Da mesma forma que as políticas públicas aprovadas no Congresso para enfrentar a epidemia mitigaram os impactos econômicos da crise em 2020, sua suspensão pelo desgoverno Bolsonaro, em 31 de dezembro, teve impacto sobre vários indicadores. A inadimplência é um deles. Com o fim do auxílio emergencial, da redução de jornada e salário e do crédito para micro e pequenas empresas, o número de compromissos atrasados voltou a subir em janeiro e fevereiro, e deve crescer ainda mais.
Dados do Banco Central revelam que atrasos acima de 90 dias em empréstimos alcançaram 2,3% em fevereiro. O crescimento foi de 0,14 ponto em relação a dezembro, último mês de pagamento do auxílio. No fim do ano, o indicador estava em 2,12%, menor valor da história. Ainda houve crescimento de 0,23 ponto percentual em atrasos de 15 a 90 dias, maior percentual desde maio de 2020.
O Banco Central também estima que, em dezembro, o comprometimento da renda das famílias brasileiras com dívidas bancárias chegou a 31,1%, pico da série histórica. O endividamento das famílias também é recorde: 56,4% da renda total.
Segundo a economista Isabela Tavares, especialista em crédito da Tendências Consultoria Integrada, as ações oficiais para manter a renda das famílias em 2020 contribuíram para segurar as dívidas. “Houve medidas na área de crédito e o auxílio emergencial, que sustentou a massa de renda. Em 2021, sem as medidas emergenciais, já se esperava uma reversão”, disse ao ‘Estado de São Paulo’.
Rafael Schiozer, professor de finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas), acredita que a inadimplência vai aumentar. “O índice nesses primeiros meses veio mascarado pelas renegociações. Acho que temos uma onda de inadimplência vindo, especialmente no segundo trimestre”, afirmou à ‘Folha de São Paulo’.
O Banco Central também estima que, em dezembro, o comprometimento da renda das famílias brasileiras com dívidas bancárias chegou a 31,1%, pico da série histórica. O endividamento das famílias também é recorde: 56,4% da renda total.
O economista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Feldmann também projeta que a inadimplência deve saltar. “Já tivemos uma queda importante no consumo no início do ano e isso é um sintoma de como está a economia: as pessoas estão sem dinheiro. Com um auxílio bem menor e que abrange menos beneficiários, além do nível alto de desemprego, é natural que as pessoas deixem de pagar as dívidas”, conclui.
Roberto Piscitelli, professor de economia da UnB (Universidade de Brasília), lembra que, para piorar, a inflação dos itens que mais pesam no orçamento dos mais pobres, como alimentos e habitação, segue alta. “Isso corrói o poder de compra do consumidor e pode puxar para cima a inadimplência. Pela deterioração do cenário econômico neste ano, acredito que a tendência é de alta no indicador”, avalia.
O IGP-M, índice do aluguel da Fundação Getulio Vargas (FGV), acumula alta de 31% em 12 meses até março. O índice oficial de inflação (IPCA) também acelera: em março, a alta acumulada em 12 meses atingiu 6,1%.
Enquanto a inflação sobe, a renda segue estagnada. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a massa de rendimento do trabalho somou R$ 211,4 bilhões no trimestre encerrado em janeiro de 2021. O valor é quase 7% inferior ao do mesmo período de 2020.
“A inadimplência está começando a “desrepresar”, alerta o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi. O primeiro bimestre encerrou com 61,6 milhões de inadimplentes, segundo o birô. Número um pouco maior que o de dezembro de 2020 (61,4 milhões). “Se a dificuldade se mantém, mais ou menos em seis meses a inadimplência bancária começa a subir, e é o que está acontecendo agora”, observa.
Após renegociarem quase R$ 1 trilhão em contratos de empréstimos no ano passado, suspendendo R$ 146,7 bilhões em parcelas de financiamentos – mais de 50%, com pequenas empresas e consumidores – os maiores bancos identificam novas dificuldades. Algumas instituições já se preparam para mais medidas de apoio ao crédito.