenvolvimento sustentável do planeta.