ARTIGO

Jaques Wagner: Não adianta olhar para trás

É triste pensar que alguns militares de hoje, seduzidos por cargos e posições de destaque no atual governo, parecem ter escolhido se associar a um projeto entreguista e que destrói a nossa soberania nacional
Jaques Wagner: Não adianta olhar para trás

Foto: Alessandro Dantas

Causa indignação o projeto de destruição nacional que está em curso hoje no Brasil. Vivemos uma sequência tão intensa de absurdos, com uma nova perversidade sempre superando as anteriores, num ritmo que parece ter como objetivo naturalizar a barbárie. Mas não podemos aceitar, nem deixar de expressar nosso inconformismo.

Vemos hoje o avanço da CPI da Covid no Senado, que vai comprovando cada vez mais o quanto este governo agiu de forma cruel, desumana e irresponsável diante da pandemia. A revelação das negociações em torno da compra de vacinas, indispensáveis para salvar vidas, são chocantes. E vejam que as últimas revelações não são oriundas da oposição, mas de um deputado da base de apoio ao presidente, de um servidor de carreira do Ministério da Saúde e do representante de uma empresa que negociava com um funcionário de confiança do governo. Defendo que tudo precisa ser investigado e que os culpados por tanta negligência com os brasileiros e brasileiras sejam devidamente responsabilizados. Por todos esses motivos, assinei o pedido de prorrogação da CPI. Além de que, se comprovado, escancara a corrupção deste governo justamente numa área vital e num momento tão delicado.

Se não bastasse estarmos vivendo a maior crise sanitária da história e o luto por mais de meio milhão de vidas perdidas, temos também a destruição ambiental, o aumento da miséria, da fome, da inflação, o desemprego e o desalento. Há ainda a liquidação do nosso patrimônio e o risco de racionamento de energia, cuja conta será paga pela população e as consequências impactam diversos setores da economia, já que o aumento da tarifa também afeta a indústria, o comércio e a agricultura.

Tudo isso acontece sob o comando de um presidente desorientado, atormentado, acuado. Um líder que não lidera, um governante que não governa, sem empatia, sem humanidade, que só prega confusão para manter-se no poder. Como toda pessoa sem razão, apela para gritos e ofensas, desrespeitando mulheres, minorias, imprensa e todos que pensam diferente dele.

A recente autorização do Congresso Nacional para a venda da Eletrobras é um dos mais graves acontecimentos desse período tão difícil para o povo brasileiro. Sem nenhum debate, de forma atabalhoada, a boiada passou carregando uma série de penduricalhos que só favorecerão empresários do setor energético, que aumentarão seus lucros, em detrimento do interesse da população, a quem restará uma salgada fatura. Inclusive, já foi anunciado um novo aumento na conta de luz, como uma espécie de maldição antecipada pelo malfeito dos entreguistas de plantão, insensíveis a tudo que nossa gente está sofrendo nesse momento tão dramático.

Considero esse episódio especialmente constrangedor para os militares, que estão com a imagem cada vez mais associada a este governo. Sem relativizar o rompimento democrático e as graves violações de direitos humanos, faço questão de resgatar que os governos militares implantaram no Brasil um Plano Nacional de Desenvolvimento focado na industrialização do Brasil, que criou 47 empresas públicas e fortaleceu tantas outras, como a Eletrobras, que foi concebida por Getúlio Vargas e inaugurada por João Goulart.

É triste pensar que alguns militares de hoje, seduzidos por cargos e posições de destaque no atual governo, parecem ter escolhido se associar a um projeto entreguista e que destrói a nossa soberania nacional. Traem não somente a Nação, como também os próprios valores patrióticos das Forças Armadas.

Espero que o espírito nacionalista e de fortalecimento do Estado prevaleça diante de tantos desmandos. As Forças Armadas são infinitamente maiores que a irresponsabilidade deste governo. Como escreveu o jornalista Helio Doyle, em artigo no Congresso em Foco, os “militares não bolsonaristas querem tirar as Forças Armadas do pântano em que foram jogadas e não gostam de ver milicianos e policiais, militares ou civis, todos armados, ganhando proeminência”.

Hoje, vemos que há um cerco se fechando. Na medida em que sua popularidade vai caindo, o presidente e os aloprados que o cercam vão ficando cada vez mais desesperados. E não é para menos. Pesquisa do Ipec indica que mais da metade dos que votaram no atual presidente em 2018 já não votarão mais. Isso reforça minha esperança de que logo daremos a volta por cima para reconstruirmos este país, garantindo empregos, serviços de qualidade, igualdade e justiça social para todos e todas, promovendo um reencontro do Brasil consigo mesmo.

Como otimista que sou, avalio que para chegarmos nisso, precisamos saber dialogar e acolher os arrependidos que fizeram uma escolha que deu errado. Já que não podemos mudar a história pretérita, que juntos consigamos pelo menos mudar os rumos daqui por diante. Pelo Brasil e pela humanidade.

Artigo originalmente publicado na revista Carta Capital

To top