Censura e mordaça. Estes são alguns dos adjetivos dados por professores e professoras do país ao projeto de lei conhecido como ‘Escola sem Partido’ (PL 7.180/2014), que é discutido por uma comissão especial sobre o tema na Câmara dos Deputados.
A proposta seria debatida e votada nesta terça-feira (31), mas foi adiada para a próxima semana após o início da ordem do dia da Câmara, que tem prioridade sobre as demais comissões da Casa.
Antes do anúncio, dezenas de manifestantes contra a proposta se aglomeraram para tentar acompanhar a comissão. Aos gritos de “livro, sim; arma, não”, estudantes e professores pediam respeito à democracia e ao direito de expressão dos docentes em sala de aula.
“As perseguições agora tiveram uma lente de aumento muito grande com essa possibilidade de perseguição aos docentes, que construíram a história do Brasil. E, nesse momento, nós estamos nos sentindo violentados. Perseguir professores, cercear os seus direitos é uma violência contra todos os trabalhadores em educação no país”, disse Ieda Leal, secretária nacional de Combate ao Racismo da CNTE.
Defensores do projeto também estiveram presentes, mas em número muito menor aos contrários à proposta. Alguns tentaram ofender professores e fizeram o símbolo de armas com as mãos, gesto característico de Jair Bolsonaro. Uma estudante de Ciências Sociais da UnB, que não quis se identificar, chegou a ser intimidada por rapazes que se diziam alunos de Direito.
No Twitter, #EscolaSemMordaça chegou ao terceiro lugar nos assuntos mais comentados na rede social. Antes da sessão ser suspensa, parlamentares do PT, como a presidenta do partido, senadora Gleisi Hoffmann (PR), usaram a hashtag para criticar a proposta.
“Educação sem senso crítico não é educação! Acontece, nesse instante, a sessão da comissão especial da Câmara que discute a lei da mordaça. Por #EscolaSemMordaça!”, disse a parlamentar no Twitter.
Censura
O PL 7.180/2014 obriga todas as escolas do país, sejam públicas ou privadas, a fixarem um texto em tamanho A4 (folha de papel padrão) em determinados locais da instituição, como a sala de aula. Chamado no projeto de “Deveres do Professor”, o documento diz que, entre outros, que o docente não deve “promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias”.
Apesar do projeto não definir quais as punições seriam aplicadas, isso pode ser feito posteriormente pelo Poder Executivo – no caso, a pasta ligada à Educação – por meio de uma regulamentação da lei.
“Acho que há um projeto muito claro de sociedade colocado desde domingo (28). É para que os jovens fiquem no seu devido lugar, principalmente os de escola pública, de periferia, negros, mais pobres, menos favorecidos, que estavam ascendendo academicamente”, afirma Vania Rego, mestra em Gestão e Políticas Públicas Educacionais pela UnB e servidora da Secretaria de Educação do Distrito Federal.
A legislação, apesar de levar ainda dois anos para entrar em vigor, foi duramente criticada pelo Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), que reúne diversas entidades ligadas à educação.
“Censura e mordaça são práticas próprias de regimes ditatoriais. A proteção de alunos e a garantia de uma educação de qualidade se faz com maior autonomia conferida às escolas e aos docentes, com controle social democrático, com estímulo ao pensamento crítico e com maiores investimentos no fortalecimento da escola pública e na valorização dos seus docentes”, diz a nota do FNPE.
A expressão ‘Escola sem Partido’ foi retirada do projeto original pelo relator da matéria, deputado federal Flavinho (PSC-SP). Ele, no entanto, não alterou o conteúdo censurador da proposta.
Caso seja aprovada na Câmara, a matéria que censura professores segue para análise do Senado Federal.
Perseguições
Educadora Vânia Rego criticou projeto censurador e tentativas de intimidação de educadores
A mobilização em torno do projeto faz parte de uma onda conservadora que tem ameaçado professores. Apesar de ainda não haver nenhuma legislação específica, os profissionais têm sido intimidados em todo o país.
Em um dos casos mais chocantes, policiais militares entraram armados em um campus da UEPA no município de Igarapé-Açu (PA), no dia 24, para averiguar o teor ideológico de uma aula e ameaçaram de prisão um professor. A polícia foi chamada por uma das alunas, que é filha de um policial, após o docente ter feito uma menção à produção de fake news.
As reações também envolvem tentativas de calar professores. É o que pretende a deputada estadual eleita por Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo (PSL). Em post nas redes sociais, ela pede que estudantes enviem vídeos a um determinado número de telefone com denúncias de professores que criticarem Bolsonaro em sala de aula. O anúncio conta com a assinatura do ‘Escola sem Partido’.
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