Especial

Bolsonaro e a cloroquina: presidente e garoto-propaganda

Sem a promoção constante de Jair Bolsonaro, a cloroquina não teria se tornado um negócio milionário que beneficiou empresários amigos do atual presidente

As investigações da CPI da Covid apontam que a forma criminosa como Jair Bolsonaro tratou a pandemia — minimizando seus riscos, desdenhando da vacina e divulgando remédios sem eficácia contra o novo coronavírus — não foi só uma questão de negacionismo. Ao que tudo indica, tratou-se também de uma “tática de negócio sujo”, como descreveu o jornalista Jânio de Freitas.

E, embora as evidências de corrupção na aquisição de vacinas sejam mais fortes neste momento, a promoção da cloroquina não fica muito atrás. Como já mostramos aqui no site, a droga que serve para combater a malária e doenças autoimunes serviu perfeitamente como peça da propaganda negacionista, mas há também muito dinheiro envolvido. Empresários do setor farmacêutico ganharam muito dinheiro. E nunca fariam isso sem Jair Bolsonaro.

O atual presidente, primeiro, garantiu as condições para que empresários aliados fabricassem e vendessem milhares de doses de cloroquina e outras drogas do chamado “tratamento precoce”. Fez isso por meio de canetadas, assinando diversas medidas administrativas, e por meio de telefonema para o governo indiano, requisitando insumos para a fabricação. Em seguida, transformou-se no garoto-propaganda do remédio, divulgando o nome e exibindo a caixa do remédio de forma incessante.

Só em discursos oficiais, foram 23 citações à cloroquina até o mês passado, segundo levantamento do jornal O Globo. Uma delas, em plena reunião virtual do G-20, ainda em março de 2020, quando Bolsonaro mostrou uma caixa de Reuquinol, nome com o qual a hidroxicloroquina é vendida pela empresa Aspen, cujo presidente, Renato Spallicci, fez campanha por Bolsonaro em 2018 e até hoje faz apaixonada defesa dele em suas redes sociais.

Mas não foi só em falas oficiais que a propaganda ocorreu. Bolsonaro não se cansou de divulgar os remédios em suas lives na internet, nas entrevistas à imprensa e nas interações com apoiadores e até mesmo as emas que vivem no jardim do Palácio da Alvorada. No estudo A aliança da hidroxicloroquina: como líderes de extrema direita e pregadores da ciência alternativa se reuniram para promover uma droga milagrosa, o cientista político Guilherme Casarões e o professor de relações internacionais David Magalhães destacam um episódio em particular no qual Bolsonaro claramente buscou dar um ar sagrado à cloroquina, buscando assim atingir de forma mais eficiente seus eleitores cristãos.

“O apelo de Bolsonaro aos cristãos sempre foi um elemento importante de sua popularidade, o que pode explicar suas constantes citações a versículos bíblicos e sua proximidade de líderes evangélicos, alguns dos quais se tornaram divulgadores da cloroquina”, escrevem os pesquisadores. “Depois de testar positivo para a Covid-19, em 7 de julho de 2020, o presidente Bolsonaro anunciou que estava tomando a cloroquina como parte do seu tratamento. Naquele dia, ele mencionou o remédio 17 vezes aomo uma potencial cura para a doença. Nas semanas que se seguiram, ele apareceu algumas vezes erguendo uma caixa de cloroquina diante de grandes grupos de pessoas (veja no vídeo acima), o que elevou a droga a um tipo de símbolo religioso”, completam.

Sem o presidente Bolsonaro, que garantiu as condições legais e estruturais para a fabricação, e sem o garoto-propaganda Bolsonaro, que incessantemente a divulgou, a cloroquina não teria sido um negócio milionário no Brasil. Já se sabe que beneficiou amigos do atual presidente. Para pessoas atentas, não será surpresa, portanto, se a CPI da Covid descobrir também que beneficiou ou próprio Bolsonaro ou seus familiares.

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