A instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar o uso massivo das chamadas fake news durante o processo eleitoral de 2018 é um passo importante para preservar o direito à informação, a primeira vítima dessa prática desleal e, não raro criminosa.
Esta é a conclusão dos especialistas em Comunicação reunidos na tarde desta quinta-feira (4) para debater a influência das fake news na sociedade, tema da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS).
Participaram da audiência pública da CDH Antonio Paulo dos Santos, da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Marina Pita, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Angela Silva Brandão, diretora da Secretaria de Comunicação Social do Senado Federal, Cid Benjamin, vice-presidente Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Cristiano Lobato Flores, diretor da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), Emmanuel Colombié, dos Repórteres sem Fronteira, Lincoln Macário, da Secretaria de Comunicação da Câmara dos Deputados, e Thiago Firbida, coordenador do Projeto de Proteção e Segurança do Artigo 19.
Esquina civilizatória
As informações falsas e os conteúdos voltados para a desinformação não são um problema exclusivo do Brasil. Uma pesquisa realizada pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, aponta que 50% de todo o tráfego de conteúdo na internet, atualmente, já é obra de robôs. Uma parte considerável desse volume é composta de fake news.
“Estamos em uma esquina civilizatória”, resume o senador Jaques Wagner, expressando sua preocupação com o tsunami de desinformação a serviço de interesses políticos na internet. “A mentira na imprensa é uma coisa muito antiga, mas o avanço e a disseminação da tecnologia levou essa realidade a outro patamar”.
Liberdade de expressão
Todos os participantes da audiência pública da CDH enfatizaram que o combate às fake news não deve se constituir em entrave ao exercício do direito à informação e à liberdade de expressão. “A liberdade de expressão, porém, não é absoluta, como diz a Constituição”, alerta Marina Pita, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
Discurso de ódio, crimes contra a honra — difamação, calúnia e injúria — desinformação (fake news) e outras práticas ilegais e desleais não estão cobertas pela liberdade de expressão. “Em geral, esse tipo de conteúdo configura falsidade ideológica ou um dos crimes contra a honra, já punidos em nossa legislação”, lembra o senador Jean Paul Prates (PT-RN).
Industrialização da mentira
A novidade, aponta o senador, é a “industrialização da mentira, da desinformação”, decorrente do uso das novas tecnologias. “A velocidade da multiplicação das mentiras, a capacidade de disseminação desse tipo de conteúdo é que dão a dimensão do nosso desafio”.
Para Jean Paul, a CPMI das fake news precisa investigar quem são os criminosos que produzem esses conteúdos, em geral, para favorecer grandes interesses.
Ameaças a Glenn Greenwald
Uma preocupação manifestada durante a audiência da CDH foram as ameaças contra o jornalista Glenn Greenwald, do site noticioso The Intercept Brasil, responsável pela divulgação de diálogos que expõem a politização da Operação Lava Jato. Como parte da perseguição, o ministro da Justiça Sérgio Moro que teria determinado à Polícia Federal e ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) uma devassa contra o jornalista.
“Moro sequer disfarçou. Foi aos Estados Unidos e voltou com a ordem para que o Coaf investigasse Greenwald”, criticou Jaques Wagner. A notícia da ordem de devassa contra o jornalista foi dada pelo site de direita O Antagonista, veículo com fortes vínculos com a Lava Jato.
Acompanhamento independente
Quando os recursos convencionais contra a indústria da desinformação — a denúncia, a retirada desses conteúdos das plataformas e a responsabilização dos produtores do material — não são suficientes, é preciso reforçar a transparência e o controle social, defende o senador Wagner.
Um exemplo de bom instrumento é o projeto do senador Humberto Costa (PE), líder da Bancada do PT, que cria a Instituição Independente de Acompanhamento de Mídias Sociais, integrado por representantes da sociedade civil, para assessorar o Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional.
Uma das atribuições dessa instituição independente é funcionar como um observatório dessa indústria de fake news.